Sacks abre o capítulo citando Borges — “o tempo é a substância de que sou feito”; “o tempo é um rio que me leva embora, mas eu sou o rio” — para perguntar se o tempo em que vivemos é contínuo como esse rio, ou se a experiência seria melhor descrita como momentos descontínuos, “contas de um colar”. Ele lembra Hume, que via a mente como uma coleção de percepções sucessivas, e convoca William James: para o próprio sujeito, a consciência parece sempre contínua, “sem ruptura, brecha ou divisão”, ainda que o conteúdo mude de um pensamento a outro sem solavancos. A dúvida de James é se essa continuidade não seria, em parte, uma ilusão análoga à do zootrópio, que combina imagens estáticas para dar a impressão de movimento. Sacks então argumenta que, melhor que o zootrópio, o cinema oferece a metáfora mais fiel do fluxo mental, porque seus recursos técnicos e conceituais — zoom, dissolução (fade), omissão, alusão e justaposição — imitam as curvas da consciência, onde os “instantâneos” não são isoláveis, mas ligados organicamente.
A clínica do autismo — inclusive em perfis com inteligência acima da média — pode ser lida pela chave proposta por Sacks: não falta “película” mental (conteúdo), falta montagem. À luz de James, a consciência parece fluir “sem ruptura, brecha ou divisão”, mas parte dessa fluidez é construída por meios de ligação entre instantes — o que o zootrópio ilustra como ilusão de movimento e o cinema realiza como arte de transições (zooms, dissolvências, elipses, justaposições). Quando essas passagens ficam custosas — entre estados, temas, gestos, lembranças e expectativas — o “filme” da experiência hesita e se fragmenta; a pessoa recorre a imagens fixas para sustentar compreensão social e continuidade de si. Não se trata de déficit global de cognição, mas de custo de transição: enfraquece-se a marcação de inícios e términos de ação, a narrativa pessoal perde coesão e o manejo social se esgota nas trocas rápidas ou ambíguas. É esse custo — mais do que o nível intelectual — que fragiliza a autoria (“quando comecei? quando terminei?”) e ameaça a sensação de fluxo que, como sugere Sacks, depende precisamente da colagem entre os quadros da vida mental.
Em amostras majoritariamente adultas e de alto funcionamento (n = 2322 TEA), os achados convergem para um mesmo eixo: o tempo organiza a experiência em três escalas interligadas. No microtempo (milissegundos a segundos), há janelas de integração atípicas em tarefas como TOJ/SJ/TBW, maior variabilidade na estimativa de intervalos e na sincronização motora, além de assincronias multissensoriais. Nesses casos, o problema não é o “mundo congelar”, mas a colagem fina entre instantes ficar trabalhosa. Como compensação, parte dos indivíduos recorre a imagética rígida: arquivar cenas como “fotos” e manipulá-las como álbuns mentais, estratégia que sustenta a compreensão, mas cobra memória operacional e reduz flexibilidade situacional.
Esse custo inicial de costura repercute na vida prática: transições sutis em conversas e tarefas (entrar/sair de tema, passar do gesto ao subtexto, alternar detalhe↔contexto) passam a exigir energia extra e tendem a produzir “solavancos” quando as trocas são rápidas ou ambíguas. O panorama quantitativo de 87 estudos ajuda a situar o quadro: 35/87 tratam do processamento temporal básico; 23/87 de rigidez cognitiva/temporal; 11/87 de continuidade autobiográfica; 9/87 de autoria da ação; e 6/87 de emoções autoconscientes — com lacunas persistentes em rigidez temporal fina e no conflito desejo–permissão interna. Em síntese: do laboratório (TOJ, SJ, janelas multissensoriais, tapping) ao cotidiano (previsibilidade, planejamento, organização da fala), quando a temporalidade vacila, arrasta consigo comunicação, autorregulação e agência, não por déficit global de cognição, mas por custo de transição ao montar o “filme” da experiência.
Detalhando o processamento do microtempo, quando a colagem microtemporal vacila, a montagem situacional (segundos a minutos) tende a dar “trancos”: conversas perdem as passagens suaves (transições), tarefas exigem roteiros explícitos e foco no resultado (o produto) acima do processo (o percurso). Os estudos nomeiam isso de rigidez cognitivo-temporal e o vincula a dificuldades de transitar entre etapas de uma mesma ação. O sujeito compensa com regras, mas paga em fadiga social e em autoria frágil — como se o início e o desfecho ficassem mal ancorados no tempo vivido. Essa estratégia converge para o desacoplamento desejo→ação (agency) e para os relatos de “pular de cena” sob estresse, sem ganho de continuidade subjetiva correspondente.
Já no processamento do macronível narrativo (meses a anos), as consequências acumulam-se: a memória autobiográfica vem mais curta e em blocos; projetar-se no futuro custa; o passado comparece como episódios altos e baixos pouco transicionados. James antecipa isso quando diz que, sem mistura com “alguma outra parte do fluxo”, o presente não seria fluxo; e Mill, citado por Sacks, radicaliza: se a consciência fosse um colar de contas separadas, “nunca poderíamos ter conhecimento algum exceto o do instante presente”. É precisamente esse risco clínico — o “colar de contas” — que aparece quando faltam dissolvências afetivas entre cenas internas: vergonha, orgulho, alívio e frustração deixam de servir de cola entre capítulos da vida. Assim, os estudos apontam esse flanco: expressão/reconhecimento atípicos de emoções autoconscientes, fragilidade de coerência biográfica e oscilação do pertencimento e do merecimento, mesmo com alta capacidade verbal.
Onde o fluxo “racha” no autismo
Microtempo: janelas temporais perceptuais (TOJ/SJ/TBW) atípicas; maior variabilidade na reprodução de intervalos e sincronização motora — “rigidez temporal fina” com integração sensório-previsiva menos estável. Isso fissura a colagem entre quadros sensoriais adjacentes.
Macrotempo: memória autobiográfica mais curta, fragmentada, pouco encadeada; dificuldade de auto-projeção (imaginar futuros) e de manter um fio narrativo de si.
Agency (autoria): desacoplamento desejo→ação, sensação de agir “por fora” ou com atraso do sentido de início; isso enfraquece a autoria contínua e alimenta a experiência de “ser um conjunto de episódios”.
Afasia emocional/cegueira de si: acesso mais pobre a estados internos sutis (vergonha, culpa, orgulho) e leitura não-verbal frágil; sem essas pontes afetivas, o filme do eu perde transições e cortes suaves — a montagem identitária fica “dura”.
Por que o filme vira “pilha de fotos”:
Milissegundos–segundos (colagem sensório-temporal): Janelas temporais atípicas e variabilidade elevam o “ruído” entre quadros sucessivos; fica mais difícil agrupar eventos como um mesmo gesto/fala. Resultado: mais quadros estáticos, menos movimento percebido.
Segundos–minutos (montagem situacional): Se a colagem fina falha, o cérebro compensa com regras explícitas e roteiros rígidos (foco no resultado > processo). Sem “dissolvências” afetivo-contextuais, as transições viram saltos (solavancos), cansando a memória operacional e encorajando estratégias visuais estáticas.
Horas–anos (narrativa autobiográfica e self): Com poucas costuras afetivas e frágil autoria ao iniciar/encadear ações, a história pessoal tende à coleção de episódios (“colecionador de experiências”): passado não informa o agora, e o futuro não é “pré-vivido”. A continuidade subjetiva — “sou o mesmo que atravessa o rio” — rareia.
Assim, neste contexto, a pergunta de James (“será descontínua e só parece contínua?”) ganha, no TEA, um sim parcial: a aparência de continuidade é mais difícil de construir porque faltam transições (perceptuais, motoras, emocionais) estáveis para montar o filme.
A vantagem de ler Sacks como modelo de funcionamento — e não como metáfora bonita — é que ganhamos uma hipótese unificadora: o que falta no autismo não é a película (conteúdos), é o laboratório de montagem (transições). Contudo, precisamos medir passagens (marcadores explícitos de início/fecho, gradientes afetivos como “fades”, alternância deliberada detalhe↔contexto, métricas de variabilidade temporal antes de interações exigentes) e conectar paradigmas de milissegundos a desfechos autobiográficos. Portanto, os dados dos 87 artigos apontam, ainda de forma tímida, para um continuum tempo → agency → identidade, em que perturbações no microtiming empobrecem a autoria, e esta, por sua vez, mina a coerência biográfica.
Essa moldura também reposiciona a questão do QI elevado. Longe de “proteger”, a alta capacidade verbal e analítica pode mascarar a fadiga de montagem. O indivíduo sustenta performance com regras e imagens, mas paga em energia e, não raro, em culpa e vergonha por “não ser como deveria ser”. A clínica não deve exigir dele mais “quadros”; deve oferecer melhores transições — um repertório de cortes suaves, dissolvências e zooms que transformem a sucessão em fluxo. Quando isso acontece, a experiência subjetiva se reorganiza: o passado deixa de ser arquivo, o presente deixa de ser túnel, o futuro volta a ganhar ensaio. O rio torna a correr, e a frase de Borges — “o tempo é a substância de que sou feito” — deixa de soar como sentença e volta a ser promessa.
Daqui sai uma conciliação clara entre Sacks/James e os estudos sobre processamento temporal no autismo: (1) se a consciência típica parece cinema é porque dispõe, implícita e afetivamente, de meios de montagem; (2) no autismo verbal de alto funcionamento, o custo de montar é cronificadamente maior — do compasso fino sensório-motor à costura narrativa; (3) a clínica, então, não deve pedir “mais cenas”, mas melhores transições. Em termos práticos, isso significa ritmar para colar (tapping/música para reduzir variabilidade e preparar passagens), nomear a autoria no tempo (“agora começo… agora fecho”), treinar dissolvências afetivas (escalas de intensidade que façam o afeto ligar capítulos) e ensaiar zoom/deszoom (detalhe→contexto→detalhe) como gramática cotidiana. Não se trata de “normalizar” o rio — trata-se de restituir continuidade suficiente para que o passado informe o presente e o futuro possa ser pré-vivido sem esmagar a memória operacional e autobiográfica. É exatamente aqui que o estudo clínico-teórico da TecnoNeuro se encontra com Sacks: não há consciência sem montagem, e é devolvendo ferramentas de montagem que transformamos um zootrópio fatigante em um filme habitável.
Em suma, os dados contemporâneos sustentam a hipótese de que, no autismo com inteligência acima da média, a descontinuidade do eu não nasce da pobreza de eventos internos, mas da dificuldade crônica de transitar entre eles. Essa dificuldade é mensurável no microtempo, observável nas cenas do dia e legível na narrativa da vida. Um programa científico consequente deve padronizar medidas de transição (marcadores de início/fecho, gradientes afetivos, alternância detalhe–contexto), conectar paradigmas de milissegundos a desfechos autobiográficos e desenhar intervenções que devolvam ao sujeito a autoria temporal de si. O que os números mostram — 87 estudos, recorrência de fragmentação autobiográfica, desacoplamento desejo–ação, rigidez temporal e afetos autoconscientes atípicos — já basta para enunciar a agenda; o que falta é refiná-la com instrumentos que tratem do que Sacks e James viram primeiro: não há consciência sem montagem. E é nesse trabalho de montagem — paciente, técnico, compartilhado — que o rio da consciência pode voltar a carregar, de um instante ao outro, a substância mesma de que somos feitos.
Observação: As citações seguem o trecho do capitulo “O Rio da Consciência” de Oliver Sacks (com título de livro de mesmo nome).
REFERÊNCIAS
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A atenção — entendida como a capacidade de selecionar, sustentar e alternar o foco diante de múltiplos estímulos — é uma “moeda comum” em praticamente todos os transtornos cognitivos e em inúmeras condições neurológicas adquiridas. Quando essa função se fragiliza, tarefas cotidianas tão diferentes quanto ler um texto, organizar os deveres escolares, manter o foco durante uma conversa ou modular a percepção da dor tornam-se desproporcionalmente difíceis. Não por acaso, intervenções voltadas à atenção ocupam hoje um lugar central na neurorreabilitação cognitiva e na educação em saúde.
Nos últimos cinco anos, cresceu de forma notável o repertório de intervenções digitais não medicamentosas: de jogos digitais com objetivos terapêuticos a programas computadorizados de modulação cognitiva, passando por aplicativos voltados à atenção plena e ao treino da percepção corporal. Essas propostas partem de princípios conhecidos — prática graduada com dificuldade adaptativa, feedback imediato, repetição estruturada e engajamento por metas — para provocar mudanças plásticas em redes cerebrais envolvidas no controle atencional. Ao mesmo tempo, exploram formatos compatíveis com a vida real: sessões curtas, uso domiciliar, monitoramento do progresso e integração possível a rotinas escolares e clínicas.
O quadro que emerge da literatura recente é simultaneamente animador e cauteloso. De um lado, observam-se efeitos específicos e reproduzíveis em provas objetivas de atenção (como vigilância, controle de interferência e inibição de resposta), com indícios de transferência para desfechos funcionais em contextos selecionados (por exemplo, desempenho em leitura, organização de tarefas e manejo da dor crônica). De outro, a adoção em larga escala ainda esbarra em obstáculos: falta de padronização de dose e de desfechos, variedade excessiva de protocolos, carência de seguimentos mais longos e integração limitada ao cuidado cotidiano — fatores que dificultam comparar resultados, estimar custo-efetividade e transformar ganhos de laboratório em benefícios tangíveis na vida das pessoas.
Este editorial analisa criticamente as tecnologias disponíveis, as lacunas técnicas e de aplicação em diferentes condições clínicas, e propõe caminhos práticos para que intervenções digitais de modulação atencional avancem do “promissor” ao “consolidado” na próxima etapa de desenvolvimento e implementação.
O QUE JÁ SABEMOS QUE FUNCIONA — E PARA QUEM
Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) pediátrico: Um marco metodológico é o ensaio duplo-cego, controlado e paralelo do jogo digital terapêutico AKL-T01 (conhecido comercialmente como EndeavorRx). O protocolo utilizou 25 minutos por dia, cinco dias por semana, durante quatro semanas e mostrou melhora objetiva no Teste de Variáveis de Atenção (TOVA) — especificamente no seu índice integrado de desempenho atencional — em comparação a um controle digital, com boa adesão e eventos adversos leves (por exemplo, frustração e cefaleia). É um sinal robusto de eficácia específica para inatenção quando há controle ativo rigoroso e dose padronizada.
Crianças sem diagnóstico clínico (amostra escolar): Um jogo que combina mecânicas de ação com exercícios de funções executivas (como inibir respostas automáticas e atualizar informações em memória operacional) produziu ganhos em leitura, atenção e planejamento, mantidos após seis meses. Embora a amostra não seja clínica, o mecanismo — treino de controle atencional com dificuldade adaptativa e reforço contingente — é convergente com o observado em terapias digitais voltadas ao TDAH, sugerindo transferência funcional da melhoria atencional para o desempenho acadêmico.
Condição pós-aguda da COVID-19 (sequelas cognitivas): Em adultos com queixas cognitivas após COVID-19, um estudo antes-depois com treino cognitivo computadorizado domiciliar e componentes de jogo (o que favorece engajamento) por oito semanas mostrou melhora em múltiplos domínios, inclusive atenção. É uma evidência pragmática de viabilidade e potencial benefício fora do campo pediátrico, embora sem controle ativo e com dose auto-ritmada, o que limita inferências causais.
Dor lombar crônica: Um aplicativo de atenção interoceptiva (exercícios muito breves, de dois minutos, repetidos várias vezes ao dia por oito semanas) reduziu dor e ruminação, captadas por medidas sintéticas como o PEG (escala curta que integra intensidade da dor, prazer nas atividades e participação nas atividades gerais). O mecanismo aqui é distinto: redirecionar a atenção para sinais corporais e reduzir o valor de ameaça, uma forma de exposição atencional mediada por tecnologia.
Marcadores cerebrais antecedendo desempenho: Em crianças e adolescentes com TDAH em uso de estimulantes, um estudo piloto com Ressonância Magnética funcional (RMf) observou modulações de atividade em redes parietais e estriato-límbicas durante tarefas de atenção e memória operacional após treino cognitivo computadorizado como adição ao tratamento. Mesmo quando as mudanças de desempenho clínico foram discretas, os marcadores neurais sugerem plausibilidade biológica e podem preceder efeitos perceptíveis em testes e na vida diária.
ONDE AINDA NÃO CHEGAMOS — E POR QUE ISSO IMPORTA
Diversas condições nas quais a atenção está no cerne do quadro ainda não receberam (ou receberam muito pouco) aplicação sistemática e ensaios robustos de modulação atencional por recursos digitais. Entre elas:
Transtorno do Espectro do Autismo (TEA): Perfis heterogêneos de atenção (hiperfoco em detalhes, dificuldade de alternância, sensibilidade sensorial) pedem intervenções adaptativas com suporte sensorial e objetivos ecológicos (por exemplo, atenção compartilhada em interações sociais). Faltam ensaios controlados com desfechos padronizados que contemplem essas particularidades.
Transtornos de linguagem (expressão e compreensão): O vínculo entre atenção e processamento linguístico sugere que treinos atencionais poderiam potencializar intervenções fonoaudiológicas, mas ainda faltam protocolos integrados e medidas que capturem transferência para comunicação funcional.
Transtornos motores (por exemplo, coordenação e marcha): A atenção é determinante para planejamento e execução motora, principalmente em contextos de dupla tarefa (mover-se e monitorar o ambiente). A aplicação digital aqui exigiria tarefas ecologicamente válidas e telemetria de movimento, ainda pouco exploradas.
Acidente Vascular Encefálico (AVE): Há evidência histórica para reabilitação de atenção após lesões vasculares, mas aplicativos/jogos domiciliares com dificuldade adaptativa, monitoramento remoto e adesão assistida ainda são raros em ensaios pragmáticos com seguimento longo.
Demências e comprometimentos cognitivos leves: A plástica neural é mais limitada e a generalização dos ganhos é difícil. Mesmo assim, intervenções que aliviem carga atencional de tarefas diárias ou otimizem a atenção sustentada em janelas curtas podem melhorar funcionalidade e bem-estar — faltam protocolos específicos, metas realistas e desfechos funcionais realmente significativos para essa população e seus cuidadores.
Transtornos do desenvolvimento específicos (TDE) e rebaixamentos cognitivos diversos. O campo carece de taxonomias claras de alvo (qual componente atencional treinar em cada perfil) e de rotas de implementação na escola e na clínica.
Ansiedade, depressão e outros transtornos do humor: A atenção frequentemente é capturada por estímulos de ameaça ou por ruminação. Existem sinais promissores para treinos atencionais e atenção interoceptiva, mas faltam comparativos cabeça-a-cabeça com psicoterapias já consolidadas, além de ensaios de dose-resposta.
Desempenho esportivo e escolar em populações típicas. A tradução de ganhos objetivos (por exemplo, menor variabilidade do tempo de reação) para indicadores reais (por exemplo, erros não forçados no esporte, organização de estudos e notas) pede protocolos híbridos (treino + rotina) e avaliações de campo, ainda incipientes.
Em comum, essas áreas esbarram em quatro gargalos:
Padronização insuficiente de dose (intensidade, frequência e duração) e de desfechos (um “núcleo mínimo” que permita comparar estudos).
Falta de ensaios pragmáticos com seguimento de médio e longo prazo e integração a rotinas reais (família, escola, clínica).
Baixa ecovalidade de algumas tarefas de avaliação, que mostram efeito em laboratório, mas não capturam de forma convincente a mudança na vida diária.
Desenho centrado na pessoa ainda limitado: adaptação sensorial, acessibilidade, suporte à adesão e co-construção com usuários precisam entrar como partes do tratamento, não como acessórios.
Em síntese: já há provas convincentes de que jogos terapêuticos e programas computadorizados podem modular componentes de atenção, especialmente em TDAH infantil, e sinais promissores em adultos (como dor crônica e sequelas cognitivas da COVID-19). O próximo salto exige levar a mesma rigurosidade de desenho (controle ativo, cegamento, dose explícita) e a mesma intenção de aplicação (rotina domiciliar, escola, clínica) para condições onde ainda não chegamos — autismo, linguagem, motores, AVE, demências, TDE, rebaixamentos cognitivos, ansiedade, depressão — e, assim, transformar a modulação atencional digital em cuidado efetivo e equitativo.
ONDE EMPERRAMOS — E POR QUÊ
Heterogeneidade de dose e de protocolo: Existem algumas ilhas de padronização (por exemplo, regimes de 25 minutos por dia, cinco dias por semana, por quatro semanas), mas grande parte dos estudos varia de micro-doses (dois minutos repetidos várias vezes ao dia) até treinos livres por oito semanas. Sem ensaios formais de dose–resposta e sem um conjunto mínimo de desfechos comum, comparar intervenções torna-se pouco confiável.
Desfechos desalinhados com a vida real: Quando os estudos usam medidas objetivas e com avaliadores cegos de atenção — como o Teste de Variáveis de Atenção, o Teste das Redes de Atenção, a tarefa de ir/não ir (go-no go) e a tarefa de atualização “N-atrás (n-back)” — os efeitos aparecem com maior nitidez. Já os desfechos funcionais (deveres escolares, intensidade e impacto da dor, ruminação) oscilam mais e dependem fortemente do contexto (ambiente familiar e escolar, cronicidade da dor, comorbidades).
Uso predominante de escalas de autorrelato: Em vários campos — como dor crônica — a avaliação depende de escalas autoaplicadas. Elas são úteis, mas sofrem influência de expectativa, do humor do dia e do contexto de aplicação. Quando não são combinadas a provas objetivas e a medidas funcionais padronizadas, fica difícil afirmar que a melhora decorre da modulação atencional e não de fatores não específicos.
Populações complexas, efeitos modestos: Em comprometimento cognitivo leve do tipo amnéstico, por exemplo, um ensaio clínico randomizado com cerca de quarenta horas de treino cognitivo computadorizado não superou jogos de computador de controle no desfecho primário (memória e atenção auditiva). Bons controles reduzem ilusões de eficácia e lembram que o grau de comprometimento do sistema nervoso influencia o teto de resposta.
Integração ao cuidado ainda é exceção: Para que um aplicativo saia do piloto e entre na rotina, são necessários coprodução com usuários, apoio à adesão (papel de “navegadores” ou tutores), treinamento da equipe e redesenho de fluxos na escola e na clínica. Sem esse ecossistema, o engajamento cai e o aplicativo vira apenas mais um ícone no aparelho.
Generalização e equidade: Em países de baixa e média renda, experiências nacionais durante a pandemia mostraram tanto quais funções são realmente úteis quanto o abismo entre projeto e uso sustentado. Levar terapias digitais de centros acadêmicos para redes públicas exige infraestrutura, reembolso adequado e governança de dados — sem isso, o alcance permanece restrito.
O QUE, AFINAL, SUSTENTA OS EFEITOS?
Apesar da diversidade de propostas, três mecanismos aparecem de forma recorrente:
Treino de controle atencional com dificuldade adaptativa e feedback imediato, capaz de modular redes fronto-parietais e circuitos de saliência. Esse é o alicerce de jogos com finalidade terapêutica e de treinos cognitivos computadorizados; há evidência objetiva em Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e sinais de transferência para o desempenho acadêmico em crianças sem diagnóstico clínico.
Gamificação como dosador comportamental: sessões curtas, progressão clara e metas frequentes. Quando a mecânica do treino casa diretamente com o alvo atencional (por exemplo, inibição motora frente a estímulos tentadores; atenção sustentada diante de sinais relevantes), os efeitos tendem a ser maiores do que em aplicativos-catálogo pouco específicos.
Interocepção orientada para reavaliar a ameaça (como na dor crônica): aqui, a atenção funciona como ferramenta de exposição e regulação, por meio de micro-doses frequentes. É uma via promissora fora do eixo clássico das funções executivas e da atenção “de laboratório”.
DOSE: O QUE É RAZOÁVEL HOJE
Os regimes com melhor aderência e sinal objetivo convergem para blocos curtos (cerca de 15 a 25 minutos), quatro a cinco dias por semana, durante quatro a oito semanas. Exceção é o paradigma de micro-exercícios de dois minutos, repetidos várias vezes ao dia, usado em dor. Para uso domiciliar, metas semanais claras e monitoramento dentro do próprio aplicativo ajudam a sustentar o engajamento. Ainda assim, faltam ensaios formais de dose–resposta para transformar essas heurísticas em recomendações padronizadas.
APLICAÇÃO TRANSVERSAL A CONDIÇÕES CLÍNICAS
Se a atenção atravessa quadros tão distintos — do TDAH à dor crônica, passando pela condição pós-aguda da COVID-19 e por declínios cognitivos — por que os resultados variam tanto? Três hipóteses pragmáticas:
Alvo e mecanismo precisam combinar: Intervenções cuja mecânica é isomórfica ao alvo (por exemplo, treinar atenção sustentada e medir no Teste de Variáveis de Atenção — TOVA) tendem a produzir efeitos objetivos mais claros do que pacotes multidomínio sem ênfase direta em atenção.
Janela de plasticidade: Transtornos com circuitaria ainda responsiva e baixa carga de neurodegeneração (por exemplo, TDAH infantil) respondem melhor do que quadros com perda sináptica ou lesões sobrepostas de origem vascular/degenerativa (por exemplo, comprometimento cognitivo leve).
Ambiente e suporte importam: Os ganhos dependem do nicho de aplicação (família, escola, clínica). Programas de apoio digital aos deveres — como o PANDAH — investigam funcionalidade domiciliar (organização e execução de tarefas), mostrando que a escolha dos desfechos e o ecossistema de suporte determinam a chance de impacto percebido na vida diária.
O QUE FALTA PARA “SAIR DO LABORATÓRIO”
Conjunto mínimo de desfechos para atenção digital: Definir um núcleo obrigatório de medidas (por exemplo, Teste de Variáveis de Atenção e Teste das Redes de Atenção, acompanhados de um marcador funcional padronizado por faixa etária e condição), com avaliação às cegas e acompanhamento de, no mínimo, seis a doze meses.
Ensaios pragmáticos com comparações diretas e curva dose–resposta: Comparar, de forma justa, treinos cognitivos computadorizados, jogos com dificuldade adaptativa e protocolos de atenção interoceptiva, testando explicitamente diferentes doses (intensidade, frequência e duração) para estabelecer faixas terapêuticas.
Integração clínica real: Implantar apoio humano à adesão (pessoas que acompanham e orientam o uso), treinamento de equipes e redesenho de fluxos de trabalho; não basta “prescrever um aplicativo”. Serviços clínicos que já operam com ferramentas digitais oferecem bons modelos operacionais.
Equidade e implementação em redes públicas e em países de baixa e média renda: Garantir infraestrutura, mecanismos de reembolso, proteção de dados e coconcepção com usuários para que as soluções não fiquem restritas a centros acadêmicos.
POSIÇÕES PRÁTICAS PARA A CLÍNICA
Escolha intervenções com alvo e mecânica bem definidos para atenção (sustentada, seletiva, inibição), com dificuldade adaptativa e feedback imediato. Prefira sessões curtas (entre 15 e 25 minutos), quatro a cinco vezes por semana, por quatro semanas ou mais.
Monitore dois níveis de desfecho: Um objetivo (por exemplo, Teste de Variáveis de Atenção, Teste das Redes de Atenção, tarefa de ir/não ir (Go no Go) e um funcional (por exemplo, desempenho em deveres escolares, escala breve de dor, prazer e atividade geral, indicadores de ruminação). Sempre que possível, use avaliação às cegas.
Integre ao cuidado cotidiano: Combine o aplicativo com psicoeducação, rotinas domiciliares estruturadas (como programas de apoio aos deveres) e suporte contínuo à adesão (acompanhamento por profissionais ou tutores).
Seja transparente com populações neurodegenerativas: Explique que a evidência é mista em comprometimento cognitivo leve e demências, priorizando objetivos funcionais realistas e bem-estar junto ao treino específico.
CONCLUSÃO
As intervenções digitais para atenção já superaram o anedótico: existem ensaios rigorosos em nichos como Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade em crianças e sinais promissores em contextos adultos (como dor crônica e condição pós-aguda da COVID-19). O teto atual é menos tecnológico e mais metodológico e organizacional: precisamos padronizar doses e desfechos, comparar mecanismos de forma justa e integrar essas ferramentas ao cuidado real. O caminho está aberto — falta cuidar do desenho e construir a clínica ao redor da tecnologia, para que o ganho em atenção se traduza, de fato, em ganho na vida diária.
REFERÊNCIAS
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A insônia deixou de ser vista apenas como “noites mal dormidas”. Hoje se reconhece que ela envolve alterações persistentes em sistemas cerebrais de alerta, regulação emocional, atenção e consolidação de memória. O resultado é um círculo vicioso: quanto pior se dorme, mais o organismo permanece em estado de vigilância, reforçando comportamentos e crenças que perpetuam o problema. Esse quadro compromete o humor, a capacidade de aprender, o manejo da dor e o funcionamento cotidiano — exatamente os domínios que a neurorreabilitação busca restaurar.
Pensar a insônia como tema de neurorreabilitação significa assumir um objetivo claro: reconstruir rotinas, associações e circuitos que sustentam o sono saudável e, com isso, recuperar o desempenho diurno. Esse trabalho se apoia em três pilares complementares. Primeiro, reduzir a hiperativação fisiológica e cognitiva que impede a transição para o sono. Segundo, recondicionar a cama e o quarto para que voltem a sinalizar “dormir”, e não “vigiar”. Terceiro, revisar crenças e expectativas rígidas sobre o sono que alimentam ansiedade antecipatória e tentativas infrutíferas de “forçar” o adormecer.
No campo prático, isso se traduz em intervenções não farmacológicas com lógica de reabilitação: programas estruturados, dose definida, metas semanais, treino diário e monitoramento com diários do sono. A terapia cognitivo-comportamental específica para insônia organiza esses elementos em componentes que podem ser combinados e graduados conforme idade, comorbidades e barreiras de acesso. Recursos adjuntos — exercício físico, práticas mente-corpo, rotinas sensoriais antes de deitar e modalidades digitais ou por voz — ampliam a adesão e favorecem a generalização dos ganhos para o dia.
Este editorial apresenta uma síntese dos estudos não farmacológicos publicados em 2024–2025, com base em 1.708 registros identificados na base PubMed. O texto descreve o que funciona, para quem, em que dose e por que funciona, articulando fundamentos teóricos, parâmetros de dose (frequência, intensidade e duração), populações-alvo e desfechos clínicos de maior relevância para a prática. A proposta é oferecer um guia tecnicamente rigoroso, porém comunicável a não especialistas, para que equipes de saúde incorporem a neurorreabilitação do sono como parte do cuidado integral.
POR QUE TRATAR A INSÔNIA COMO QUESTÃO DE NEURORREABILITAÇÃO
Dormir mal não é “apenas cansaço”. A insônia envolve hiperativação do organismo em momentos que deveriam ser de desaceleração, com repercussões em redes cerebrais de regulação emocional, atenção sustentada e consolidação de memória. Também piora dor crônica, fadiga, sintomas depressivos e o enfrentamento de doenças oncológicas. As evidências recentes mostram que terapia cognitivo-comportamental específica para insônia, exercício físico, práticas mente-corpo e respiração, música na rotina de deitar e formatos digitais domiciliares reabilitam funções, reduzem sofrimento e, em muitos casos, podem ser primeira linha antes de medicamentos.
COMO LEMOS O CONJUNTO (2024–2025): VOLUME, TEMAS E DESENHO DOS ESTUDOS
Volume: 1.583 estudos não farmacológicos (pós-exclusão de fitoterápicos) a partir de 1.708 registros iniciais.
Temas dominantes no biênio (número de registros no conjunto filtrado):
Entrega digital/remota (1.086), comorbidade com depressão (552), exercício/atividade física (377), público pediátrico e adolescentes (340), pacotes de terapia cognitivo-comportamental (273), comorbidade com câncer (187); grupos menores: práticas mente-corpo e respiração (144), acupuntura (56), dor crônica (38), terapia com luz (17), música (15) e biofeedback (8).
(Observação: “não categorizados” somaram 168 registros.)
Populações-alvo (tokens mais frequentes): Destacam-se idosos, crianças/adolescentes e adultos jovens/estudantes. Há subamostras menores em oncologia, depressão, dor crônica, ansiedade, além de populações perinatais, trabalhadores em turnos e veteranos.
Desfechos mais citados (taxonomia): Os mais frequentes foram gravidade da insônia, humor depressivo, ansiedade, qualidade de vida/funcionamento, fadiga/energia e, em menor número, medidas noturnas padronizadas (latência para adormecer, permanência acordado durante a noite, tempo total de sono, eficiência do sono) e medidas objetivas por actigrafia ou polissonografia.
TEORIAS QUE SUSTENTAM AS INTERVENÇÕES
Hiperativação: o organismo permanece em estado de alerta quando deveria desacelerar. Intervenções que reduzem ativação fisiológica e cognitiva (respiração guiada, relaxamento, meditação, reestruturação de crenças) atuam sobre esse eixo.
Homeostase e condicionamento: quando a cama se torna um gatilho de vigília, controle de estímulos e restrição do tempo na cama recompõem a “pressão de sono” e reensinam o cérebro a dormir.
Modelo dos três fatores (predisponentes, precipitantes e perpetuadores): explica por que a insônia se instala e se mantém; direciona planos que combinam psicoeducação, rotina, comportamentos e cognições.
Atenção plena e aceitação: reduzem ansiedade antecipatória e reatividade às oscilações da noite.
Personalização e tecnologia: plataformas digitais e dispositivos por voz ampliam acesso, adesão e ajuste fino das tarefas semanais.
O QUE FUNCIONA — E COMO FUNCIONA
📚Terapia cognitivo-comportamental específica para insônia:
Permanece primeira linha. Sínteses recentes por componentes em adultos apontam que reestruturação de crenças, elementos de aceitação e atenção plena, restrição do sono e controle de estímulos compõem o núcleo mais eficaz. Educação em higiene do sono isolada não é suficiente; relaxamento isolado pode agregar pouco quando substitui componentes nucleares.
Dose mais adotada:
O padrão na terapia cognitivo-comportamental para insônia é:
6 a 8 sessões no total, frequência de uma por semana, ao longo de 6–8 semanas de duração;
cada sessão dura 45–60 minutos;
com tarefas diárias (diário do sono, horários de deitar/levantar, exercícios cognitivos e comportamentais).
Formas alternativas que aparecem nos estudos:
Formatos condensados (p. ex., 4 sessões) ou breve terapia comportamental (2–4 sessões);
Grupos ou teleatendimento com a mesma cadência semanal;
Programas digitais estruturados em ~6 semanas com módulos e tarefas diárias.
Efeitos esperados: melhora acentuada na gravidade da insônia e na qualidade do sono; ganhos em crenças sobre o dormir, fadiga e humor em vários contextos clínicos. Análises por componente reportam diferença de risco próxima de 0,33 para remissão e número necessário para tratar em torno de três, o que reforça relevância clínica.
Formato presencial com profissional treinado tende a alcançar maiores taxas de remissão do que versões autoaplicadas.
📚Exercício físico:
Melhora medidas subjetivas e objetivas do sono; maior intensidade tende a associar-se a resultados superiores. Em idosos, o treinamento de força sobressai para qualidade do sono e funcionalidade.
Dose mais adotada: frequência de três sessões semanais, trinta a sessenta minutos, por oito a doze semanas de duração. Programas que integram movimento ao dia com apoio educativo e acompanhamento inicial também reduzem gravidade da insônia entre dezesseis e vinte e quatro semanas.
📚Práticas mente-corpo, respiração e música:
Respiração estruturada e meditação reduzem estresse, depressão e insônia quando diárias por trinta minutos, com encontros semanais por oito semanas.
Música antes de dormir, por vinte a trinta minutos em duas noites por semana durante cinco semanas, sobretudo combinada a respiração e relaxamento, melhora gravidade da insônia e qualidade do sono com manutenção em seguimento curto.
📚Entrega digital e por voz
São programas domiciliares que seguem os princípios da terapia cognitivo-comportamental para insônia, oferecidos por:
· aplicativos no celular ou computador (com módulos semanais e tarefas diárias); e/ou
· dispositivos por voz (alto-falante doméstico), nos quais a pessoa conversa com o sistema e recebe orientações faladas passo a passo.
Resultado — mostram reduções acentuadas da gravidade da insônia e melhoras diárias em latência para adormecer, tempo acordado durante a noite e qualidade do sono, ampliando alcance para sobreviventes de câncer e outros grupos com barreiras de acesso.
📚Outras modalidades:
Acupuntura aparece em subamostras (inclusive em oncologia) com sinal de melhora em gravidade da insônia e qualidade do sono; a certeza dos efeitos varia. Terapia com luz, biofeedback e outras técnicas somam poucos registros, devendo ser tratadas como complementares até maior consolidação.
PARA QUEM FUNCIONA MELHOR (IDADES E CONTEXTOS CLÍNICOS)
Adultos em geral: respondem bem aos pacotes completos da terapia cognitivo-comportamental específica para insônia; presencial tende a maximizar remissão.
Idosos: além da terapia, treinamento de força é opção promissora para reabilitar sono e função diurna.
Dor crônica de coluna: adicionar módulo específico de terapia para insônia a programas de exercício e educação melhora gravidade da insônia e fadiga; a dor média pode não diferir no curto prazo, mas há ganho em crenças e qualidade do sono.
Oncologia: versões digitais/por voz reduzem gravidade da insônia e melhoram medidas do diário do sono.
Depressão comórbida: tratar o sono favorece também sintomas depressivos; sequenciar os tratamentos (em vez de aplicá-los simultaneamente) pode reduzir carga terapêutica em casos moderados a graves.
Profissionais sob alto estresse: respiração e meditação com prática diária e encontros semanais reduzem estresse, depressão e insônia, além de melhorar realização profissional.
TAXONOMIA DE DESFECHOS (COMO INTERPRETAR “MELHORA DO SONO”)
Nesta síntese, padronizamos a leitura em cinco domínios:
Gravidade da insônia (escalas validadas)
Qualidade do sono (questionários validados)
Parâmetros noturnos: tempo para adormecer, tempo acordado após iniciar o sono, tempo total de sono e eficiência do sono
Domínios diurnos: sonolência, fadiga, humor e qualidade de vida/funcionamento
Medidas objetivas: actigrafia e polissonografia
Os efeitos mais consistentes emergem nos dois primeiros domínios, seguidos por ganhos nos parâmetros noturnos quando há restrição do sono, controle de estímulos, exercício e rotinas digitais bem estruturadas.
DOSES RECOMENDADAS POR MODALIDADE
Terapia cognitivo-comportamental específica para insônia (por componentes, presencial): duração de seis a oito sessões, com frequência de uma sessão semanal, com duração de quarenta e cinco a sessenta minutos, com tarefas domiciliares diárias. Priorizar restrição do sono, controle de estímulos, reestruturação de crenças e atenção plena/aceitação.
Exercício: três vezes por semana, trinta a sessenta minutos, por oito a doze semanas; em idosos, dar ênfase a força; para rotinas apertadas, movimento incorporado ao dia com duas sessões educativas iniciais e acompanhamento nas primeiras oito semanas.
Respiração/meditação: trinta minutos diários, com encontro semanal por oito semanas; manter prática após o programa.
Música ao deitar: vinte a trinta minutos antes de dormir, duas noites por semana, por cinco semanas, associada a respiração e relaxamento.
Formatos digitais/por voz: seis semanas com módulos guiados e tarefas diárias, incorporando diário do sono e metas semanais simples.
CONCLUSÃO
Para a população geral e para pessoas com dor crônica, câncer ou depressão, o caminho mais seguro e efetivo é começar pela terapia cognitivo-comportamental específica para insônia, preferencialmente presencial e centrada nos componentes nucleares, ajustando o plano com exercício estruturado, respiração/meditação e rotinas sensoriais ao deitar (como música). Plataformas digitais e soluções por voz democratizam o acesso sem perda relevante de efeito. Ao prescrever, pense em dose (frequência, intensidade e duração), público (idade e comorbidades) e mecanismo-alvo (condicionamento, crenças e ativação). É assim que traduzimos evidência em reabilitação do sono que muda a vida de quem convive com insônia.
REFERÊNCIAS
Solicitar via contato@tecnoneuro.com.br
Vamos falar francamente sobre o que estamos fazendo na neurorreabilitação para deficiência intelectual. Medimos bem cognição; isso nunca foi o problema. O impasse está em outro lugar, mais embaraçoso: projetamos intervenções para mover o corpo e a rotina — e colhemos, com perfeição, aquilo que plantamos. A amostra recente que analisamos (591 estudos elegíveis de 991 publicados entre 2024–2025) vibra de vitalidade em três frentes: tecnologias digitais (realidade virtual, teleatendimento, aplicativos), terapia ocupacional centrada nas atividades de vida diária e programas de atividade física adaptada. O resultado é inegável e fundamental: melhoramos equilíbrio, marcha, coordenação, participação social, indicadores de qualidade de vida. Mas quando perguntamos pelo que dá nome à condição — aprendizagem, linguagem, funções executivas como atenção, planejamento, controle inibitório — a fotografia raramente mostra mudança sustentada.
Esse descompasso não se explica por falta de régua. As baterias estão aí — executivas, linguísticas, de adaptação, de aprendizagem — e muitas são aplicadas corretamente. O que falta é intenção no desenho: incorporar, dentro da própria intervenção, uma carga cognitiva progressiva, explícita, graduada por mecanismo. Não basta “enfiar” um teste de memória operacional no fim de um programa de caminhada. Se o caminho percorrido pelo participante nunca exigiu, de forma planejada, inibir respostas, atualizar informações, construir planos e revisá-los com mediação verbal, por que esperar que o córtex pré-frontal agradeça com plasticidade duradoura?
Parte dessa escolha é histórica. É mais fácil operacionalizar sessões motoras e treinos de rotina numa rede que já está montada para isso. É mais confortável, para gestores e financiadores, apoiar estudos curtos, com desfechos rápidos, do que bancar processos que demoram, variam entre perfis e exigem acompanhamento seis, doze meses adiante. Também nos acostumamos a tratar “deficiência intelectual” como um bloco único, quando na verdade ela é uma constelação heterogênea de trajetórias e etiologias — muita genética rara, muita comorbidade neurológica, perfis sensoriais e linguísticos distintos. Intervenções genéricas, sem estratificação por perfil cognitivo, diluem efeitos justamente onde mais precisamos de precisão.
O resultado é um paradoxo: comemoramos — com razão — o que melhora a vida já, como levantar com mais segurança, cozinhar com menos ajuda, tolerar deslocamentos mais longos, manter uma rotina mais previsível. E deveríamos comemorar. Só que, ao mesmo tempo, deixamos intacto o núcleo cognitivo: a capacidade de aprender novas regras e transferi-las, de planejar multi-passos e voltar quando erra, de usar linguagem de modo funcional para pensar e não apenas para pedir. Seguimos melhorando o que não pretendíamos mudar, porque desenhamos programas que nunca tiveram esse alvo como protagonista.
Houve um tempo em que a ambição era outra. Luria falou em sistemas funcionais, Vygotsky em mediação social, e J. P. Das costurou teoria, avaliação e intervenção numa peça só. O modelo PASS — Planejamento, Atenção, Processamento Sucessivo e Simultâneo — não é apenas uma taxonomia elegante; é um roteiro para construir sessões que convoquem exatamente aquilo que queremos que mude. Planejar, executar, monitorar, ajustar; alternar regras e inibir respostas automáticas; decompor e recompor padrões; verbalizar estratégia antes, durante e depois da tarefa. Se a sessão não pede isso, por que esperamos colher isso?
Talvez o caminho esteja mais próximo do que pensamos. Não é preciso abandonar o que funciona para o corpo; é preciso usar o corpo como veículo para a mente. Uma aula de exercício pode deixar de ser “movimento com música” para se tornar treino executivo: duplas tarefas de verdade, com regras que mudam, metas que exigem planejamento, auto-monitoramento e replanejamento. A terapia ocupacional pode transformar o preparo do lanche em laboratório de linguagem: scripts de comunicação funcional, expansão de enunciados, passos verbalizados, discussão de erros como matéria-prima. A tecnologia pode ir além do placar e do avatar simpático: adaptação de dificuldade por componente PASS, registro de erros, feedback explicativo, tarefas-ponte para casa e escola para forçar transferência. Nada disso é uma revolução conceitual. É só cumprir a promessa de intervir no que a régua mede — desde a primeira sessão.
Se desenharmos assim, também teremos de mudar como declaramos sucesso. O desfecho primário, quando o alvo é cognitivo, precisa ser cognitivo. E não basta “subir a nota” ao final de oito semanas: é preciso testar fora do cenário de treino e voltar a medir meses depois. Mais ainda: precisamos provar que mudar inibição ou planejamento explica (não apenas acompanha) mudanças em organização da rotina, participação escolar, independência no transporte. É desconfortável? É. Mas sem essa linha de mediação, continuaremos pagos em aplauso por ganhos periféricos enquanto o núcleo segue intocado.
Há um custo de oportunidade em manter o foco estreito. Outras áreas da neurodivergência avançaram justamente quando alinharam mecanismo, intervenção e desfecho. Em DI, perdemos tempo valioso ao reduzir nossa ambição àquilo que a rede suporta entregar com menos fricção. Não é que “não se possa” mudar cognição; é que ainda não construímos os programas para fazê-lo em escala — com estratificação por perfil, co-intervenção de cuidadores e professores, prática distribuída, dificuldade desejável e follow-up suficiente para consolidar.
Talvez o ajuste que precisamos seja menos técnico e mais de coragem intelectual: dar um passo atrás, admitir que os estudos recentes contam uma história de sucesso parcial — e que isso é insuficiente. Não porque equilíbrio, marcha e rotina não importem, mas porque, se pararmos aí, deixaremos de entregar o que dá autonomia de verdade: aprender, comunicar, decidir, reparar, replanejar. Recolocar a mente no volante não significa tirar o corpo do caminho; significa apontar o veículo para o destino certo.
Assim, há ainda um autoengano de método que precisamos nomear: muitas das próprias intervenções viraram uma fuga elegante de enfrentar a cognição. Preferimos tarefas motoras e funcionais porque oferecem feedback on-line do comportamento — um passo mais estável, um tempo de prova menor, um prato preparado com menos ajuda — e esse retorno imediato satisfaz terapeuta, família e avaliador. Mas, ao privilegiar a saída observável, ignoramos os processos de elaboração que a antecedem: formular um plano, manter a meta ativa, resistir ao impulso, atualizar a regra, monitorar o erro e revisá-lo verbalmente. Reforçamos a aparência de competência (execução automatizada) e deixamos de cultivar competência generativa (transferir, combinar, reconstruir). A contingência de reforço do serviço e da publicação empurra para protocolos que “mostram algo já” — e isso produz sucesso performático sem transformação cognitiva. Se quisermos mexer no núcleo, precisamos aceitar sinais de progresso menos instantâneos e mais incômodos (taxa de erro produtivo, latência de planejamento, qualidade da auto-instrução), desenhar sessões que provoquem “dificuldades desejáveis” e valorizar ganhos que aparecem primeiro na mediação interna antes de estourarem em performance.
Se aceitarmos essa mudança de foco, a próxima leva de estudos não apenas “capturará” ganho cognitivo — ela o produzirá. E, quando isso acontecer, mediremos como sempre soubemos medir. Mas, pela primeira vez em muito tempo, a régua confirmará algo que não ousamos exigir dela: que o alvo, enfim, era o alvo.
Referencias de amostragem (se desejar seleção completa solicitar via email contato@tecnoneuro.com.br)
Al-Nemr, A., & Reffat, S. (2024). Effect of Pilates exercises on balance and gross motor coordination in children with Down syndrome. Acta Neurologica Belgica, 124(5), 1499–1505. https://doi.org/10.1007/s13760-024-02517-w
Giuriato, M., Gatti, A., Pellino, V. C., Bianchi, A., Zanelli, S., Pirazzi, A., … Calcaterra, V. (2025). A tele-coaching pilot study: An innovative approach to enhance motor skills in adolescents with Down syndrome. Journal of Applied Research in Intellectual Disabilities, 38(2), e70036. https://doi.org/10.1111/jar.70036
Trigueiro, M. J., Lopes, J., Simões-Silva, V., Vieira de Melo, B. B., Simões de Almeida, R., & Marques, A. (2024). Impact of VR-based cognitive training on working memory and inhibitory control in IDD young adults. Healthcare, 12(17), 1705. https://doi.org/10.3390/healthcare12171705
Imamoto, Y., Orita, Y., Yoshikawa, H., Tsukue, R., Tokumitsu, K., Nagai, M., … Fujimaki, K. (2025). A pre-post study of individualized programs using the Occupational Therapy Intervention Process Model in a psychiatric hospital in Japan. Cureus, 17(6), e86918. https://doi.org/10.7759/cureus.86918
Iglesias-Díaz, L., López-Ortiz, S., García-Chico, C., Santos-Lozano, A., & González-Lázaro, J. (2025). Lifting limits: The impact of strength training in Down syndrome — A systematic review and meta-analysis. Journal of Intellectual Disability Research, 69(9), 781–794. https://doi.org/10.1111/jir.13259
Swim, strength, or combined programs: Effect on health-related physical fitness in adolescents with Down syndrome. (2024). Adapted Physical Activity Quarterly. https://doi.org/10.1123/apaq.2023-0170
Foot muscle exercise: A randomized controlled trial in children with Down syndrome and pes planus. (2024). Developmental Neurorehabilitation. https://doi.org/10.1080/17518423.2024.2365798
The effect of exercise on improving cognitive function in people with Down syndrome: A systematic review and meta-analysis. (2025). European Journal of Pediatrics. https://doi.org/10.1007/s00431-025-06178-6
Digital motor intervention effects on motor performance of individuals with developmental disabilities: A systematic review. (2024). Journal of Intellectual Disability Research. https://doi.org/10.1111/jir.13169
Digital motor intervention effects on physical activity performance of individuals with developmental disabilities: A systematic review. (2024). Disability and Rehabilitation. https://doi.org/10.1080/09638288.2024.2398148
Effects of core stability exercises on balance in children/adolescents com DI: systematic review and meta-analysis. (2024). PLoS ONE. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0314664
A systematic review of digital interventions to promote physical activity in people with intellectual disabilities and/or autism. (2024). Adapted Physical Activity Quarterly. https://doi.org/10.1123/apaq.2023-0061
Effects of combined training in IDD: Meta-analysis of RCTs. (2024). Disability and Rehabilitation. https://doi.org/10.1080/09638288.2024.2381598
The effects of resistance training on health-related physical fitness in people with Down syndrome — Systematic review & meta-analysis. (2024). Disability and Rehabilitation. https://doi.org/10.1080/09638288.2024.2419421
Effect of multicomponent dual-task training on gait in people with intellectual disability. (2024). Adapted Physical Activity Quarterly. https://doi.org/10.1123/apaq.2024-0167
Se você já sentiu um pensamento grudado na cabeça — insistente, repetitivo — sabe como é fácil cair no “só mais uma vez”: checar a porta, lavar as mãos, rever a mensagem. Para muita gente, esse atalho traz alívio rápido e cobra caro depois: mais tempo perdido, mais ansiedade, menos vida. A boa notícia é que, nos últimos dois anos, a ciência ficou mais clara e mais prática sobre como quebrar esse ciclo sem depender só de remédios.
O que mudou? Três peças novas deixaram o mapa mais nítido. Primeiro, ganhamos definições operacionais mais precisas: obsessões não são “manias”, são pensamentos intrusivos e egodistônicos; compulsões não são “tiques”, são respostas regidas por regras para reduzir a ansiedade — e isso ajuda a reconhecer o padrão e medir progresso com objetividade. Segundo, a ponte entre consultório e cérebro ficou mais sólida: pesquisas ligam psicoterapia a redes cerebrais específicas (atenção, hábito, “piloto automático”), mostrando que, quando a terapia funciona, essas redes ficam mais flexíveis — e o dia a dia, mais livre. Terceiro, ampliaram-se os formatos não farmacológicos: além da TCC/ERP clássica, terapias de terceira onda (como ACT e mindfulness) e versões digitais e imersivas (encontros por vídeo, módulos curtos, realidade mista) cabem melhor na rotina real.
Em termos simples: não é sobre “força de vontade”, é sobre aprender respostas diferentes para os mesmos gatilhos — com linguagem clara, metas definidas e dose certa (frequência, intensidade, duração). Nas próximas seções, vamos mostrar o que funciona, para quem e como encaixar no cotidiano, para que mais gente possa recuperar tempo, presença e autonomia.
1. Definições e enquadre clínico — o que exatamente estamos tratando?
Pense nas obsessões como “pensamentos pegajosos”: ideias, imagens ou impulsos que invadem a mente sem convite, soam estranhos à pessoa e costumam vir acompanhados de medo ou nojo. As compulsões são a outra metade do par: ações (ou atos mentais) repetidas, guiadas por regras rígidas — checar, lavar, contar, repetir — feitas para reduzir a ansiedade ou impedir um dano imaginado. Esse mesmo desenho aparece em transtornos do espectro obsessivo-compulsivo, como o transtorno dismórfico corporal, em que a pessoa fica tomada pela percepção de “defeitos” físicos e passa a conferir, corrigir ou esconder o corpo de forma incessante. O que a literatura recente fez foi tirar esses fenômenos do rótulo de “mania” e colocá-los em terreno observável: definições operacionais que ajudam a identificar cedo, medir progresso e comparar resultados entre tratamentos. Ela também lembra o óbvio que às vezes se perde: a vida encolhe quando o tempo vai para rituais, e o risco de sofrimento grave — inclusive com pensamento suicida — não é pequeno. Para quem atende e para quem sofre, a dica é simples e certeira: ao falar de sintomas, nomeie o alvo do ato repetitivo (“checar a porta”, “rever a mensagem”, “corrigir a pele”), não apenas “rituais”. Isso aproxima a linguagem do consultório da escolha da intervenção e dos desfechos que importam no dia a dia.
2. Mecanismos: das redes cerebrais ao comportamento — por que a intervenção funciona?
Quando falamos em quebrar o ciclo obsessão–compulsão, não é só “força de vontade”. É neurotreino. Estudos recentes mostram que certas terapias mudam a forma como redes cerebrais conversam entre si — especialmente a rede que puxa a mente para o “piloto automático” (a chamada rede em modo padrão) e os circuitos fronto-estriatais, ligados a hábito e controle. Em pessoas com transtorno obsessivo-compulsivo resistente a tratamentos anteriores, a terapia cognitiva baseada em atenção plena foi associada a ajustes nessas redes, com nós como o precuneus e o córtex frontal mais anterior ganhando papel de destaque. Na prática, isso se traduz em menos ruminação, menos ansiedade sensitiva e mais espaço mental para escolher o que fazer diante do gatilho [2].
Algo parecido aparece em quadros com traços de compulsão fora do TOC. Num ensaio com adultos que lutavam com uso compulsivo de jogos eletrônicos, um programa de meditação estruturada reduziu gravidade e desejo intenso, em paralelo a mudanças de conectividade entre regiões frontais e núcleos da base — um caminho biológico plausível para explicar por que “prestar atenção com gentileza” pode diminuir a vontade de repetir o comportamento automático [8].
E a terapia cognitivo-comportamental tradicional? Além de reduzir sintomas, há indícios de que ela melhora o controle de tarefas — a capacidade de manter o foco no que importa e inibir respostas impulsivas. Em estudos que medem desempenho antes e depois do tratamento, esse controle tende a aproximar o paciente do padrão de pessoas sem TOC, sugerindo um mecanismo cognitivo por trás da melhora clínica [13]. Metanálises amplas lembram ainda um ponto de sobriedade: os tamanhos de efeito variam conforme a comparação (lista de espera × tratamento usual). O recado é clínico: a intervenção funciona, mas o contexto importa — e isso deve orientar tanto escolhas terapêuticas quanto desenho de estudos [7].
3. Intervenções não farmacológicas — como tratar em 2024–2025?
Antes de entrar nos detalhes, vale um mapa rápido do terreno. A seguir, reunimos quatro caminhos práticos que a pesquisa recente colocou no centro do cuidado não medicamentoso. No 3.1, o básico bem feito — terapia cognitivo-comportamental com exposição e prevenção de resposta — continua sendo a espinha dorsal [4]. No 3.2, aparecem formatos digitais de “terceira onda” (como programas on-line de aceitação e compromisso) que servem de porta de entrada quando é preciso começar leve e caber na rotina [5]. No 3.3, apresentamos a imersão: versões de exposição em realidade mista que prometem engajamento, mas ainda precisam de ajuste fino para mostrar vantagem clara [6]. Por fim, no 3.4, olhamos para tiques e fenômenos aparentados à compulsão, onde abordagens comportamentais estruturadas seguem como primeira linha — inclusive por videoconferência — e ajudam a ganhar tempo clínico com segurança [7].
3.1 Terapia cognitivo-comportamental com exposição e prevenção de resposta continua no centro: A boa notícia é direta: a terapia cognitivo-comportamental funciona. Uma série ampla de metanálises confirma a eficácia, mas lembra um detalhe que muda a leitura: os efeitos parecem maiores quando se compara com lista de espera e mais modestos quando o grupo de comparação recebe tratamento usual. Em outras palavras, funciona — e o contexto do comparador precisa entrar na conversa ao definir expectativas, treinar equipes e desenhar serviços [4].
3.2 “Terceira onda” em formato digital (para quando o primeiro passo precisa caber no seu dia): Para quem está no subclínico ou precisa começar de forma mais leve, programas on-line de aceitação e compromisso em módulos curtos mostram melhora consistente — e costumam ser mais aceitáveis do que treinos de relaxamento, mesmo quando ambos ajudam. Na prática, são uma porta de entrada: organizam hábitos, treinam flexibilidade psicológica e preparam o terreno para uma exposição mais profunda quando necessário [5].
3.3 Exposição “imersiva”: realidade mista é promissora, mas ainda precisa de ajuste: Em obsessões de contaminação, a exposição em realidade mista com seis sessões em seis semanas melhora sintomas dentro do grupo, mas não supera uma exposição auto-guiada. A pista está no mecanismo: o senso de presença relatado foi moderado. Para virar diferencial, será preciso aumentar a imersão, personalizar gatilhos e combinar indicadores objetivos de ansiedade/evitação ao longo das sessões [6].
3.4 Tiques e fenômenos aparentados à compulsão: comportamento em primeiro plano: Nos transtornos de tiques, a intervenção comportamental abrangente para tiques e o treinamento de reversão de hábito seguem como primeira linha. O formato individual tende a render mais do que grupos; a entrega por videoconsulta mantém o benefício; e versões pela internet superam lista de espera ou psicoeducação, mesmo com efeitos menores — o suficiente para ganhar tempo clínico enquanto se organiza atendimento presencial, quando indicado [7].
4. Dosagem terapêutica — intensidade, frequência e duração que fazem diferença
Terapia cognitiva baseada em atenção plena para casos resistentes: programas de cerca de três meses, com avaliação antes e depois por ressonância magnética funcional em repouso, ajudam a estratificar por perfis clínicos e a monitorar a resposta de forma mais objetiva [2].
Terapia de aceitação e compromisso em formato on-line para sintomas leves: quatro módulos curtos, com efeitos mantidos após três meses e maior aceitação pelos participantes do que o treino de relaxamento; ótima porta de entrada para quem está começando e pode escalar depois para exposições mais estruturadas [5].
Exposição em realidade mista para obsessões de contaminação: seis sessões ao longo de seis semanas produzem melhora dentro do grupo, mas empatam com a exposição autoaplicada. O ganho deve vir de aumentar a sensação de presença e selecionar melhor os casos (por exemplo, pessoas com alto evitamento ou baixa autoeficácia) [6].
Intervenções comportamentais para tiques: protocolos individuais com oito a dez sessões seguem como os mais eficazes; a versão por videoconsulta preserva a estrutura e alcança benefícios comparáveis ao presencial [7].
5. Implicações clínicas — cinco mensagens para levar ao consultório
Comece pelo essencial, com método. A terapia cognitivo-comportamental com exposição e prevenção de resposta continua sendo a espinha dorsal do cuidado. Ao interpretar resultados, lembre que os efeitos parecem maiores contra lista de espera e mais modestos frente ao tratamento usual — ajuste expectativas e desenho de serviço de acordo [4].
Personalize de acordo com o perfil clínico. Em casos resistentes, a terapia cognitiva baseada em atenção plena pode ajudar quando há sinais de rigidez nas redes ligadas a “piloto automático” e hábito; usar essa informação para escolher quem recebe o acréscimo terapêutico aumenta a chance de resposta [2].
Digital com propósito. Programas on-line de aceitação e compromisso funcionam e costumam ser mais fáceis de aderir. Defina metas de processo (flexibilidade psicológica, exposição gradual), combine com acompanhamento e planeje manutenção — inclusive em formatos remotos quando fizer sentido [5, 7].
Imersão não resolve sozinha. A exposição em realidade mista é promissora, mas ainda precisa aumentar a sensação de presença e selecionar melhor os casos para mostrar vantagem clara sobre a exposição autoaplicada [6].
O formato importa (e muito) para tiques. Para tiques, intervenções comportamentais individuais superam grupos; a entrega por videoconsulta mantém bons resultados; e versões pela internet superam lista de espera/psicoeducação — úteis para começar já quando o acesso é barreira [7].
6. Agenda de pesquisa — para onde ir a seguir
Juntar o que o cérebro mostra com o que a sessão ensina. Integrar biomarcadores de rede (por exemplo, padrões de conectividade ligados ao “piloto automático” e aos hábitos) com variáveis processuais da terapia (como flexibilidade psicológica e sinais de habituação durante as exposições) para prever resposta, direcionar quem recebe qual tratamento e monitorar o progresso de forma objetiva [2–3].
Comparar tratamentos de verdade com “vida real”. Priorizar comparadores ativos — tratamento usual e ensaios diretos entre abordagens (exposição e prevenção de resposta versus terapia cognitiva baseada em atenção plena/terapia de aceitação e compromisso; formato digital versus presencial) — para evitar superestimar efeitos e orientar decisões de serviço [4].
Levar o cuidado até a pessoa, com a dose que basta. Testar mediadores e moderadores (atendimento em grupo versus individual; número ideal de sessões; manutenção com encontros de reforço) e expandir entrega por videoconsulta quando o acesso é barreira — sem perder o rigor do protocolo [7].
Imersão que realmente “leva para dentro”. Em intervenções com realidade virtual ou mista, avaliar presença como mecanismo central, incorporar biofeedback e gatilhos do cotidiano, e medir se isso se traduz em vantagem clínica além da exposição autoaplicada [6].
Conclusão
Se tivermos de resumir os últimos dois anos, o recado é simples e útil para a vida real: comece por nomear bem o problema, use mecanismos que façam sentido clínico e entregue intervenções não medicamentosas no formato certo para a pessoa certa. A terapia cognitivo-comportamental com exposição e prevenção de resposta segue como eixo central do cuidado [4]. Como vias de acesso e engajamento, entram a terapia cognitiva baseada em atenção plena e a terapia de aceitação e compromisso, que ajudam a treinar flexibilidade e a desfazer o “piloto automático” das rotas compulsivas [2–3, 5]. Tecnologias de imersão oferecem um laboratório promissor de aprendizagem, mas ainda precisam mostrar vantagem consistente sobre programas bem estruturados feitos em casa ou por vídeo [6]. Ao integrar pistas do cérebro (biomarcadores de rede) com pistas da sessão (marcadores processuais como habituação e adesão), abrimos espaço para uma personalização responsável — no consultório e no digital — sem perder o pé no que já funciona hoje [2–4, 7]
Efeito da terapia depende do “com quem” se compara. A grande série de metanálises mostra que os tamanhos de efeito da terapia cognitivo-comportamental caem quando o comparador é tratamento usual (e não lista de espera). Tradução prática: interpretar resultados e planejar serviços sempre considerando o comparador — o que evita superestimar ganhos e ajuda a definir metas realistas. Novo valor: um parâmetro de leitura crítica que muda decisões de implementação. [7]
abstract-Obsessive--set
Marcadores de rede para personalizar augmentação. Em casos resistentes, a terapia cognitiva baseada em atenção plena modulou conectividade de modo padrão ventral e circuitos fronto-estriatais, com precuneus e córtex frontal mais anterior como nós-chave. Novo valor: pistas de biomarcadores preditivos/de resposta que permitem testar alocação por “domínios” (afetos, ansiedade sensitiva, ruminação). [9]
abstract-Obsessive--set
Do “prestar atenção” ao freio na compulsão (ponte cérebro-comportamento). Em uso compulsivo de jogos, a meditação estruturada reduziu gravidade e desejo intenso; a melhora foi mediada por conectividade fronto-pálida (giro frontal medial-núcleo lentiforme). Novo valor: um caminho mecanístico concreto ligando treino atencional/aceitação à queda do impulso repetitivo. [8]
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Dose mínima viável digital para subclínico. Quatro módulos on-line de aceitação e compromisso melhoram sintomas obsessivo-compulsivos subclínicos, com maior aceitabilidade do que relaxamento — e manutenção em 3 meses. Novo valor: um primeiro degrau eficiente e escalável para engajar e preparar exposição formal quando necessária. [17]
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Exposição em realidade mista: promissora, mas ainda parelha. Seis sessões em seis semanas geram melhora intragrupo em contaminação, mas não superam a exposição autoaplicada; o senso de presença ficou moderado. Novo valor: hipóteses claras para a próxima geração (otimizar presença, personalizar gatilhos, combinar biofeedback). [16]
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Tiques: aliar acesso e eficácia. Intervenções comportamentais individuais seguem superiores a grupos; videoconsulta mantém benefício e versões pela internet superam lista de espera/psicoeducação (efeitos menores, mas clinicamente úteis). Novo valor: caminho estruturado para iniciar cuidado já quando acesso presencial é barreira. [15]
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Mecanismo cognitivo observável após terapia. Em TOC, o controle de tarefa (capacidade de manter foco e inibir respostas automáticas) melhora após terapia cognitivo-comportamental até nivelar com controles saudáveis em tarefas específicas. Novo valor: um alvo neurocognitivo sensível ao estado para monitorar resposta. [13]
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Higiene do sono e comorbidades: o que melhora e o que não prediz. Em transtorno dismórfico corporal, insônia é comum e melhora junto no tratamento, mas não prediz resposta de sintomas-alvo. Novo valor: orientar expectativas e priorização clínica (não confundir melhora do sono com marcador de eficácia específica). [19]
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Música como adjuvante: efeito de rotina, não de gênero. Em jovens adultos com insônia, incorporar música ao ritual noturno melhora sono e humor, sem gênero superior (clássico vs. jazz). Novo valor: intervenção baixa-fricção que pode apoiar adesão terapêutica em quadros com traços compulsivos e ansiedade. [11]
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Mapa conceitual do espectro: diagnóstico exige repetir para “corrigir”. Em transtorno dismórfico corporal (relacionado ao espectro), o diagnóstico requer comportamentos repetitivos ou atos mentais para checar/corrigir/esconder falhas percebidas; prevalência ~2% e subtratamento persistem. Novo valor: linguagem operacional para especificar o alvo do ato repetitivo, melhorando seleção de técnica e desfechos. [1]
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Por que a exposição falha em parte dos casos? Revisões apontam fatores de resistência (especificidade de sintomas, comorbidades, manejo de expectativa e de aprendizagem inibitória). Novo valor: lista de verificação para ajuste fino (hierarquia, variação de contextos, prevenção de segurança camuflada). [12]
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Addições comportamentais: convergências úteis. Sem fármacos aprovados, o eixo cognitivo-comportamental concentra a melhor evidência; coocorrências com ansiedade/depressão são frequentes, pedindo triagem ativa e planos integrados. Novo valor: transfere lições para fenótipos compulsivos aparentados (jogo, internet), com foco em acessibilidade. [5]
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Como usar este “néctar”
Na clínica: escolha formato (presencial, vídeo, digital breve) pelo estágio e barreiras; monitore processos (habituação, flexibilidade, controle de tarefa) além de sintomas; em resistentes, considere augmentação guiada por domínio.
Na pesquisa/gestão: priorize ensaios com comparadores ativos; teste presença/imersão como mecanismo em realidade mista; codifique alvos repetitivos específicos nos prontuários e protocolos.
Referências
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Milton Nascimento, um dos maiores nomes da música brasileira, teve divulgado que enfrenta demência com corpos de Lewy (DCL). A notícia reacendeu uma pergunta importante: como identificar essa forma de demência, tão semelhante ao Alzheimer e ao Parkinson — e, ao mesmo tempo, diferente das duas?
A resposta começa pelos sinais que costumam aparecer cedo e que, juntos, formam a “assinatura” clínica da DCL: flutuações marcantes de atenção/alerta, alucinações visuais recorrentes e parkinsonismo espontâneo (lentidão, rigidez, instabilidade postural). Esses três elementos são os chamados “recursos centrais” dos critérios de McKeith; dois deles apontam para DCL “provável”, um para DCL “possível”.
O que a DCL faz com o cérebro (e com o dia a dia):
Diferente do Alzheimer típico, a memória pode não ser o primeiro domínio a falhar. No início, pesam mais os déficits de atenção, funções executivas e habilidades visuoespaciais — por exemplo, planejar passos, lidar com trajetos, copiar um desenho simples. Por isso, um teste global como o Mini-Exame do Estado Mental pode enganar.
Outro traço que confunde familiares e médicos é a oscilação cognitiva: dias (ou horas) muito bons alternando com períodos de sonolência e confusão, às vezes dentro da mesma conversa. Essa flutuação — parte do núcleo diagnóstico — costuma ser melhor detectada com o relato de quem convive.
Alucinações visuais na DCL tendem a ser complexas e bem formadas — pessoas, animais, cenas — e aparecem cedo, funcionando como um “sinalizador” clínico útil.
Por que é tão difícil dar o nome certo?
Mesmo em centros especializados, o diagnóstico clínico tem alta especificidade, mas sensibilidade modesta — acerta quando diz que é DCL, mas pode deixar casos passarem, sobretudo quando existe Alzheimer concomitante. Essa dificuldade explica a importância de biomarcadores que “apoiam” o raciocínio:
DaTscan (SPECT/PET de transportador dopaminérgico): costuma mostrar captação reduzida nos gânglios da base na DCL e no Parkinson, mas normal no Alzheimer — útil para diferenciar.
Polissonografia: confirmar transtorno comportamental do sono REM (agir os sonhos) aumenta a probabilidade de uma sinucleinopatia como a DCL, embora sua ausência não exclua o diagnóstico.
MIBG miocárdico: captação reduzida no coração é indicativa e pode apoiar o diagnóstico em fases prodrômicas.
Outros achados que podem pesar na balança clínica: relativa preservação do hipocampo nas imagens estruturais (diferente do Alzheimer), padrões de EEG com ritmo dominante mais lento e variável e hipometabolismo occipital em exames funcionais — nenhum deles, isoladamente, fecha o diagnóstico, mas todos ajudam a compor o quadro.
Então o “padrão-ouro” clínico é:
A DCL é uma sinucleinopatia: a proteína alfa-sinucleína se agrega em neurônios formando “corpos de Lewy”, alterando redes que controlam cognição, sono, movimento e funções autonômicas. Clinicamente, ela costuma se apresentar com declínio cognitivo que interfere nas atividades de vida diária, mas nem sempre começa por perda de memória; os déficits de atenção, funções executivas e habilidades visuoespaciais podem vir primeiro.
Três características nucleares sustentam o diagnóstico:
Flutuações cognitivas — períodos de muita sonolência, desatenção ou “confusão” alternando com momentos de lucidez.
Alucinações visuais recorrentes, vívidas e detalhadas.
Parkinsonismo espontâneo (lentidão, rigidez, alteração da marcha).
Na prática, duas dessas três já apontam para DCL provável; uma delas sugere DCL possível, especialmente quando apoiada por biomarcadores (veja abaixo).
Há sinais de apoio que “contam pontos” na avaliação: hipersensibilidade a antipsicóticos, quedas e síncopes, delírios persistentes, hiposmia, constipação e hipotensão postural (disautonomia), entre outros.
O que os exames podem (e não podem) mostrar:
Os consensos atuais destacam três biomarcadores indicativos — não são obrigatórios, mas fortalecem muito o diagnóstico quando presentes:
SPECT/PET dopaminérgico (DAT): captação reduzida no corpo estriado, ajudando a diferenciar DCL de Alzheimer. Em comprometimento cognitivo leve (CCL) com “traço Lewy”, a especificidade chegou a ~89% em estudos; sensibilidade moderada.
Polissonografia com REM sem atonia confirmando transtorno comportamental do sono REM (TCSR) — fortemente ligado a sinucleinopatias e muito informativo mesmo antes da demência.
Cintilografia cardíaca com MIBG: captação reduzida sugere denervação simpática típica de DCL; útil em quadros iniciais.
Outros biomarcadores promissores (ainda em consolidação) incluem EEG quantitativo com lentificação posterior oscilante (padrão pré-alfa), preservação relativa do hipocampo na RM, afinamento de ínsula e hipometabolismo occipital em SPECT/PET. Eles aumentam a suspeita, mas não fecham diagnóstico isoladamente.
Quanto a líquor e biópsias, ainda não há biofluidos “de rotina” capazes de separar com segurança DCL de Alzheimer; técnicas de seeding para alfa-sinucleína e biópsia de pele com fosfo-alfa-sinucleína são promissoras, mas precisam de padronização. Em cenários de pesquisa, combinações como alfa-sinucleína + p-tau podem elevar acurácia para diferenciar CCL-Lewy vs CCL-Alzheimer.
Três perguntas simples que levantam a suspeita:
Oscilação marcada: Há dias/horas de grande lucidez alternados com confusão/sonolência?
Alucinações visuais: A pessoa “vê” pessoas/animais/objetos que não estão lá?
Sinais parkinsonianos sem explicação melhor (rigidez, lentidão, marcha em passos curtos)?
Se uma dessas respostas for “sim”, vale investigar DCL; se duas, a suspeita fica forte.
O que diferencia da demência associada ao Parkinson?
A pista mais importante é a ordem em que os sintomas aparecem.
Falamos em demência com corpos de Lewy (DCL) quando o declínio cognitivo (atenção flutuante, memória/planejamento, alucinações visuais bem formadas) surge antes ou junto dos sinais motores tipo Parkinson (rigidez, lentidão, tremor).
Usamos “demência da doença de Parkinson” quando a demência aparece anos depois de um Parkinson já estabelecido. Em pesquisa, muitos serviços ainda adotam a “regra de 1 ano”: se a demência começa até 12 meses do início do parkinsonismo, favorece DCL; depois disso, favorece demência da doença de Parkinson.
No caso de Milton Nascimento, reportagens informam que ele recebeu primeiro o diagnóstico de doença de Parkinson há cerca de dois anos e, mais recentemente, o de demência com corpos de Lewy. Isso levanta duas possibilidades clínicas que os médicos costumam investigar com cuidado:
Sintomas cognitivos já vinham de antes (ou muito próximos dos motores) — o que sustenta DCL.
Os sintomas cognitivos chegaram bem depois de um Parkinson estabelecido — o que aponta para demência da doença de Parkinson.
Na prática, os profissionais clínicos olham o filme inteiro, não só a linha do tempo: flutuações marcantes de atenção, alucinações visuais recorrentes, hipersensibilidade a antipsicóticos e alterações do sono REM pesam a favor de DCL. Exames complementares (por exemplo, SPECT/DAT-scan mostrando perda dopaminérgica estriatal; polissonografia para sono REM sem atonia) ajudam a amarrar o diagnóstico.
A pista do sono e do “piloto automático” do corpo:
Para além da cognição, a DCL afeta o sistema nervoso autônomo. Por isso, hipotensão ortostática, intolerância ao calor, constipação, bexiga neurogênica e disfunção sexual são frequentes. Esses sinais aparecem porque a alfa-sinucleína se deposita em redes autonômicas centrais e periféricas, não só no estriado.
Outra “janela” fundamental é o TCSR: pessoas com esse distúrbio do sono têm alto risco de desenvolver uma sinucleinopatia ao longo dos anos, motivo pelo qual a polissonografia ganhou lugar de destaque na investigação.
Por que tantos casos são confundidos com Alzheimer?
Dois motivos principais:
A memória pode estar relativamente preservada no início — o que “foge” do estereótipo de Alzheimer.
Patologias mistas são comuns (Alzheimer + Lewy), sobretudo em fases tardias, o que atrapalha a leitura clínica e neuropatológica.
Nesses cenários, o conjunto (clínica + biomarcadores) é o que dá o salto diagnóstico.
E quanto à frequência?
Estudos populacionais mostram que a DCL responde por uma fração menor dos casos de demência quando comparada a Alzheimer e vascular, e seu risco não cresce necessariamente com a idade extrema. Na coorte de Hisayama, no Japão, a incidência de DCL foi de ~1,4 por 1.000 pessoa-anos, sem aumento claro após os 85 anos.
O que muda para famílias e equipes:
Saber que é DCL — e não “apenas Alzheimer” — muda condutas:
Evitar antipsicóticos quando possível (hipersensibilidade pode ser grave).
Valorizar polissonografia, DAT-SPECT e, quando disponível, MIBG para sustentar o diagnóstico.
Procurar ativamente disautonomia, que influencia segurança, hidratação, quedas e uso de anti-hipertensivos.
No caso de Milton Nascimento, sem detalhes clínicos públicos, a referência serve para chamar atenção a um quadro ainda sub-reconhecido: oscilações marcantes, sonhos “agitados” com encenações noturnas, alucinações visuais e parkinsonismo formam um padrão que merece avaliação direcionada — e quanto antes, melhor, porque orientação terapêutica, segurança e suporte familiar dependem de nomear corretamente a doença.
Em uma frase:
A DCL se diagnostica no conjunto — clínica típica (flutuações, alucinações, parkinsonismo), sono REM sem atonia, disautonomia — reforçada por biomarcadores (DAT, MIBG, EEG/PET/RM) quando disponíveis. Essa precisão protege pacientes de tratamentos inadequados e ajuda famílias a planejar o cuidado com mais clareza.
A matriz sensorial — como os estímulos são captados, filtrados e integrados — organiza a expressão comportamental, os trajetos cognitivos e a participação social no autismo. Perfis hiper-reativos (limiar de saliência baixo) tendem a um trilho emocional-regulatório (medo/ansiedade, evitação) e a comportamentos/pensamentos restritos e repetitivos (RRB) sobretudo comportamentais; perfis hipo-reativos (limiar alto) impactam de modo mais direto a motivação social intrínseca, a atenção social e a linguagem. A gravidade clínica acompanha o grau de desajuste do limiar e o número de canais envolvidos. Na prática, predominam mosaicos mistos por modalidade (auditivo, tátil, visual etc.). Propõe-se um enquadre sensório-centrado para triagem, estratificação e desenho de intervenções, bem como uma agenda translacional por canal.
1. Ponto de vista:
A sensibilidade sensorial deixou de ser um “apêndice” diagnóstico: ela estrutura o acesso do indivíduo ao mundo. Quando o limiar de saliência é baixo (hiper-reativo), sinais cotidianos disparam o sistema de ameaça; quando é alto (hipo-reativo), sinais relevantes não alcançam o limiar para orientar o olhar, a curiosidade e a aprendizagem contingente. Em ambos os casos, o “primeiro quilômetro” do processamento — o sensorium — redefine o que se aprende, onde se participa e com quem se permanece engajado.
2. O que cada perfil prediz (e o que costuma ser indireto):
2.1 Hiper-reatividade: o trilho emocional-regulatório - A hiper-reatividade associa-se de forma consistente a ansiedade/medo, hipervigilância e evitação, e antecipa RRB mais rígidos. Em termos comportamentais, a repetição emerge como estereotipias motoras, rituais, compulsões e resistência à mudança; sob aflição intensa, pode haver autolesão reativa. No plano atencional, padrões “pegajosos” (dificuldade de desgrudar) e “elásticos” (retorno a estímulos familiares) também configuram RRB de matiz mental (mesmice, temas fixos), restringindo novidade e generalização de aprendizagens.
Linguagem e socialização: a via é majoritariamente indireta. Ao encarecer contextos ruidosos/imprevisíveis (pátio, refeitório, festas), o hiper perfila menos tempo útil de interação, achatando ganhos pragmáticos.
2.2 Hipo-reatividade: o trilho motivacional-sociocomunicativo - A hipo-reatividade reduz motivação social intrínseca, atenção conjunta e responsividade a sinais sociais (prosódia, olhar, microgestos). O efeito sobre linguagem tende a ser direto: menos “amostras” relevantes → menos pareamento gesto-palavra-significado. Em faixas mais graves, observam-se iniciativa comunicativa baixa, perfil não verbal, ecolalias (imediatas/tardias) e comunicação idiossincrática como estratégias regulatórias/expressivas legítimas, que devem ser incorporadas ao plano de comunicação (com CAA quando indicado).
Síntese: hiper “puro” → ansiedade/medo + RRB (efeito indireto em linguagem); hipo “puro” → motivação/atenção social e linguagem (efeito direto). Misturas por canal são a regra — e mudam o plano terapêutico.
3. A clínica “por canal”: onde intervir primeiro:
Auditivo: Nas coortes e revisões, é o locus mais frequente de hiper: queixas de ruído comum como insuportável e habituação atípica sustentam evitação e retraem a participação escolar e social.
Tátil: Hipersensibilidade a texturas/contato é comum; medidas psicofísicas nem sempre diferenciam limiares, indicando componente regulatório/afetivo. Em genética sináptica (ex.: SHANK3), a hiper tátil evolui mensuravelmente em um ano e coexiste com filtro auditivo frágil e baixa energia.
Visual/olfato/gustação. As séries são menos específicas; frequentemente, os efeitos vêm de inventários globais. A avaliação individual decide prioridade.
Implicação: escrever no prontuário por modalidade — “hiper auditivo; hipo tátil/proprioceptivo; hiper visual à noite” — orienta metas e timing de exposição, dessensibilização e apoios.
4. Sono e energia: quando o sistema não desliga (ou não liga):
Hiper e hipo coexistem e se expressam no sono. Hiper: pequenos vazamentos de luz, ruídos discretos e texturas mantêm alerta, prolongam latência e quebram a noite. Hipo: sinais de sono amortecidos levam à busca de pressão/movimento para “mudar o estado”. Componentes corpo-mediados (pressão profunda organizada, movimento, toque estruturado), combinados a higiene do sono, reduzem arousal e ampliam a tolerância ao ambiente de dormir (evidência ainda modesta, porém coerente com a prática).
5. Percepção/cognição social, motivação e comunicação: um mapa operacional:
Percepção/cognição social: hipo sofre por subamostragem (sinal não atinge limiar); hiper sofre por sobrecarga (sinal demais).
Motivação social intrínseca: tipicamente menor no hipo; no hiper, o desejo pode existir, mas o custo sensorial encurta as interações.
Comunicação: elevação segura de saliência (voz marcada, gesto claro, apoios visuais, toque breve/proprioceptivo) + tempo de processamento + CAA aumentam responsividade; ecolalia/idiossincrasias devem ser tratadas como pontes comunicativas.
6. Curso e gravidade: o limiar como marcador:
Regra de bolso: quanto mais desajustado o limiar de saliência (muito baixo = hiper; muito alto = hipo) e quanto mais canais sensoriais envolvidos, maior a gravidade funcional.
· Hiper-reatividade precoce (14–24 meses) → associa-se prospectivamente a RRB mais rígidos na pré-escola. Quando o modelo estatístico controla a hipo-reatividade, a ligação hiper → traço autístico global enfraquece, mas o caminho hiper → medo/ansiedade permanece robusto, caracterizando um trilho emocional-regulatório do hiper.
· Hipo-reatividade precoce → prediz pior linguagem e habilidades sociais adaptativas ao longo do tempo, refletindo um trilho motivacional-sociocomunicativo (menos amostragem de pistas sociais relevantes).
· Carga sensorial cumulativa: a gravidade clínica cresce em função do grau de desajuste do limiar e do número de modalidades afetadas (p.ex., hiper auditivo + hiper tátil > hiper isolado), com efeitos aditivos sobre ansiedade, sono, participação e aprendizagem.
· Mensagem operacional: mapear por canal, datando no tempo (linha de base e reavaliações) e monitorar longitudinalmente; perfis mistos são a regra e mudam com desenvolvimento, ambiente e intervenção — logo, planos precisam ser ajustados dinamicamente ao mosaico sensorial real de cada pessoa.
7. Implicações para prática e serviços (checklist aplicável):
Triagem e estratificação por subtipo/canal: Registre hiper/hipo por modalidade; use isso para prever riscos internalizantes/externalizantes, sono e metas adaptativas.
Engenharia ambiental sob medida:
Hiper: previsibilidade de intensidade/tempo do estímulo, microdoses de exposição com treino corpo-respiração, rotas de fuga e scripts de saída/retorno.
Hipo: “menu proprioceptivo” pré-tarefa, pistas explícitas de objetivo/turno, elevação multimodal de saliência.
Sono como alvo transversal: Combine higiene do sono com componentes somatossensoriais; rastreie “competidores” (apneia, refluxo, dor, telas tardias, estimulantes).
Métricas que importam: Priorize tempo engajado, variedade de parceiros/contextos, flexibilidade e qualidade do sono — mais informativos que escores globais isolados.
Comunicação e motivação social: Trate motivação como variável de projeto; legitime ecolalia e idiossincrasias como vias de entrada; acople CAA cedo quando indicado.
8. Agenda translacional por canal:
Modalidade × circuito: ligar habituação (ERP), equilíbrio excitação/inibição e biomarcadores a trajetórias de ansiedade (hiper) e linguagem/motivação social (hipo).
Vias diretas vs. indiretas: testar quando hiper reduz linguagem por evitação e quando hipo reduz por subamostragem.
Ensaios sensório-centrados: auditivo (gestão de ruído, previsibilidade temporal, enfrentamento), tátil (toque estruturado, gradação de texturas), com desfechos funcionais (participação, sono, ansiedade) e marcadores intermediários (habituação, variabilidade autonômica).
Conclusão:
Entender a matriz sensorial é entender a dinâmica da neurodivergência. A direção do perfil (hiper ↔ hipo), a mistura por canais e o grau de desajuste de saliência explicam uma parte decisiva do comportamento, da cognição e do curso do desenvolvimento no autismo. O passo editorial claro é migrar de rótulos globais para planos estratificados por subtipo e modalidade, iniciados cedo, medidos com desfechos que importam à vida real e centrados em devolver participação — em casa, na escola e na comunidade.
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A hiper-reatividade sensorial — respostas exageradas e/ou aversivas a estímulos — é mais do que um epifenômeno: ela marca subgrupos clínicos, antecipa riscos emocionais e ajuda a explicar padrões de adaptação ao longo do desenvolvimento. Em triagens precoces, fatores de hiper e hipo já emergem como dimensões independentes (ao lado de linguagem, atenção social, rotina/autorregulação), úteis para subtipagem fenotípica entre 6–16 meses e para prever desfechos aos 3 anos. (Baranek et al., 2022).
O que a matriz hiper-reativa prediz
Comportamento emocional e autorregulação: Crianças com perfil sensorialmente hiper-responsivo apresentam, de forma consistente, maior ansiedade, incluindo medo de dano físico e fobias específicas; a intolerância à incerteza media a ligação entre anomalias sensoriais e repetição/insistência em rotinas, sustentando um circuito “sensorial → incerteza → ansiedade → RRB”. Nesses casos, a repetição costuma manifestar-se comportamentalmente, como estereotipias motoras, comportamentos compulsivos, rituais, resistência à mudança e, em subgrupos sob aflição intensa, autolesão — mais do que por padrões exclusivamente mentais/cognitivos de mesmice.
Atenção e aprendizagem: Padrões de atenção “pegajosa” (dificuldade para desgrudar) e “elástica” (retornos frequentes ao estímulo já familiar) relacionam-se a hiper-responsividade relatada por cuidadores, ou seja, ao loop mental, com implicações para como a criança prioriza pistas e distribui recursos atencionais durante a exploração e o brincar — pontos que repercutem na aquisição de vocabulário e conceitos. Esses mesmos padrões configuram, ainda, uma forma de comportamento repetitivo e interesses restritos (RRB) de matiz cognitivo/mental, marcada pela “mesmice” (preferência por estímulos conhecidos e manutenção de estados atencionais) e por pensamentos restritos/temas fixos (ruminações sobre tópicos estreitos, previsíveis, com baixa flexibilidade), o que pode restringir a novidade e a generalização de aprendizagens. (Dwyer et al., 2024).
Sono e energia: Perfis hiper/hipo frequentemente coexistem e se acompanham de resistência para deitar, latência aumentada, despertares e menor duração total. Desta forma, para falar de sono e energia em contextos de sensibilidade sensorial, vale assumir desde o início que “hiper” e “hipo” não são caixas estanques; muitas vezes convivem na mesma pessoa e até no mesmo quarto, dependendo da modalidade sensorial. A cena é comum: resistência para deitar, demora para adormecer, despertares sucessivos e, no saldo, uma noite curta. Quando o sistema está em “hiper”, ele dispara por pouco — luz que vaza pela cortina, ruído discreto, textura áspera do lençol — e mantém o corpo em estado de vigilância. Quando está em “hipo”, acontece o oposto: o sistema liga devagar, os sinais de sono chegam amortecidos e a pessoa passa a buscar estímulos — movimento, pressão, toque firme — para finalmente “sentir o corpo” e permitir a mudança de estado.
Na prática clínica, isso aparece antes mesmo de apagar as luzes. O hiper chega à beira da cama tentando controlar portas, iluminação e barulhos, com a mente acelerada e o corpo pronto para reagir a qualquer incômodo. O hipo, por sua vez, prolonga telas, brincadeiras e giro, como se precisasse acumular sensação para conseguir transitar ao sono; por vezes, só apaga quando o cansaço atinge um limiar extremo. Durante a noite, o hiper acorda por estímulos mínimos e permanece em sono leve; o hipo tende a um primeiro bloco pesado, com muito movimento e busca por pressão, e depois custa a emergir pela manhã, sentindo o corpo pesado. Entre esses polos, quase sempre há perfis mistos: alguém hiper para som e luz, mas hipo para toque e propriocepção. É nessa sutileza — modalidade por modalidade — que um manejo mais fino acontece.
Daí a pertinência de falar em “regular pelo corpo”. Estratégias de pressão profunda, movimento organizado e toque estruturado parecem amortecer a sobrecarga sensorial noturna e favorecer a mudança de marcha do sistema nervoso. A palavra-chave é organização: compressões firmes e lentas, rotinas de alongamento e respiração que diminuem o arousal para quem está hiper; uma “reabastecida” proprioceptiva graduada nas horas que precedem o sono para quem está hipo, reduzindo a necessidade de buscar estímulo justamente na hora de dormir. A evidência formal ainda é limitada, o que exige humildade metodológica e monitoramento; mas a convergência entre teoria sensorial, achados preliminares e observação clínica aponta um caminho promissor quando aplicado com prudência.
Prudência também significa olhar para competidores do sono que não se resolvem com toque ou peso. Ronco alto, pausas respiratórias, refluxo, dor, uso de estimulantes à noite — inclusive cafeína e energéticos — e exposição tardia a telas podem mimetizar ou agravar tanto o hiper quanto o hipo. Ignorar esses fatores é condenar qualquer protocolo a resultados erráticos. O editorial, portanto, defende um duplo movimento: higiene clínica básica para afastar causas médicas e, em seguida, uma intervenção sensorial calibrada ao perfil real, e não ao rótulo.
Nada disso dispensa método. Um diário de duas semanas, registrando horário de deitar, latência, despertares, duração total e o que ajudou ou atrapalhou, dá lastro às decisões. Testar poucas intervenções por vez e acompanhar os mesmos indicadores evita confundir coincidência com efeito. No consultório e em casa, duas perguntas simples ajudam a distinguir tendências: se o sono melhora quando há menos estímulo — mais escuro, mais silêncio, toque leve — provavelmente predomina o hiper; se melhora depois que o corpo “enche o tanque” com pressão, movimento e toque firme, há traços hipo em jogo. Entre uma e outra resposta, existe a pessoa concreta, que oscila, aprende e responde ao que faz sentido para seu corpo. É com ela — e não com a caricatura dos perfis — que precisamos dialogar quando o objetivo é dormir melhor.
Curso do desenvolvimento e RRB: Em termos simples, “hiper-reatividade” aos 14–24 meses significa um bebê que reage demais a estímulos comuns: assusta-se com barulhos moderados, rejeita certas texturas, chora quando a luz muda ou quando a rotina é alterada. Em coortes acompanhadas até a pré-escola, esse padrão precoce costuma anteceder um quadro com interesses restritos mais intensos (fixação por temas ou objetos muito específicos, como ventiladores ou letras) e comportamentos repetitivos mais frequentes ou rígidos (alinhamentos, conferir portas várias vezes, rotinas de brincar sem variação). Um exemplo concreto: um bebê de 18 meses que entra em pânico com o secador de mãos do banheiro e só se acalma abraçado e em silêncio; aos 4 anos, ele pode insistir em um caminho único até a escola e repetir sequências de organização de brinquedos para “garantir” que nada inesperado aconteça. A ponte entre um ponto e outro é a tentativa do sistema nervoso de prever e controlar o ambiente para reduzir surpresa — o que, na criança hiper, vira uma estratégia de autoproteção: quanto mais previsível, menos sobrecarga.
Quando os pesquisadores incluem, no mesmo modelo, a hipo-reatividade (um estilo mais “apagado” a certos estímulos, com busca por pressão ou movimento para “sentir o corpo”), a associação entre hiper-reatividade e traços autísticos globais enfraquece. Isso acontece porque parte dos sinais que puxavam o escore global pode estar melhor explicada pela hipo-reatividade em alguns domínios sensoriais; muitas crianças são mistas (hiper a som/luz, hipo a toque/propriocepção), e separar esses fios reduz o “tudo no mesmo saco”. Porém, mesmo com esse ajuste, o caminho hiper → medo/ansiedade permanece forte. Em termos clínicos, isso identifica um trilho emocional típico: a criança hiper tende a desenvolver evitação, hipervigilância e respostas de alarme diante do inesperado. Exemplo: uma menina de 2 anos que chora ao ouvir liquidificador e se recusa a entrar na cozinha; aos 5, ela antecipa “e se ligar de novo?” e passa a evitar almoços em casas de amigos, mostrando medos amplificados e preocupação antecipatória. Já um menino com traços hipo pode “não sentir” cansaço e buscar pular/pressionar o corpo antes de dormir; aos 4 anos, ele mantém menos rituais de controle por medo e mais busca sensorial para se organizar.
Esses achados ajudam na prevenção e no foco das intervenções. Se o perfil é predominantemente hiper, faz sentido priorizar rotinas de previsibilidade, dessensibilização gradual e estratégias corpo-respiração para reduzir arousal, além de trabalhar “coragem com segurança” frente a barulhos ou mudanças pequenas, combatendo a ansiedade de antecipação. Se há um componente hipo importante, incluir um “menu proprioceptivo” antes de atividades desafiadoras (empurrar parede, compressões firmes, jogos de peso) organiza o corpo sem alimentar o circuito do medo. Em ambos, ajustar a escola e a casa para surpresas menores e melhor sinalizadas diminui a necessidade de controlar tudo com rituais. Em suma: hiper-reatividade precoce aponta risco para RRB mais intensos, mas, ao separar a hipo, vemos que o que permanece com força é o fio da ansiedade; cuidar dele cedo muda o curso. (Feldman et al., 2024/2021).
Por quais canais essa repercussão passa?
As amostras são mais granulares em auditivo e tátil. No auditivo, revisões e medidas eletrofisiológicas (habituação, N1/P2) sustentam a hipersensibilidade a sons como foco frequente de sobrecarga/evitação, com impacto indireto na participação social e no uso de ambientes escolares.
No tátil, há hipersensibilidade comum e hipóteses de desequilíbrio excitação/inibição; estudos psicofísicos, porém, nem sempre diferenciam limiares — sugerindo que parte do fenômeno é regulatório/afetivo, não apenas perceptivo. Em condições genéticas (ex.: Phelan-McDermid), a hiper-reatividade tátil mostra evolução clínica mensurável em 1 ano, e coexiste com outras dificuldades sensoriais (filtro auditivo, baixa energia). (Serrada-Tejeda et al., 2023).
Cognição e linguagem: efeito direto ou “via de mão indireta”?
Quando falamos em “efeito direto” versus “via indireta” entre perfis sensoriais e desenvolvimento de cognição/linguagem, a ideia é: um efeito direto seria observar que a sensibilidade (hiper ou hipo) por si só, medida agora, prediz mudança mensurável em linguagem/socialização depois — mesmo controlando outras variáveis; a via indireta significa que a sensibilidade altera o contexto de experiência (o quanto a criança interage, explora, tolera novidade), e é esse contexto que, por sua vez, molda linguagem e cognição. O que a literatura sugere é que as ligações diretas com linguagem/socialização tendem a ser mais consistentes no perfil hipo do que no hiper. Faz sentido mecanisticamente: a hipo-reatividade reduz o registro de sinais sutis do ambiente — voz, entonação, expressões — e leva a menor orientação espontânea para rostos e fala; com isso, há menos captação de pistas linguísticas e sociais no fluxo do dia, o que pode aparecer mais tarde como vocabulário menor ou menor reciprocidade. Já no hiper, o “gargalo” não é a captação em si, mas a sobrecarga: o sistema registra demais e, para se proteger, evita situações ruidosas, imprevisíveis ou multissensoriais (pátio da escola, aniversários, refeitório, parque). Assim, a criança hipersensível tende a ter menos oportunidades de interação de qualidade ou interações mais curtas e tensas. O resultado linguístico surge indiretamente: não porque ela não ouça/entenda sinais, mas porque participa menos de trocas ricas, desiste mais rápido, ou fica ocupada regulando o desconforto em vez de sustentar a conversação. (Feldman et al., 2021/2024).
Pense em dois exemplos. No hipo, um bebê de 12–18 meses que responde pouco ao chamar do nome e quase não busca a face do adulto durante a fala pode “perder” micro-oportunidades de pareamento som–significado (gesto + palavra + objeto), acumulando atraso mais linear e detectável nas medidas de linguagem meses depois. No hiper, uma criança de 2 anos até gosta de livros, mas recusa a roda de leitura da creche por ser barulhenta e cheia; em casa, evita visitas longas e troca diálogos por rotinas muito controladas. Ela tem repertório, mas sua participação social fica “estreitada”; a curva de linguagem não cai de imediato, porém achata porque a criança passa a investir menos em situações que expandem vocabulário pragmático e flexibilidade conversacional. Em estudos longitudinais pequenos, às vezes ambos — hiper e hipo — aparecem associados a pior comunicação 9 meses depois; porém, quando os modelos se refinam (considerando cada perfil e o contexto), o efeito isolado de hiper costuma perder força, enquanto a via hipo → linguagem permanece mais estável. Isso reforça a leitura da hiper-reatividade como moderadora do acesso à experiência (e não como um freio linguístico intrínseco), e a hipo-reatividade como um freio mais direto sobre a orientação e o engajamento com os sinais sociais relevantes. (Feldman et al., 2021/2024).
Clinicamente, a implicação é pragmática: para crianças hiper, proteger e estruturar o cenário (reduzir ruído, previsibilidade de turnos, combinar sinais visuais) e dosar a exposição social em “microdoses” aumenta o tempo útil de engajamento — e, portanto, a entrada de linguagem — sem acionar o circuito de evitação. Para crianças hipo, é fundamental potencializar a saliência da fala e do rosto (posicionar-se no campo de visão, exagerar prosódia, usar gestos marcados, toques firmes e breves para “acordar” a atenção), além de inserir carga proprioceptiva antes de atividades comunicativas. Em ambos os casos, o alvo não é “corrigir o senso-rial”, mas remodelar a oportunidade: aumentar a quantidade e a qualidade das trocas possíveis naquele corpo, naquele ambiente. É nessa engenharia do contexto que o suposto “efeito sensorial” vira ganho concreto em linguagem e socialização — sobretudo quando começamos cedo e medimos progresso no que realmente importa: tempo engajado, variedade de parceiros e flexibilidade nas trocas.
Da fenomenologia à prática clínica
Estratificar por subtipo sensorial importa: hiper tende a ansiedade/desregulação; hipo e busca se ligam mais a sintomas tipo de desatenção — e todos compartilham aumentos de desregulação emocional. Essa leitura transdiagnóstica ajuda a alinhar metas (ex.: redução de evitação auditiva/tátil) e a selecionar componentes somatossensoriais nas intervenções. (Brandes-Aitken et al., 2024; Ben-Sasson et al., 2019).
Janela tátil-social: Alterações no toque (hiper e/ou hipo) predizem problemas sociais, independentemente da gravidade autística global, sugerindo que o toque é uma via privilegiada para modular engajamento, proximidade e co-regulação — especialmente em rotinas de cuidado e escola. (Miguel et al., 2017).
Estabilidade e curso: Hiper/hipo/busca mostram estabilidade relativa ao longo de anos (com declínio médio em alguns domínios), o que justifica linhas de base sensoriais e monitoramento longitudinal para ajustar intensidade de suporte, em vez de esperar “desaparecimento espontâneo”. (Baranek et al., 2019).
Agenda para pesquisa clínica translacional
Medir por modalidade e por circuito (auditivo, tátil; habituação, E/I): ligar sinais fisiológicos (ERP/habitação) a trajetórias emocionais (medo/ansiedade) e RRB, testando mediações por intolerância à incerteza. (Wigham et al., 2015).
Delinear vias indiretas para linguagem: quando e como hiper reduz oportunidades de engajamento e aprendizagem, e quando hipo responde por variação direta em atenção/motivação social. (Feldman et al., 2021/2024).
Ensaios por canal: componentes auditivos (gestão de ruído, previsibilidade de intensidade/tempo, treino de enfrentamento) e táteis (toque estruturado, gradação de texturas), com desfechos funcionais (participação, sono, ansiedade) e marcadores intermediários (habituação). (Serrada-Tejeda et al., 2023; sínteses clínicas).
Mensagem editorial: Ver o desenvolvimento “por dentro” do sensorium muda a prática: hiper-reatividade não é sinônimo de “sensibilidade” genérica; é um organizador de risco emocional e regulatório que indireta (mas relevantemente) diminui o tempo de exposição útil a experiências sociais e de aprendizagem. Mapear o canal (sobretudo auditivo e tátil nas amostras) e intervir no corpo para baixar a sobrecarga e aumentar a previsibilidade do sinal transforma o hiper de obstáculo em alvo clínico — um passo necessário para planos estratificados por subtipo sensorial e alinhados à vida diária da criança e da família. (Sínteses/metanálises e estudos longitudinais citados).
A hiporreatividade sensorial (busca sensorial) — respostas diminuídas ou tardias a estímulos — deixou de ser detalhe periférico e passou a ocupar lugar central na compreensão do autismo. O DSM-5-TR a reconhece, ao lado da hiper-reatividade, como um dos eixos diagnósticos, enfatizando sua presença precoce e seu impacto funcional ao longo da vida (Martínez-Sanchis, 2015). Considerar o desenvolvimento a partir da matriz sensorial do autismo é começar pelo ponto de entrada do sistema nervoso — como os estímulos são percebidos, filtrados e integrados — para explicar, a jusante, a organização da atenção, da motivação, da linguagem, das funções executivas, do sono, da autorregulação e da adaptação. Quando essa matriz é predominantemente hipo-reativa, muitos sinais do ambiente não alcançam saliência suficiente para orientar o olhar, convocar a curiosidade ou sustentar encadeamentos de aprendizagem; assim, diminuem as oportunidades de troca social significativa, a consolidação de hábitos autorregulatórios e a construção de repertórios cognitivos flexíveis. Não se trata apenas de “comportamento”: é um gradiente de desenvolvimento que se desenha a partir de como o corpo sente o mundo — e do quanto esse sentir é organizado, previsível e sintonizado ao indivíduo. Por isso, perfilar a matriz sensorial (quais modalidades estão mais hipo-reativas, em quais contextos, com que efeitos sobre sono, alimentação e atenção) não é detalhe técnico: é estratégia central para orientar intervenções precoces, definir prioridades pedagógicas e clínicas e acompanhar a trajetória de cada pessoa, transformando o sensorial em vetor de organização — e não em obstáculo silencioso — do desenvolvimento (Martínez-Sanchis, 2015).
Um fenótipo com assinatura ampla: comportamento, cognição e adaptação
Quatro linhas de evidência convergem:
1) Padrões comportamentais e autorregulação: Estudos de fenotipagem orientada por dados identificam subgrupos hiporresponsivos (hipo-reativos) com perfis próprios de autorregulação. Na clínica, perfis hipo-reativos tendem a apresentar um eixo predominantemente internalizante (isolamento elevado, retraimento, menor iniciativa social), com comportamentos externalizantes geralmente na faixa normativa; em contraste, perfis hiper-reativos aparecem com maior frequência vinculados a externalizantes (maior reatividade, irritabilidade, explosões). Esse arranjo sugere que o continuum hipo ↔ hiper modula a direção do risco (internalizante ↔ externalizante), e que o mapeamento sensorial precisa ser lido junto a marcadores de saliência ambiental e autorregulação (Serrada-Tejeda et al., 2022).
Observações clínicas: menor motivação social intrínseca (baixo interesse espontâneo), pouca camuflagem social (não “força” adaptação superficial), desinteresse ambiental mais profundo, introspecção e atenção social pouco responsiva — porém menor sofrimento quando a socialização é necessária, pois exigências de previsibilidade ambiental pesam menos do que em perfis hiper-reativos. Efeitos associados à baixa motivação social: menor orientação/atenção conjunta e engajamento recíproco; atraso subsequente em linguagem receptiva e sobretudo expressiva (motivação social mais robusta na infância prediz melhor linguagem depois); preferência atencional por estímulos não sociais em vez de rostos; processamento atípico de recompensa (social e não social), com menor “valor” intrínseco de pistas sociais; maior retraimento e risco de ansiedade/anedonia social em subgrupos; diferenças por sexo (meninas tendem a exibir motivação social relativamente mais alta que meninos, o que pode mascarar dificuldades); e maleabilidade da motivação, que a torna alvo útil de intervenção (p.ex., elevar valor de pistas sociais, treinar atenção conjunta, desenhar rotas de reforço social saliente).
2) Cognição social e motivação. Diferenças sensoriais predizem domínios motores, sociais e cognitivos, formando fenótipos sensoriais discretos. Em modelos táteis, vínculos com redes de excitação/inibição apoiam a existência de um mecanismo neurobiológico de “portagem” para a integração senso-cognitiva. Embora medidas clínicas e psicofísicas nem sempre convirjam, a direção é consistente: entrada sensorial atípica, inclusive hiporreativa, ajuda a explicar variações de atenção social, interesse por estímulos sociais e aprendizagem dependente de saliência (Martínez-Sanchis, 2015).
Observações clínicas (linguagem/atenção social e perfil não verbal): quando a saliência social é baixa, observa-se linguagem menos responsiva e pouca iniciativa comunicativa; conforme a gravidade do perfil hipo-reativo aumenta, isso pode se expressar num continuum que vai de fala escassa a ausência de verbalização espontânea (autistas não verbais), com maior dependência de pistas sensoriais e de canais alternativos. Nesse contexto, ecolalias imediatas ou tardias e comunicação idiossincrática (roteiros fixos, frases “de empréstimo”, uso singular de palavras e prosódia atípica) funcionam tanto como estratégias regulatórias de ativação quanto como formas legítimas de expressão e de entrada/saída de interação. A responsividade tende a melhorar quando se eleva a saliência do input de modo seguro e multimodal (voz marcada, gestos claros, suporte tátil/proprioceptivo, recursos visuais), com pistas explícitas de objetivo/turno, tempo ampliado de processamento e CAA (comunicação aumentativa e alternativa). Por isso, é fundamental trabalhar sistematicamente a motivação social — eixo que sustenta atenção conjunta, engajamento recíproco e ganhos de linguagem — integrando intervenções específicas para motivação social ao plano terapêutico.
3) Padrões de sono e energia: Em revisão de escopo, diferenças de reatividade (hipo/hiper e busca) coexistem, de forma consistente, com queixas de sono (resistência para deitar, ansiedade, latência aumentada, despertares, menor duração). Hiporreatividade tátil tende a relacionar-se com insônia. O sono tanto espelha a organização sensorial quanto retroalimenta déficits de atenção, memória e controle inibitório (Lane, Leão, & Spielmann, 2022).
Observações clínicas: em hipo-reativos, é comum baixa energia diurna e ritmos pouco ancorados; intervenções somatossensoriais e higiene do sono estabilizam o ciclo.
A lógica da repercussão: por que menos resposta sensorial pode significar mais risco
Menor ganho de sinal e saliência: estímulos relevantes (sociais, táteis, interoceptivos) não alcançam o limiar de novidade/interesse, reduzindo orientação e aprendizagem contingente (alternância de turnos, leitura de pistas não verbais). Essa subamostragem empobrece repertórios sociais e comunicativos (Martínez-Sanchis, 2015).
Observações clínicas: o ambiente precisa de “input alto” para ser percebido/atraente; quando o contexto fornece pistas fortes e previsíveis, há adesão funcional com pouco sofrimento, mas baixo interesse espontâneo persiste.
Autorregulação sobrecarregada: com entrada periférica inconsistemente fraca, surgem estratégias compensatórias (busca sensorial, autoestimulação) que nem sempre regulam o nível de ativação. Se falham, crescem desregulação emocional e variabilidade atencional; em hiper-reativos, a via tende a externalizantes; em hipo-reativos, a via tende a internalizantes (Serrada-Tejeda et al., 2022).
Acoplamento sono-sensório: hiporreatividade, especialmente tátil, associa-se a insônia/despertares; o sono alterado impacta consolidação de memória, plasticidade e funções executivas, justamente os sistemas que deveriam compensar a subamostragem (Lane et al., 2022).
Do laboratório ao consultório: implicações práticas
Triagem e estratificação: Ir além do “tem/não tem” reatividade, identificando fenótipos sensoriais (por exemplo, hiporresponsivo + baixa energia) para prever riscos internalizantes/externalizantes, perfis de desatenção/hiperatividade e metas adaptativas (Serrada-Tejeda et al., 2022).
Observações clínicas: incluir motivação social intrínseca, interesse ambiental, linguagem/atenção social, sono, alimentação e interocepção como eixos do perfil.
Planos centrados no sensório: Intervenções com pressão profunda, movimento e toque estruturado mostram sinal promissor; protocolos que alinham preferências sensoriais e higiene do sono são sinérgicos e pedem ensaios pragmáticos (Lane et al., 2022).
Observações clínicas: aumentar saliência (voz, gesto, pistas táteis seguras), estruturar turnos e clarear previsibilidade de posição e intensidade do sinal favorece responsividade comunicativa e engajamento em hipo-reativos.
Alimentação e interocepção: há tendência a hiporreatividade interoceptiva (sinais corporais “fracos”), com implicações para fome/saciedade, dor e estados emocionais; recomenda-se dessensibilização gustativo-tátil, rotinas preditivas e treino de atenção interoceptiva/biofeedback (Malhi et al., 2021; Lane et al., 2022).
Observações clínicas: maior diarreia e dificuldade de regulação intestinal; frio e calor pouco percebidos; dor frequentemente subpercebida; tendência à obesidade por saciedade tardia/baixa.
Agenda de pesquisa: integrando medidas e encurtando o “vale” entre relato e fisiologia
A literatura ainda oscila entre questionários/relatos e métricas objetivas (psicofísica, eletroencefalografia/potenciais relacionados a eventos, actigrafia). Para avançar:
Coletar dados multiescala (relato + psicofísica + neurofisiologia) em coortes estratificadas por fenótipo sensorial.
Modelar circuitos (excitabilidade cortical, ganho sensorial, erro de predição) que liguem hiporreatividade a atenção social, motivação e funções executivas.
Testar intervenções sensório-centradas com desfechos objetivos (adaptação, sono, cognição) e marcadores intermediários (potenciais relacionados a eventos, variabilidade de ativação).
Usar subgrupos genéticos (por exemplo, SHANK3) como lentes de aumento mecanísticas e para ensaios adaptativos (Walinga et al., 2023; Serrada-Tejeda et al., 2022).
Conclusão
Considerar o desenvolvimento a partir da matriz sensorial coloca a hiporreatividade no centro de um encadeamento que vai do processamento inicial do estímulo à organização de atenção, motivação, linguagem, funções executivas, sono, autorregulação e adaptação. Quando predomina o perfil hipo-reativo, a saliência dos sinais ambientais torna-se insuficiente para sustentar orientação, curiosidade e ciclos de aprendizagem, o que reduz oportunidades de troca social significativa, fragiliza hábitos autorregulatórios e empobrece repertórios cognitivos (Martínez-Sanchis, 2015). Na prática, isso se expressa por um eixo mais internalizante (retraimento, baixa iniciativa social) e por baixa motivação social intrínseca, com adesão funcional quando há pistas fortes, porém pouco interesse espontâneo; no mesmo contínuo, surgem alterações do sono que retroalimentam dificuldades atencionais e de controle inibitório (Lane, Leão, & Spielmann, 2022), bem como efeitos interoceptivos com impacto em fome/saciedade e mealtime (Malhi et al., 2021). Em subgrupos genéticos como a síndrome de Phelan-McDermid, perfis hiporresponsivos associam-se a baixa adaptação com gradiente dose-efeito, reforçando o elo sensorial-adaptativo (Serrada-Tejeda et al., 2022; Walinga et al., 2023).
Diante desse conjunto, perfilar a matriz sensorial (quais modalidades estão mais hipo-reativas, em quais contextos e com quais efeitos sobre sono, alimentação e atenção) deixa de ser detalhe técnico para tornar-se estratégia central: orienta intervenções precoces focadas em elevar saliência de forma segura e multimodal, trabalhar motivação social como alavanca para atenção conjunta e linguagem, estruturar rotinas de sono e personalizar o cuidado alimentar/interoceptivo. Ao mesmo tempo, convida a uma agenda que integre relato, psicofísica e neurofisiologia e teste protocolos sensório-centrados com desfechos funcionais. Em síntese, transformar o sensorial de obstáculo silencioso em vetor de organização é o caminho mais sólido para uma clínica personalizada, precoce e efetiva, alinhada ao que a literatura e a observação clínica convergem em indicar (Martínez-Sanchis, 2015; Lane et al., 2022; Malhi et al., 2021; Serrada-Tejeda et al., 2022; Walinga et al., 2023).
Referências
Lane, S. J., Leão, M. A., & Spielmann, V. (2022). Sleep and sensory processing/integration in autism spectrum disorder: A scoping review. Frontiers in Psychology, 13, 877527.
Malhi, P., Saini, S., Bharti, B., Attri, S., & Sankhyan, N. (2021). Sensory processing dysfunction and meal-time behaviour problems in children with autism spectrum disorder. Indian Pediatrics, 58(9), 842–845.
Martínez-Sanchis, S. (2015). The prefrontal cortex role in autism spectrum disorders sensory impairments. Revista de Neurología, 60(Suppl 1), S19–S24.
Serrada-Tejeda, S., Cuadrado, M. L., Martínez-Piédrola, R. M., Máximo-Bocanegra, N., Sánchez-Herrera-Baeza, P., Camacho-Montaño, L. R., & Pérez-de-Heredia-Torres, M. (2022). Sensory processing and adaptive behaviour among individuals with Phelan-McDermid syndrome. European Journal of Pediatrics, 181(8), 3141–3152.
Walinga, M., Jesse, S., Alhambra, N., Van Buggenhout, G., & PMS-EU Consortium. (2023). Consensus recommendations for altered sensory function as a common phenotype in Phelan-McDermid syndrome. European Journal of Medical Genetics, 66(5), 104726.
A guerra não precisa bater à porta para bagunçar o que o cérebro entende por perigo. Acordar com vídeos de explosões no celular e atravessar a rua ao som de sirenes são experiências distintas, mas ambas reorganizam a forma como percebemos ameaças, contamos o tempo e guardamos lembranças. Os estudos mais recentes com civis mostram que a via de exposição — pela mídia ou no cotidiano do conflito — molda tanto a intensidade quanto a duração desse impacto.
Entre quem acompanha à distância, a ameaça chega filtrada pela tela, mas não é branda. Nas primeiras semanas após grandes eventos, o acúmulo de horas diante de coberturas e posts — sobretudo quando incluem imagens gráficas — aumenta o estresse agudo e fragmenta o sono. O corpo entra num compasso ditado por “breaking news”: a notificação vibra e, antes do raciocínio, o coração dispara. As memórias que irrompem sozinhas tendem a ser visuais, como trailers involuntários de um mesmo vídeo, alimentando um ciclo conhecido pelos pesquisadores: quanto mais sofrimento, mais consumo de notícias; quanto mais consumo, mais sofrimento.
No terreno, o quadro muda de textura. Para civis que vivem sob bombardeios, toques de recolher e deslocamentos, a ameaça é concreta e recorrente. O mapa mental ganha zonas de perigo, trajeto a trajeto, e a vigilância se torna prática: distinguir sons, escolher paredes, calcular rotas. As lembranças que voltam sem convite não são só imagens; trazem ruídos, cheiros, vibrações — e com mais chance de persistir quando há explosões, perdas e ruptura da rotina. Em zonas quentes de trabalho, como no caso de jornalistas, socorristas e humanitários, a mente ainda incorpora um vocabulário tático — “onde está a cobertura?”, entendida como proteção física — e um peso moral pelas decisões tomadas sob pressão.
Apesar das diferenças, um mesmo tripé se repete em todos os grupos: intrusões, evitação e hiperalerta. É comum que o sono seja o primeiro a ceder, tornando-se um termômetro precoce da sobrecarga emocional. O que a literatura sugere, portanto, é menos um contraste entre “real” e “virtual” e mais um contínuo de exposição: quantidade e qualidade do contato com a violência — horas de mídia, teor gráfico, proximidade do risco — funcionam como botões de volume. Entender essa gradação ajuda a nomear o que cada civil sente e a orientar respostas proporcionais, tanto na comunicação quanto no cuidado em saúde.
Quando a guerra chega pelo feed (civis à distância):
Quando a guerra chega pelo feed, a ameaça não tem sirene nem vidraça quebrada — é difusa, mas constante. O desfile de imagens fortes cola a atenção na próxima atualização e vai afinando o sono. As lembranças que escapam sozinhas são, em regra, visuais: o cérebro rebobina o mesmo trecho, o mesmo enquadramento, como se exibisse trailers involuntários. Nesse terreno, a ansiedade é flutuante — a sensação de que “algo ruim pode acontecer a qualquer momento” — e a impotência pesa: “não há nada concreto que eu possa fazer”. Para quem vive em diáspora, o feed vira linha de vida; cada notificação parece um veredito sobre quem está vivo e onde ainda é seguro.
Os dados dão corpo a essa experiência. Estudos que medem dose de mídia mostram que, quanto mais horas diárias de cobertura — sobretudo quando há conteúdo gráfico —, maior o estresse agudo e pior o sono. Em alguns eventos, essa carga chegou a ultrapassar a de pessoas com contato direto menos intenso. Há também um circuito que se retroalimenta: quem sofre mais tende a ver mais, e ver mais volta a inflar o sofrimento.
Sob esse regime, o tempo muda de forma. Em vez de dias e semanas, o relógio interno passa a marcar o ritmo das breaking news. Uma vibração no bolso pode soar como uma sirene: antes do pensamento, o corpo reage.
Quando a guerra é o bairro (civis no local do conflito):
Quando a guerra é o bairro, a ameaça deixa de ser hipótese: ela volta todos os dias. O mapa mental dos civis passa a ter zonas marcadas — virar à direita é mais seguro, atravessar a praça, não. Cada gesto comum vira cálculo: comprar pão, buscar água, levar as crianças à escola, escolher a rota de trabalho. A vigilância é prática, quase automática.
As lembranças que irrompem não ficam só na imagem. Voltam com som, cheiro e sensação: o estrondo que vibra no peito, a fumaça que arde, a luz que pisca antes do impacto. O corpo reage antes do pensamento. Entre o medo cotidiano (“como chego em casa hoje?”) e o luto pela vida de antes, o futuro encolhe; planeja-se em blocos curtos, de oportunidade em oportunidade.
Os dados reforçam esse retrato: onde há explosões e violência repetida — sobretudo entre deslocados internos — crescem flashbacks e pesadelos, ansiedade e queixas neurocognitivas. A probabilidade de cronicidade aumenta quando se somam perdas múltiplas, deslocamento e barreiras de acesso a segurança e serviços básicos.
Quando a guerra é o trabalho civil (zona quente)
Quando a guerra é o trabalho do civil — repórter, socorrista, voluntário — a ameaça é imediata e tem manual próprio. A mente passa a operar em modo tático: onde está a cobertura? (cobertura = proteção física real contra tiros e estilhaços: parede, mureta, quina de prédio, motor do carro). Qual é o próximo movimento? Esse raciocínio dá sensação de agência, mas cobra seu preço: decisões sob pressão deixam marcas.
A vigilância vira um giro constante de 360 graus, treinada para captar micro-sinais — um reflexo no vidro, um ruído fora do lugar, um movimento no canto do olho. As memórias voltam com nitidez sensorial: cheiros, vibrações, a cor do céu naquele momento. E com elas aparece um peso específico, a culpa moral pelas escolhas feitas (ou não feitas) para salvar alguém, registrar uma cena, atravessar uma rua. Não é a culpa de “não fazer nada”; é a culpa de ter feito — e precisar conviver com isso.
O que as duas vivências têm em comum
Em todos os cenários, a mesma engrenagem aparece. Intrusões, evitação e hiperalerta formam a tríade que dá o tom do dia. O sono costuma ser o primeiro a ceder: adormece-se tarde, acorda-se cedo, desperta-se no susto. Qualquer som — a notificação do celular, o ronco de um motor, o helicóptero passando — vira atalho da memória, e em segundos o corpo já “voltou” ao lugar do medo. Datas e imagens funcionam como fósforos: um lampejo e tudo reacende.
Onde as diferenças ficam mais claras (cruzando os dados)
◼Qualidade da ameaça
· Mídia: perigo sem rosto, mediado por tela, intermitente e onipresente.
· Direta (no local): o ambiente é o perigo — ruas, horários, sons; exposição física a explosões/ataques.
◼Foco da vigilância
· Mídia: aberto, sempre em busca da próxima atualização.
· Direta: focado e prático — sons, trajetos, paredes; em zona quente, tático (cobertura, linha de tiro, disciplina de movimentos).
◼Tipo de culpa
· Mídia: culpa do espectador (“eu só assisto”).
· Direta: culpa do sobrevivente (“por que eu fiquei?”); em zona quente, culpa moral (por decisões sob pressão).
◼Memória intrusiva
· Mídia: replays visuais — quadros curtos que voltam sozinhos.
· Direta: memórias com som, cheiro e vibração; em zona quente, componente cinestésico (posição do corpo, gesto).
◼Ritmo do tempo
· Mídia: o dia pulsa em alertas.
· Direta: o cotidiano é redesenhado por riscos; em zona quente, o tempo estica na ação e encolhe na espera.
◼Gradiente observado
· Curto prazo: doses altas de cobertura midiática, sobretudo gráfica, podem gerar estresse agudo comparável — às vezes superior — ao de contatos diretos menos intensos.
· Médio/Longo prazo: a exposição direta repetida (explosões, perdas, deslocamento) tende a fixar sintomas e ampliar déficits funcionais.
Zonas de sobreposição
Há pontes óbvias entre essas experiências. Jornalistas e socorristas civis lidam com a exposição direta — o corpo no lugar do risco — e, depois, revisitam as imagens que registraram. É uma dupla codificação da memória: primeiro no impacto, depois no replay da tela. Nas diásporas, o telefone vira linha vital; cada chamada confirma quem está vivo e onde ainda é possível circular. A percepção de perigo se aproxima da de quem permanece no território, e a ansiedade ganha lastro afetivo. Mesmo longe de frentes de batalha, grandes cidades produzem um eco desse estado: moradores traçam mapas informais de risco, escolhem horários “seguros”, sobressaltam-se com barulhos — um regime de vigilância que lembra a vida sob conflito, ainda que sem guerra declarada.
A evidência acumulada sugere um ponto central: a guerra não precisa estar na sua rua para reprogramar o que o cérebro entende por ameaça. O modo de exposição — pela mídia ou diretamente — molda a forma e a duração do sofrimento, mas certos mecanismos se repetem. Três “dials” parecem regular a intensidade da resposta: o tempo de tela, o grau de grafismo das imagens e a proximidade do risco físico. Girados para cima, eles aumentam ansiedade, intrusões e fragmentação do sono; ajustados para baixo, permitem algum respiro.
Quando cruzamos estudos de quem acompanha de longe com estudos de quem vive o conflito no cotidiano, emergem duas verdades simples. A primeira: quantidade e qualidade de exposição importam — horas diárias e conteúdo gráfico elevam o estresse agudo e pioram o sono, e há um circuito de retroalimentação em que sofrer leva a ver mais, e ver mais amplia o sofrimento. A segunda: a exposição direta tem maior propensão a durar — explosões, perdas e deslocamento empurram sintomas (flashbacks, pesadelos, ansiedade) para trajetórias mais persistentes, sobretudo entre deslocados internos.
Apesar desses gradientes, a assinatura do trauma se mantém reconhecível nos três cenários. Intrusões, evitação e hiperalerta compõem a tríade que desorganiza o dia, e o sono costuma ser o primeiro termômetro a subir. As “cores” mudam conforme o contexto: na exposição mediada por tela, predominam replays visuais e um tempo subjetivo guiado por breaking news; na exposição direta, as memórias voltam com som, cheiro e vibração, e a vigilância é prática, voltada a rotas e paredes; nas zonas quentes de trabalho civil, a vigilância é tática, com componente cinestésico nas lembranças e um peso de culpa moral pelas decisões tomadas sob pressão.
Alguns grupos aparecem mais vulneráveis. Diásporas com laços afetivos fortes com as áreas de conflito tendem a experimentar o feed como linha de vida, com maior oscilação emocional a cada notícia. Jovens, pelo padrão de uso intenso de redes, ficam mais expostos a ciclos de comparação e a conteúdos gráficos. E civis deslocados internos, submetidos a ataques recorrentes e barreiras de acesso a serviços, acumulam fatores que favorecem a cronicidade.
No plano clínico, o sono surge como uma via de impacto e um marcador precoce: piora da qualidade, latência alongada, despertares e pesadelos mediam a relação entre exposição e sofrimento. É um alvo objetivo, fácil de monitorar e que antecipa piora funcional. No plano conceitual, a própria moldura diagnóstica está em revisão: a regra do DSM-5 que exclui a exposição por mídia (quando não laboral) como evento traumático vem sendo questionada diante do volume e do realismo das imagens atuais.
Em resumo, a linha que separa o que se vive na rua do que se vê na tela é menos um muro e mais um continuum. Saber onde cada civil está nesse espectro — quanto vê, o que vê e quão perto do risco físico se encontra — ajuda a dimensionar o cuidado e a calibrar a comunicação, com a sobriedade que o assunto exige.
Resumo das percepções em três frases
Em três frases, dá para enxergar o mapa inteiro. Para quem acompanha pela mídia, é a sensação paralisante: “Eu vejo tudo, sinto muito, e não posso fazer nada.” Para civis no local, a rotina se rearranja em torno do perigo: “Eu organizo a vida pelo risco.” E, nas zonas quentes de trabalho civil, onde cada decisão tem peso, fica a marca que não se solta: “Eu decido sob fogo — e levo essas decisões comigo.”
REFERÊNCIAS:
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O TOD é um transtorno externalizante persistente e frequentemente comórbido com TDAH, gerando prejuízos acadêmicos, familiares e sociais. As estratégias com maior evidência estão ancoradas em intervenções comportamentais centradas nos cuidadores e no contexto escolar; formatos digitais e híbridos ampliam o acesso e mostram resultados promissores. Em quadros com TOD+TDAH, alvos adicionais incluem funções executivas, irritabilidade e práticas parentais (Kaur et al., 2022; Riise et al., 2021; Murrihy et al., 2023; Groenman et al., 2021).
Pilares da neurorreabilitação
1) Treinamento de pais (TP) como eixo central
Programas baseados em manejo parental (p. ex., PMT, PCIT, CPS) reduzem sintomas de TOD e problemas disruptivos, com manutenção em seguimento; CPS mostrou eficácia equivalente ao PMT em serviços comunitários, permitindo escolher segundo preferências e ajuste familiar (Kaur et al., 2022; Murrihy et al., 2023; Booker et al., 2020).
· Componentes-chave eficazes: Técnicas antecedentes (estrutura, sinais, rotina) e consequentes (reforço diferencial, economia de fichas) têm suporte de microensaios e reduzem rapidamente comportamentos-alvo e sintomas de TDAH; sintomas de TOD podem demandar maior dose/duração (Hornstra et al., 2021; Staff et al., 2022). Em versões não diretivas, aliança terapêutica e foco emocional também mediam ganhos por meio de estratégias do terapeuta e da adesão dos pais (Treier et al., 2024).
· Personalização: O Personalized Advantage Index aponta moderadores práticos, como monoparentalidade e severidade basal de TOD, para decidir entre abordagem comportamental e não diretiva (Hautmann et al., 2023). Atribuições maternas que culpabilizam a criança predizem piores desfechos no PMT; nessas famílias, CPS tende a ser mais benéfico no seguimento (Dedousis-Wallace et al., 2025). A relação pai–filho também modera ganhos: calor e monitoramento associam-se a melhores resultados com PMT, e o CPS pode amortecer o impacto da hostilidade familiar nas habilidades adaptativas (Booker et al., 2020).
2) Módulos focados em irritabilidade e regulação emocional
Módulos breves focados em irritabilidade, como I-SNAP, e ensaios comparando PMT a Resistência Não Violenta (NVR) apoiam intervenções parentais — inclusive on-line — para reduzir irritabilidade, um núcleo do TOD/DMDD (Derella et al., 2020; Fongaro et al., 2022). O PCIT-ED reduziu TOD e traços insensíveis–não emocionais (CU) em pré-escolares, com manutenção, indicador relevante para perfis mais severos (Donohue et al., 2021; Neuman & Bagner, 2021).
3) Treino de funções executivas e atividade física
Em TDAH (com subescala de ODD no SNAP-IV), uma intervenção cognitivo-física gamificada de 4 semanas (BrainFit) reduziu sintomas totais (incluindo ODD) e melhorou índices de metacognição (BRIEF), sem EA graves — útil como adjunto em TOD+TDAH (Zhao et al., 2024). Mindfulness mostrou efeitos parciais (atenção sustentada; menor hiperatividade escolar) em TDAH+TOD, sem mudança em agressividade — bom como componente, não substituto (Muratori et al., 2020). Neurofeedback TBR apresentou benefícios tardios mais claros em TDAH com ODD isolado (13 meses), mas não é indicado quando há ansiedade comórbida (Roley-Roberts et al., 2023). Há evidência de déficits executivos “quentes” e “frios” no TDAH independentemente da comorbidade com TOD, apoiando reabilitação cognitiva ampla (Kamalahmadi et al., 2024).
4) Intervenções escolares e treinamento de professores
Treinamento comportamental de professores com técnicas antecedente/consequente melhora sintomas de TDAH e impairment; os efeitos sobre ODD são menos robustos, mas o manejo ambiental escolar compõe o pacote de cuidado (Staff et al., 2022). Modelos escolares integrados (clínicas no campus, equipe multiprofissional) têm alta adesão e redução de dificuldades segundo professores (Rungan et al., 2023). Programas colaborativos escola–família, como o CLS-FUERTE em formato remoto, mostraram viabilidade e ganhos comparáveis ao presencial (Haack et al., 2025).
5) Formatos digitais, teleatendimento e engajamento
Autoajuda web para pais (WASH) é eficaz para externalização quando com suporte telefônico adicional — combinação superior a cuidado habitual e a autoajuda sem suporte (Döpfner et al., 2025). Famílias de crianças com TEA e comportamento disruptivo relatam alto interesse em TP (especialmente PCIT) e em tele/grupos, mas as referências continuam aquém da necessidade (Ros-DeMarize et al., 2023). Na adolescência, ODD com TDAH e parentalidade com TDAH elevam barreiras de engajamento; estratégias pró-adesão (psicoeducação motivacional, lembretes estruturados, metas curtas, coaching) são recomendadas (Johansson et al., 2023). Em LMICs, a farmacoterapia é mais disponível que intervenções psicológicas; a comorbidade com ODD prediz piores desfechos, reforçando a necessidade de programas parentais escaláveis (apps, tele) e soluções digitais enquanto famílias aguardam atendimento (Pipe et al., 2022; Kostyrka-Allchorne et al., 2022).
6) Adolescência e implementação comunitária
Em serviços comunitários, terapia comportamental para adolescentes com TDAH superou o cuidado usual em problemas de conduta quando entregue por profissionais licenciados — ressaltando a importância de fidelidade e qualificação (Sibley et al., 2023).
7) Perspectiva de longo prazo e alternativas
No seguimento de 12 anos de um estudo não randomizado e com N pequeno, psicanálise sem medicação não foi inferior à combinação terapia comportamental + medicação para TDAH/TOD — dado exploratório que reforça monitoramento longitudinal e alinhamento a preferências familiares (Laezer et al., 2025). Em custo-efetividade, “empilhar” PMT + Coping Power agrega ganho clínico a custo moderado; a decisão deve considerar prioridades e recursos (Nystrand et al., 2020; Helander et al., 2023).
Protocolo clínico integrado (10 passos)
Avaliação base: História do desenvolvimento; entrevistas com pais e escola; escalas (SNAP-IV, BRIEF/impairment, SDQ/CBCL, ARI para irritabilidade; CGI). Rastreie comorbidades (TDAH, ansiedade/depressão, TEA, traços CU) (Cuffe et al., 2020; Zhao et al., 2024; Fongaro et al., 2022; Donohue et al., 2021).
Psicoeducação: Apresente o TOD como dificuldade em flexibilidade e tolerância à frustração; construa mapa funcional ABC com a família (Kaur et al., 2022; Murrihy et al., 2023).
Treinamento de Pais (1ª linha): PMT ou CPS, escolhido conforme hostilidade familiar, atribuições parentais e estrutura familiar; sessões semanais (10–16) com prática domiciliar (Murrihy et al., 2023; Dedousis-Wallace et al., 2025; Booker et al., 2020).
Módulo de irritabilidade: I-SNAP (6 semanas) ou NVR/PMT on-line com metas de tolerância à frustração e solução colaborativa (Derella et al., 2020; Fongaro et al., 2022).
Escola. Plano comportamental com técnicas ABC, reforço diário e comunicação escola–família; treinamento breve de professores (Staff et al., 2022; Rungan et al., 2023).
Funções executivas/atividade física: Bloco de 4–8 semanas com jogos cognitivos + exercício (modelo BrainFit), higiene do sono e organização (Zhao et al., 2024).
Componentes opcionais: Mindfulness para atenção/controle inibitório; neurofeedback TBR apenas quando sem ansiedade e com ODD presente, visando metas de longo prazo (Muratori et al., 2020; Roley-Roberts et al., 2023).
Suporte digital: Autoajuda guiada + contatos breves (telefone/mensagens) para adesão e resolução de barreiras (Döpfner et al., 2025; Johansson et al., 2023).
Seguimento e intensificação: Reavalie a cada 6–8 semanas; se persistirem prejuízos, considerar PMT + Coping Power e/ou ampliar suporte escolar (Helander et al., 2023; Nystrand et al., 2020).
Métricas de desfecho: Redução ≥30–50% em ODD/TDAH no SNAP-IV; melhora em impairment e BRIEF; CGI-I “muito melhorado”; convergência de relatórios de pais e escola (Zhao et al., 2024; Murrihy et al., 2023; Döpfner et al., 2025; Johnson et al., 2023).
Considerações de implementação
Fidelidade importa: Capacitação e supervisão aumentam o impacto (especialmente com adolescentes) (Sibley et al., 2023).
Acesso e equidade: Teleformatos e autoajuda guiada reduzem barreiras, inclusive em LMICs; priorize famílias com monoparentalidade, alta severidade e comorbidades (Pipe et al., 2022; Groenman et al., 2021; Engelbrektsson et al., 2023; Döpfner et al., 2025).
Contexto escolar: Parcerias com escolas e clínicas no campus aumentam adesão inicial e detectam necessidades médicas/sociais não percebidas (Rungan et al., 2023).
Preferências familiares: Escolha entre PMT/CPS, presencial/tele, e adicione módulos (mindfulness, treino cognitivo) combinando evidência e valores (Murrihy et al., 2023; Dedousis-Wallace et al., 2025; Muratori et al., 2020; Zhao et al., 2024).
Logo, a neurorreabilitação do TOD deve ser multimodal, centrada na família e na escola, personalizada por moderadores clínicos e potencializada por formatos digitais com suporte leve. O eixo é o treinamento de pais, complementado por manejo escolar, regulação emocional/irritabilidade e treino executivo/atividade física — uma arquitetura que maximiza generalização, adesão e sustentabilidade dos ganhos funcionais (Kaur et al., 2022; Murrihy et al., 2023; Fongaro et al., 2022; Helander et al., 2023; Staff et al., 2022; Döpfner et al., 2025).
Referências
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Por que alguns pacientes melhoram com estimulação magnética transcraniana (TMS) e outros não? A resposta curta: porque depressão não é uma doença única — é um conjunto de circuitos do cérebro que podem estar desregulados de formas diferentes em cada pessoa. Nos últimos meses de 2025, estudos de neuroimagem, EEG e aprendizado de máquina trouxeram pistas mais claras sobre preditores de resposta e sobre como personalizar o tratamento, sem perder de vista o que funciona no mundo real.
O circuito que volta sempre: DLPFC, redes frontoparietais e o “nó” subgenual
Um grande meta-estudo de neuroimagem apontou convergência em nível de rede, destacando o papel da rede frontoparietal e, dentro dela, do córtex pré-frontal dorsolateral esquerdo (DLPFC) — o alvo clássico da TMS para depressão (1). Essa rede se comunica com a córtex cingulado subgenual (sgACC), um “nó” frequentemente hiperativo na depressão. Trabalhos recentes mostram que escolher alvos com forte conectividade funcional de repouso (rsFC) com a sgACC muda de forma mensurável as respostas evocadas nesse mesmo nó, inclusive em pacientes deprimidos (3), e que mapas de conectividade sgACC-DLPFC baseados em big data podem refinar o ponto de estimulação em cada indivíduo (11, 37). Em resumo: não é apenas onde está a bobina, mas que circuito ela alcança (1, 3, 11, 37).
Personalizar ajuda? Sim… mas nem sempre adiciona benefício além do “fixo”
“Personalizar” parece intuitivamente melhor — usar MRI/EEG para guiar o alvo ou o timing. Mas uma meta-análise de ensaios com comparação ativa não encontrou vantagem clara de protocolos personalizados versus protocolos fixos (como Beam F3) em eficácia antidepressiva média (2). E, do outro lado, um estudo de vida real sugeriu que aperfeiçoar heurísticas de alvo no couro cabeludo (6 cm vs. F3 vs. F3 ajustado) não alterou desfechos clínicos (42). A mensagem prática: personalização pode ser útil, mas não substitui a execução consistente de protocolos validados e o acompanhamento clínico cuidadoso (2, 42).
EEG: do “alfa” ao microstate — sinais que começam a ganhar tração
No EEG basal, dois marcadores se destacaram:
Assimetria alfa frontal (FAA): menor FAA (com predominância alfa à esquerda) previu melhor resposta à TBS-rTMS em transtorno depressivo resistente (16).
Picos de microstates: em pacientes com anedonia, mudanças específicas (p.ex., aumento da ocorrência do microstate C) andaram junto com melhora clínica após rTMS direcionado por circuito DLPFC-núcleo accumbens (10).
Há mais: potenciais evocados por TMS (TEPs) se relacionaram a domínios cognitivos em MDD (por exemplo, N100 e P30 com atenção/linguagem), reforçando a ideia de que marcadores neurofisiológicos podem indexar sintomas-alvo e orientar ajustes finos (17). E em protocolos de iTBS, um estudo com fNIRS sugeriu que idade, sexo e traços afetivos modulam a resposta hemodinâmica imediata no DLPFC — pistas para calibrar intensidade e dosagem (13). Já a excitabilidade motora como preditor clínico direto mostrou resultados mais discretos em populações psiquiátricas (8).
fMRI: o que o padrão de repouso prevê
Uma meta-análise de conectividade funcional pré-tratamento (fMRI) indica que conexões no Default Mode Network (DMN) e na Frontoparietal Network (FPN) antecipam quem responde tanto a neuromodulação quanto a psicoterapia — e que restaurar a DMN é um denominador comum dos tratamentos eficazes (32). Ensaios translacionais reforçam que alvos conectados (ou anticorrelacionados) à sgACC são particularmente promissores (1, 3, 11, 39).
Algoritmos clínicos: dados do prontuário e perfis metabólicos contam
Modelos de machine learning alimentados por prontuários (EMR) alcançaram AUCs ~0,69–0,75 para prever resposta/remissão, com ansiedade comórbida, obesidade, benzodiazepínicos/antipsicóticos em uso e cronicidade reduzindo a chance de resposta; TBS e maior número de sessões associaram-se a melhores desfechos (9). Em outros coortes, marcadores metabólicos (IMC, LDL/HDL, HOMA-IR, BDNF, hsCRP) melhoraram a predição em semanas 4–12 (34). Estudos multicêntricos apontam ainda fatores psicossociais simples — estar empregado e casado — como ligados a melhores taxas de resposta/remissão; uso atual de álcool e maior duração do episódio jogam contra (33, 35).
Parênteses importantes: idosos, adolescentes e protocolos acelerados
Idosos respondem tão bem quanto adultos mais jovens em cenários clínicos naturais, inclusive em remissão precoce; não há motivo para subtratar pela idade (19, 24).
Em adolescentes, queda precoce da irritabilidade ao longo do curso de TMS se associou a melhor desfecho global — um alvo de acompanhamento útil (21).
Protocolos acelerados/TBS ganham espaço; embora a duração da remissão varie, há subgrupos sustentados e tempo-eficiência que interessa ao paciente (35).
E a intensidade/“dose” do iTBS?
No nível mecanístico, iTBS pode modular a “entropia” cerebral (BEN) de modo dependente da intensidade — sub-limiar (90% rMT) versus supra-limiar (120% rMT) tiveram efeitos opostos, com sinais de maior efetividade para sub-limiar em marcadores exploratórios (5). Isso conversa com achados hemodinâmicos e EEG, sugerindo que dosagem ótima pode não ser simplesmente “mais forte é melhor” (5, 13, 16).
O que isso significa para você (ou para o seu serviço)
Faça o básico muito bem. Protocolos validados (p.ex., 10 Hz DLPFC esquerdo; iTBS) aplicados com boa aderência e número suficiente de sessões seguem como padrão de ouro (2, 42).
Escolha de alvo com base em circuito, quando disponível, provavelmente ajuda — especialmente se você já tem fMRI de repouso; mirar regiões anti-correlacionadas/fortemente conectadas à sgACC é uma estratégia coerente com as evidências (1, 3, 11, 37, 39).
Use marcadores simples para estratificar risco/expectativa: ansiedade comórbida, obesidade, uso de benzodiazepínicos/antipsicóticos, álcool atual e longa cronicidade reduzem a probabilidade de resposta; emprego/apoio social ajudam (9, 33, 34, 35).
Considere EEG quando possível. FAA basal e microstates podem orientar ajustes ou monitoramento em casos de anedonia e TBS (10, 16).
Em idosos e adolescentes, TMS é opção eficaz e segura; acompanhe irritabilidade como sinal de trajetória em jovens (19, 21, 24).
Se personalizar, personalize de verdade: se puder usar fMRI/rsFC para alvos de rede, faz mais sentido do que apenas trocar de heurística no couro cabeludo (11, 37, 42).
Logo, o conjunto de estudos publicados em 2025 sobre a TMS e depressão aponta que o melhor “previsor” de resposta à TMS é o quão bem o alvo estimulado se insere (funcionalmente) no circuito DLPFC–sgACC dentro de redes frontoparietais/DMN, e que personalização só agrega quando é de fato guiada por conectividade de rede—não apenas por heurísticas de couro cabeludo—enquanto marcadores simples de EEG e fatores clínico-metabólicos ajudam a estratificar a probabilidade de resposta.
Em 5 pontos rápidos sobre os estudos:
Circuito manda mais que coordenada: evidência convergente coloca DLPFC esquerdo, rede frontoparietal e o “nó” subgenual (sgACC) no centro dos efeitos terapêuticos; alvos com rsFC adequada ao sgACC modulam melhor esse nó e tendem a responder melhor (1, 3, 11, 32, 37, 39).
Personalização: com parcimônia: meta-análise não achou superioridade média de protocolos “personalizados” versus fixos; refinar heurísticas (6 cm, F3, F3 ajustado) não mudou desfechos. Personalizar vale quando usa conectividade/circuito, não só “mudar o ponto” (2, 42, 11, 37).
EEG/fisiologia têm sinal útil: FAA basal, microstates (especialmente em anedonia) e TEPs se associam a resposta ou domínios cognitivos, e medidas hemodinâmicas durante iTBS mostram moduladores individuais (idade, sexo, afeto), sugerindo calibração de dose (10, 13, 16, 17).
Clínica pesa (e é mensurável): modelos com dados de prontuário e perfil metabólico/inflamatório predizem moderadamente resposta/remissão; ansiedade comórbida, obesidade, benzos/antipsicóticos, cronicidade jogam contra; mais sessões e TBS ajudam (9, 34). Fatores psicossociais simples (emprego, casamento) também contam, enquanto álcool atual e episódio prolongado reduzem chance de remissão (33, 35).
Populações especiais: idosos respondem tão bem quanto mais jovens; em adolescentes, queda precoce da irritabilidade sinaliza bom desfecho (19, 24, 21).
Resumo prático: priorize execução consistente (dose/número de sessões) e, quando possível, alvo guiado por conectividade com a sgACC/FPN; use EEG simples e dados clínico-metabólicos para ajustar expectativas e personalizar sem complexidade excessiva. Replicações multicêntricas ainda são necessárias para padronizar esses preditores na rotina.
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Nas salas de fisioterapia e nos consultórios de fono e neuropsicologia, uma mesma cena se repete: quando colocamos o corpo para agir — caminhar com ritmo, alcançar, falar acompanhando gestos — a cognição acorda. Isso não é coincidência. Uma síntese abrangente publicada em Frontiers in Public Health argumenta que funções motoras e cognitivas são duas faces da mesma rede — nasceram juntas na nossa evolução bípede, compartilham circuitos e podem ser treinadas em sincronia (Leisman, Moustafa & Shafir, 2016).
A boa notícia para saúde e educação: se são redes que se conversam, reabilitar uma ajuda a reabilitar a outra. Em outras palavras, programas que integram movimento e tarefas cognitivas tendem a produzir ganhos mais amplos do que intervenções “em silos”.
⛹️♂️O que a ciência diz
1) Motores e cognição dividem infraestrutura.
Áreas como córtex pré-motor, SMA, gânglios da base, cerebelo e lobos frontais coordenam tanto sequências de movimentos quanto planejamento, atenção e tomada de decisão. Em tarefas guiadas por pistas internas (planejar) e externas (responder), esses centros se coativam e trocam informação — não é linha de montagem, é rede.
2) Imaginar movimento já é treino.
Imagens motoras e observação de ações ativam partes das mesmas redes que a execução real. Em pacientes com restrições, treinar a “imágetica do movimento” (imaginar, observar, ensaiar mentalmente) prepara o cérebro para executar depois e acelera a recuperação.
3) Ritmo e marcha organizam o cérebro.
A marcha humana é um “software” rítmico sofisticado. Treinos que usam ritmo, cadência e sincronização (metrônomo, música, passos marcados) estabilizam atenção, previsão e controle inibitório — pilares do funcionamento executivo.
4) Eficiência é o objetivo, não esforço bruto.
Com prática, o cérebro usa menos áreas para a mesma tarefa — fica mais eficiente. É isso que vemos quando uma habilidade automatiza (descer escadas sem pensar no próximo degrau) e quando a reabilitação dá certo: menos gasto, mais desempenho.
5) Exercício muda o cérebro.
Sessões únicas e curtas de atividade aeróbica já elevam marcadores de atenção, memória e plasticidade; programas regulares espessam tratos de substância branca, preservam volume de substância cinzenta e aumentam conectividade funcional. Movimento não apenas “acompanha” a cognição: ele a potencia e faz parte dela.
⛹️♂️Princípios basais para orientar a neurorreabilitação sem protocolo passo a passo, mas com bússola científica:
· Integração antes de isolamento.
Combine metas motoras e cognitivas na mesma tarefa (andar + contagem alternada; alcance + decisão rápida; fala + gesto). O que integra reforça redes distribuídas.
· Do implícito ao explícito.
Comece com acoplamento sensório-motor (ritmo, pistas visuais, gestos), depois retire pistas gradualmente para promover autonomia e eficiência.
· Modulação mental conta.
Inclua imagética motora e observação de ação quando a execução está limitada ou entre blocos físicos; elas pré-ativam os mesmos circuitos e encurtam o caminho da aprendizagem.
· Ritmo é ferramenta terapêutica.
Use marcadores temporais (música, metrônomo, sílabas ritmadas) para estabilizar timing, atenção sustentada e antecipação — especialmente em tarefas de marcha, fala e coordenação fina.
· Variabilidade com propósito.
Repita para consolidar, varie para generalizar (contextos, velocidades, superfícies, estímulos). A rede aprende padrões e flexibilidade.
· Feedback que guia, não que prende.
Forneça pistas claras (auditivas, visuais, táteis) e retire-as aos poucos. O objetivo é transferir o controle para o sistema do paciente.
· Dose e janela.
Sessões curtas e frequentes, com pausas suficientes para consolidação (sono importa), tendem a render mais do que maratonas esporádicas.
· Medição funcional.
Avalie desempenho real (andar enquanto fala, lembrar enquanto manipula, responder enquanto se desloca). Se a eficiência aumenta (menos custo, mais acerto), a rede está se reorganizando.
⛹️♂️Por que isso conversa com escola e clínica
Em crianças, marcos motores mais precoces predizem melhor desempenho executivo e acadêmico anos depois — um lembrete de que recreio ativo, aulas com movimento e educação física de qualidade são políticas cognitivas.
Em idosos e em condições neurológicas, circuitos motores podem “puxar” a cognição: caminhar com cadência, exercícios coordenativos e atividades de dupla tarefa protegem atenção e fluência, e podem atrasar declínios funcionais.
⛹️♂️O fio condutor: neuroplasticidade comportamental
Aprender — na reabilitação, na escola, na vida adulta — é neuroplasticidade expressa em comportamento. Quando um paciente sincroniza o passo a um compasso e acerta mais itens de memória logo depois, estamos vendo a rede reorganizar caminhos. Quando uma criança lê melhor após uma sequência de jogos motores rítmicos, o cérebro integrou percepção, sincronia temporal e linguagem.
O recado central do corpo da evidência é simples e fundamental: mexa para pensar melhor; pense para mexer melhor.
Projetos clínicos e educacionais que tratam movimento como parceiro da cognição colhem ganhos duplos — e mais duradouros.
⛹️♂️Referência-âncora
Leisman G., Moustafa A.A., Shafir T. (2016). Thinking, Walking, Talking: The Integrative Motor and Cognitive Brain Function. Frontiers in Public Health, 4:94. doi:10.3389/fpubh.2016.00094.
O sol de Almería cozinha tudo: rochas, peles, ressentimentos. Em Hot Milk, Sofia empurra a cadeira de rodas da mãe como quem empurra uma hipótese teimosa — e toma notas mentais como a antropóloga que (quase) é. No filme, Rebecca Lenkiewicz injeta, com delicadeza, Margaret Mead no enquadramento: Sofia a lê, a cita, e o próprio filme costura imagens etnográficas (o transe balinês filmado por Mead e Gregory Bateson em 1937) como quem lembra que, às vezes, precisamos observar o ritual de longe para entender a dor de perto.
Não é capricho erudito. Mead vira bússola ética: o olhar de campo, a suspensão do juízo, a pergunta pelo contexto. Na Espanha “primitiva” — adjetivo que o roteiro deixa escapar, irônico — mãe e filha performam papéis antigos sob luz nova: a doente que paralisa e a cuidadora que ferve. O filme estreou em competição na Berlinale em 14 de fevereiro de 2025 e chegou aos cinemas no meio do ano; Lenkiewicz, agora diretora, troca o tratado pela fábula quente da dependência.
Se Sofia lê Mead, também lê, sem saber, Bowlby. No começo, o vínculo parece aquele apego ansioso-ambivalente (resistente): a figura de apego ora acena, ora some; a criança então maximiza sinais — clama, vigia, agarra — e quando a mãe se aproxima, tanto busca quanto resiste ao contato. No experimento da Situação Estranha, esse padrão (o Padrão C de Ainsworth) aparece como uma coreografia de “vem, mas não vem”. Em Almería, essa dança se repete: Sofia cerca a mãe, a protege, e, num mesmo gesto, a culpa.
Bowlby lembraria que um apego seguro nasce quando a figura é acessível e disponível, permitindo à criança internalizar uma base segura da qual parte e para a qual retorna. O cinema nos dá uma versão adulta dessa passagem: conforme Sofia encontra uma linguagem própria — a amante, o mar, o corpo que volta a ser seu —, a “parceria dirigida para a meta” deixa de ser o controle da mãe e vira o controle de si. É discreto, nada edificante, mas há movimento: da simbiose quente para um desapego funcional que, paradoxalmente, permite cuidado melhor.
A dor de Rose deixa de ser mistério clínico para tornar-se sintoma com endereço afetivo: médico, ela própria, a fisioterapeuta e o ex-marido apontam o mesmo mapa — nenhum exame fixa a causa, tudo conduz a uma origem emocional. A literatura clínica conversa com essa cena: ansiedade de apego costuma colar-se à dor persistente, e a catastrofização — esse pensamento que amplia o sofrimento — ajuda a explicar sua intensidade. Não é destino biográfico, é lente de aumento. Em quem vive a relação de apego pela via da prevenção/evitação, a autogestão da dor costuma falhar. O filme não precisa didatismo nem laudos: basta a imagem da perna que emperra quando a história trava — e, no final, o gesto discreto do enredo inclina o sentido para o psicológico.
Também importa o que liga e o que culpa. Em perdas e lutos (inclusive os perinatais), a autoculpa piora o ajuste psicológico, enquanto a conexão social — sensação de pertencimento real — medeia o impacto dos estilos de apego e ajuda a reconfigurar o sofrimento. Hot Milk sussurra isso nas entrelinhas: quando Sofia encontra uma trama de vínculos fora do eixo mãe-filha, a dor reorganiza-se; quando o círculo fecha sobre as duas, a culpa toma o volante.
Há ainda a antropologia no próprio gesto de filmar. Lenkiewicz já comentou o interesse de Sofia por Mead, e como essa referência se infiltra nas escolhas visuais: a etnografia como espelho, o Mediterrâneo como laboratório afetivo, o risco de exótico e a chance de empatia. Críticos notaram a presença de Mead como “atalho” simbólico; a mim parece o contrário: um lembrete de método. Para ver Rose, Sofia precisa primeiro descrição densa de si mesma.
Ao fim, não há milagre médico — há uma redistribuição da atenção. Sofia afrouxa a vigilância, Rose perde um pouco do poder que a dor lhe dava, e o vínculo troca de temperatura. Seguro, aqui, não quer dizer hígido ou harmônico; quer dizer suficientemente confiável para sustentar diferenças. Mead abriria o caderno: “o que mudou?”. Bowlby responderia: “a base”. E o cinema, generoso, deixa que a gente sinta antes de entender.
Se Mead nos ensina a suspender o juízo e observar os rituais do cotidiano — quem cuida, quem é cuidado, quem fala por quem —, Bowlby oferece a gramática invisível desses gestos: base segura, proximidade, separação, reparo. Hot Milk costura as duas coisas. Pelo olhar etnográfico, Sofia passa a tratar a própria vida como campo: descreve, compara, desloca-se — num movimento que a mãe chama, com ironia, de estudante de antropologia “permanente”. E, pela teoria do apego, a relação mãe-filha deixa de ser apenas calor e culpa para virar mapa de segurança: começa ansiosa-resistente, colada e vigilante, e termina com uma distância possível, na qual cada uma pode existir sem que a outra desabe. A dor de Rose — reiterada como emocional pelo médico, pela fisioterapeuta, pelo ex-marido e por ela mesma — em que ela fala sobretudo pelo corpo, não pelas palavras, é menos um enigma fisiológico, e mais relato de vínculo. Quando o laço se reorganiza, o corpo encontra outra linguagem. O filme deixa a porta entreaberta: não entrega cura, oferece possibilidade — um ensaio de base segura em construção.
No último movimento, o filme sugere que curar não é desfazer o apego, mas reconfigurá-lo. Mead dá o método (observar para compreender), Bowlby dá a estrutura (confiar para se separar), e o cinema dá a experiência: o mar, o sol e a cadeira de rodas viram cenário de um pequeno deslocamento sísmico. Ao trocar a vigilância por presença e a fusão por contorno, Sofia deixa de empurrar a mãe como hipótese teimosa e passa a caminhar ao lado dela como quem reaprendeu o caminho de ida e volta — a essência de uma base segura.
Notas de contexto teórico usadas nesta crônica
– Padrões de apego (Ainsworth/Bowlby), com ênfase no Padrão C – ansioso/ambivalente (resistente).
– Base segura e disponibilidade da figura de apego na formação de modelos internos.
– Apego e dor persistente; catastrofização; autogestão em mulheres pós-tratamento oncológico.
– Autoculpa e conexão social como alavancas de ajuste psicológico em perdas.
Por que identificar cedo, ajustar o ambiente e treinar habilidades pode aliviar sintomas e preservar autonomia.
Na sala de estar, Dona Lúcia começa a narrar a presença de “gente” no corredor. Em alguns dias, caminha arrastando os pés; em outros, parece atenta e conversa com todos. O sono é inquieto — à noite, mexe-se como se estivesse “dentro de um sonho”. O clínico chamou isso de “comprometimento cognitivo leve”. Meses depois veio o nome que liga as peças: demência com corpos de Lewy.
A demência com corpos de Lewy é uma doença neurodegenerativa marcada por flutuações de atenção, alucinações visuais bem formadas e sinais motores parecidos com o Parkinson (rigidez, marcha curta), além de grande sensibilidade a antipsicóticos. Quase sempre, há pistas anos antes do esquecimento: distúrbio comportamental do sono REM (a pessoa “atua” os sonhos) e redução do olfato despontam muito tempo antes dos problemas de memória. Em fases iniciais, chamam atenção as oscilações de foco e alerta, episódios de confusão sem causa aparente e alterações da escrita e do andar.
🖍O que o cérebro está dizendo
Por baixo do capô, a doença reorganiza redes que sustentam visão, atenção e movimento. Sistemas que usam acetilcolina — um mensageiro químico essencial para foco e vigilância — ficam especialmente comprometidos. É por isso que a atenção “vai e vem”, e por que estímulos visuais ambíguos podem virar pareidolias (ver rostos ou figuras onde não existem) e alucinações. As conexões entre tronco cerebral, tálamo e áreas occipitais ficam frágeis; outras ligações aumentam como tentativa de compensar. Essa combinação ajuda a explicar por que ajustes ambientais simples reduzem o sofrimento.
🖍Diagnóstico precoce: o valor de rastrear “sinais vermelhos” no comprometimento cognitivo leve
Quando alguém recebe o rótulo de “comprometimento cognitivo leve”, vale procurar ativamente por sinais que apontem para demência com corpos de Lewy:
Sono REM agitado (relatos de chutes, socos, falar dormindo, pular da cama).
Olfato reduzido há anos.
Atenção e clareza mental que flutuam ao longo do dia.
Alucinações visuais vívidas (pessoas, animais) ou ilusões (pareidolias).
Sinais motores discretos: rigidez, passo curto, dificuldade para iniciar ou parar.
Quedas, desmaios e disfunção autonômica (pressão oscilante, constipação).
Esses elementos, em conjunto, mudam a rota do cuidado: ajudam a evitar medicações que pioram (antipsicóticos comuns) e a priorizar reabilitação e suporte ambiental desde cedo.
🖍Neurorreabilitação: quando o ambiente e o treino viram tratamento
Não há cura hoje, e os remédios disponíveis têm limites e riscos. A boa notícia é que intervenções não farmacológicas, iniciadas cedo, podem retardar perdas, diminuir alucinações e reduzir estresse de pacientes e cuidadores. Pense em três pilares.
1) Modulação do ambiente
O objetivo é diminuir ruídos visuais e aumentar a previsibilidade:
Luz e contraste: boa iluminação difusa (evitar sombras fortes e brilho direto); aumentar contraste em degraus e portas; retirar espelhos muito grandes – para evitar virarem gatilho do “sintoma do espelho” (não reconhecer a própria imagem).
Pistas visuais claras: calendários grandes, relógio analógico, placas simples com palavras e ícones; caminhos livres em casa.
Rotina estável: horários consistentes para refeições, banho, sono. Transições suaves evitam desorientação.
Pequenas mudanças assim diminuem alucinações, quedas e confusão — e não exigem tecnologia sofisticada.
2) Treino cognitivo funcional (com metas)
Neurorreabilitação cognitiva, quando traduzida para o cotidiano, funciona melhor:
Atenção e ritmo: tarefas curtas com pausas programadas; uso de música ou contagem para marcar passos e movimentos.
Memória voltada à ação: cadernos de rotina, listas visuais, agendas e alarmes para tarefas-chave (medicação, compromissos).
Linguagem e conversa: apoiar a evocação de palavras com pistas (categoria, primeira sílaba); reduzir ruído de fundo; falar olhando nos olhos, frases curtas.
A ideia não é “fazer teste”, e sim ensinar estratégias compensatórias que mantêm autonomia.
3) Corpo em movimento, com segurança
O padrão motor da doença pede fisioterapia focada em marcha, equilíbrio e início de movimento:
Passos maiores guiados por marcações no chão, pistas auditivas (metrônomo, palmas) e exercícios de mudança de direção.
Prevenção de quedas: ajustar calçados, retirar tapetes, implantar barras de apoio.
Atividade física prazerosa e monitorada (dança, caminhada assistida) para humor e condicionamento.
Mesmo quando a força parece “boa”, a dificuldade é organizar o movimento. Pistas externas ajudam o cérebro a planejar.
🖍Comportamento e emoções: reduzir sofrimento é parte do tratamento
Alucinações e delírios sobrecarregam famílias e são motivo frequente de internação. Antes de pensar em medicamentos, vale:
Investigar gatilhos (iluminação ruim ao entardecer, ambientes lotados, febre, dor, constipação, remédios novos).
Responder ao sentimento, não ao conteúdo: acolher o medo, redirecionar para atividade conhecida, ajustar luz e contexto.
Terapias de apoio: música ao vivo, reminiscência (álbuns, objetos significativos) e atividades estruturadas ao estilo Montessori reduzem apatia, ansiedade e agitação em muitos estudos.
Quando remédios forem necessários, devem ser decisão médica especializada — pessoas com demência com corpos de Lewy podem piorar com antipsicóticos comuns.
🖍Cuidadores também precisam de neurorreabilitação
Cuidar de alguém com alucinações e flutuações é exaustivo. Psicoeducação (o que esperar da doença), treino de manejo e grupos de apoio diminuem o uso de antipsicóticos, melhoram humor e evitam internações desnecessárias. Planejar cedo adaptações da casa, rotinas e rede de suporte reduz custos e sofrimento no médio prazo.
🖍O que observar ao longo do caminho
Sono REM agitado e queda do olfato antecedem em anos — falar disso nas consultas muda desfechos.
Flutuações de atenção não são “manha”: são parte da doença. Organize tarefas nos horários de melhor alerta.
Visão enganosa: sombras, padrões e espelhos podem alimentar ilusões e alucinações — simplifique o campo visual.
Quedas não são detalhe: previna como prioridade desde o início.
Sensibilidade a remédios: sempre informe que há diagnóstico de demência com corpos de Lewy ao procurar atendimento.
🖍O que ainda falta
Precisamos de ensaios melhores que mostrem como as intervenções ambientais e de treino modulam as redes cerebrais afetadas pela doença, e de programas de neurorreabilitação que combinem, na medida certa, atenção, visão e marcha. Enquanto isso, a ação precoce e prática já oferece ganhos mensuráveis: menos alucinações, menos quedas, menos crises — e mais tempo de vida vivida com dignidade.
Mensagem final: na demência com corpos de Lewy, reabilitar é redesenhar o dia a dia. Luz certa, pista clara, passo guiado e conversa simples não curam — mas mudam a experiência de adoecer. Para muitas famílias, essa diferença é tudo.
Marina tinha 34 anos quando recebeu o diagnóstico que costurou décadas de cansaço social, “máscaras” cuidadosamente treinadas e crises silenciosas depois de reuniões. Na primeira semana, sentiu paz. Na segunda, veio a frase que ela ouviria mais de uma vez: “mas você não parece autista.” A paz virou interrogação: “Será que estou exagerando? Sou ‘autista o suficiente’?”
Esse vaivém tem nome: muitas mulheres autistas descrevem um sentimento de impostora após o diagnóstico — como se não “merecessem” pertencer à comunidade porque não se encaixam no estereótipo (masculinizado) de autismo que ainda domina o imaginário popular.
🔴O que a ciência aponta
Quando uma mulher recebe, já adulta, o diagnóstico de autismo, o primeiro impacto costuma ser duplo. De um lado, alívio: há finalmente uma explicação coerente para anos de fadiga social, hipersensibilidades e esforço para “dar conta”. De outro, um eco desconfortável que vem de fora e de dentro: “Mas você não parece autista.” É nesse atrito que muitas relatam sentir-se uma impostora — como se não fossem “autistas o bastante”. O termo é forte, mas aparece repetidas vezes nos relatos analisados por pesquisadores.
🔴O que os relatos mostram
Um estudo qualitativo com mulheres que relatam sobre o próprio processo de identificação descreve um padrão claro: o diagnóstico traz senso de pertencimento, porém esbarra em estereótipos do que “ser autista” supostamente é — quase sempre uma imagem masculina e infantilizada. Para se encaixar nas expectativas sociais, muitas contam que passam anos praticando camuflagem: observam, copiam, ensaiam respostas, forçam contato visual, sorriem quando não querem, abafam sobrecargas sensoriais. Esse desempenho contínuo cobra caro em exaustão e, quando o entorno dúvida do diagnóstico, corrói a legitimidade que elas acabaram de conquistar.
Pesquisadores descrevem essa sequência como um encadeamento que se retroalimenta:
estereótipos → camuflagem → descrédito externo → dúvida interna.
A cada volta, pioram o bem-estar e a saúde mental.
🔴Por que acontece mais com elas
Há um pano de fundo estrutural. Observações em escolas mostraram que meninas autistas tendem a permanecer perto dos pares e a circular entre atividades, aparentando engajamento. O comportamento “social o suficiente” máscara dificuldades e reduz a chance de que alguém identifique necessidades reais — algo menos frequente entre meninos, que costumam chamar mais atenção para sinais considerados “típicos”. O resultado é reconhecimento tardio e, depois, descrédito quando o diagnóstico finalmente chega: “se ninguém percebeu antes, será que é real?”.
Relatos de mulheres diagnosticadas na meia-idade indicam décadas de camuflagem, tentativas de “explicar” traços dispersos (ansiedade, fadiga, aversões sensoriais) e um grande alívio ao nomear a experiência. Esse alívio, porém, se fragiliza sempre que profissionais, familiares ou colegas recorrem ao clichê do “não parece”.
🔴O que a pesquisa mediu
Além dos relatos, há dados mostrando que instrumentos de triagem que levam em conta traços comuns nas mulheres — como padrões de camuflagem e sensibilidades específicas — identificam melhor o autismo nelas do que questionários tradicionais. Em amostras clínicas, modelos que somam perguntas sobre camuflagem, perfis sensoriais e estilo de processamento mostram maior acerto do que abordagens que ignoram essas dimensões. Em linguagem simples: quando a avaliação olha para o que costuma ser invisível nas mulheres, menos gente fica de fora.
🔴O que isso significa — para elas e para nós clínicos
A “síndrome da impostora” descrita por mulheres autistas não é vaidade nem “drama”. É um produto social previsível quando o diagnóstico colide com estereótipos e quando a vida inteira foi vivida em modo de performance. Tratar essa experiência como legítima — e como parte do quadro pós-diagnóstico — ajuda a reduzir culpa e a reorganizar expectativas.
Para o público em geral, a lição é direta: autismo não tem uma cara só. Ele pode conviver com boas notas, vida profissional ativa, maternidade, humor afiado e habilidade para “passar” despercebida — às custas de muito esforço. Dizer “você não parece” não é elogio; é negar uma realidade que a pessoa passou anos tentando entender.
Para quem pesquisa, ensina ou atende, a mensagem é igualmente simples: ouvir, nomear e considerar a camuflagem melhora a compreensão do caso. Quando o instrumento e o olhar clínico incluem aquilo que as mulheres relatam, o ciclo descrédito–impostora perde força.
No fim, o ponto central da ciência sobre o tema é este: o sentimento de impostora em mulheres autistas nasce menos delas e mais do espelho social em que se veem. Atualizar esse espelho — isto é, ampliar nossas imagens do que é autismo — é parte do cuidado. E do respeito.
🔴Psicoeducação: o antídoto que falta
“Psicoeducação” é um nome técnico para algo simples: informação clara, prática e acolhedora — para a própria mulher e para quem convive com ela. Feita cedo, ela quebra o ciclo impostora–descrédito.
🔴Para mulheres autistas (pós-diagnóstico)
Nomeie o processo. Saber que camuflar é uma estratégia aprendida (e cansativa) muda a lente da culpa para o cuidado.
Mapeie seu perfil. Sensibilidades sensoriais, ritmo social, modos preferidos de comunicar — conhecer seus padrões dá linguagem para pedir o que você precisa.
Permissão para “tirar a máscara”. Comece por contextos seguros (amigas, grupos de apoio, terapia). Reduzir camuflagem com intenção protege saúde mental.
Guia de frases prontas. Diante do “não parece”, experimente: “Autismos são diversos. O meu foi identificado pelo meu histórico e perfil — isso explica minha história.” Curto, firme, sem se justificar demais.
Cuidado com comparação. Não existe “medalha de autismo”. Comparar sinais entre pessoas diferentes costuma alimentar a impostora.
🔴Para famílias, professores e colegas
Troque o teste do olho pela escuta. Sinais podem ser discretos em público; a história conta mais do que a aparência.
Valide, não negocie o diagnóstico. Frases como “isso explica muita coisa” acolhem. Questionar identidade reabre feridas.
Ajustes simples, grande efeito. Comunicação escrita como opção, previsibilidade de agenda, pausas sensoriais, iluminação confortável, liberdade para usar óculos escuros ou fones.
Linguagem importa. “Pessoa autista” (ou como ela prefere), nada de “leve/real”. Foco em necessidades e apoios.
🔴Para profissionais de saúde e educação
Explique o “perfil feminino de autismo”. Traga exemplos de camuflagem, hiperfoco “socialmente aceito”, burnout.
Planeje o pós-diagnóstico. Ofereça sessão específica sobre impostora, camuflagem e auto-advocacia; forneça materiais para a rede próxima.
Monitore exaustão. Camuflagem custa caro: ansiedade, depressão, esgotamento. Ajuste rotinas e expectativas.
Evite gatekeeping. Comentários sobre “gravidade” ou “não parecer” são gatilhos clássicos de impostora. Foque em funcionamento e suporte.
🔴Três cenas onde o apoio muda tudo
No trabalho. E-mails em vez de ligações, pauta enviada antes da reunião, possibilidade de câmera desligada, tarefas com entregáveis claros. Resultado: menos energia gasta com “performance social”, mais entrega real.
Na universidade. Sala com luz regulável, espaço silencioso para pausas, instruções escritas, prazos flexíveis quando há sobrecarga sensorial. Estudar deixa de ser teste de resistência.
Em casa. Combinados explícitos para visitas, ruído e rotina; divisão justa de tarefas; respeito a momentos de recuperação. A casa vira lugar de recarregar, não de mascarar.
🔴Sinais de que a “impostora” está em cena
Você pensa “enganaram o sistema por mim” ao ler o laudo.
Evita pedir ajustes com medo de “não merecer”.
Sente que precisa “provar” seu autismo todos os dias.
Vive em modo “apresentação perfeita” e desaba ao chegar em casa.
Se três ou mais desses tópicos soam familiares, vale conversar sobre isso em terapia (preferencialmente com alguém que conheça autismo em mulheres) e combinar passos de psicoeducação com a sua rede.
🔴Um roteiro de 4 semanas para começar
Semana 1 — Informação com afeto. Leia e anote: quais características suas o diagnóstico explica? Compartilhe com uma pessoa de confiança.
Semana 2 — Microajustes. Escolha dois: reduzir um encontro social “obrigatório”, negociar comunicação escrita, usar fones/óculos sem pedir desculpas.
Semana 3 — Linguagem. Escreva três respostas-curtas para situações gatilho (“não parece”, “todo mundo é um pouco”).
Semana 4 — Rede. Marque uma conversa de 30 minutos com família ou equipe de trabalho: explique camuflagem, combine um ajuste concreto e mensurável.
Essência: o diagnóstico não é um palco para “provar quem você é”. É um mapa para viver com mais verdade — e menos fadiga.
💠Leitura desses números à luz da “impostora”
A pesquisa da TecnoNeuro sugere dois pontos relevantes para o fenômeno da impostora:
Invisibilidade estrutural: mesmo havendo mediana ≈50% por estudo, o peso dos estudos muito grandes sem desagregação por sexo e dos desbalanceados puxa a percepção global para baixo e dilui a presença feminina. Invisibilidade em estatísticas “macro” ou em relatórios pouco desagregados é um terreno fértil para o ciclo “não pareço o estereótipo → talvez eu não seja ‘legítima’”.
Melhora recente, mas heterogênea: a tendência temporal positiva (ρ=.29) indica avanço, porém não uniforme — a cauda de estudos com <20% de mulheres permanece, o que mantém sinais mistos que podem reforçar dúvidas internas e externas sobre “pertencimento”.
🔴O que a pesquisa sistematizada da TecnoNeuro diz sobre mecanismo e contexto da impostora
💠Os nossos dados descrevem um encadeamento consistente:
Camuflagem crônica (masking) para “parecer neurotípica” + estereótipos masculinizados do autismo → subdetecção e descrédito (“você não parece autista”).
Descrédito externo somado a autoquestionamento após o diagnóstico → sentir-se impostora (“não sou autista o suficiente”), com exaustão e prejuízo de bem-estar.
(Harmens et al., 2022; Leedham et al., 2019; Dean, Harwood, & Kasari, 2016).
💠Além disso, nossos dados trazem pistas operacionais:
O GQ-ASC (perfil feminino) apresentou AUC = 0,89 com cutoff = 57, acerto ≈80% — útil para triagem sensível ao fenótipo feminino.
Em mulheres com TCA restritivo, um modelo que inclui camuflagem (CAT-Q) + sensorial auditivo (GSQ) + AQ-10 + TAS-20 (EOT) superou o AQ-10 isolado — medir camuflagem melhora a identificação feminina (Adamson et al., 2022; Brown, 2020, na sua compilação).
🔴Integração: dados + mecanismo da impostora
Nossos dados mostram heterogeneidade na inclusão/visibilidade feminina e lacunas de desagregação nos estudos grandes — contexto que sustenta mensagens ambíguas sobre pertencimento.
A literatura descreve exatamente como mensagens ambíguas + camuflagem convertem-se em impostora (dúvida sobre legitimidade, “não sou ‘suficiente’”).
Consequência prática: ao interpretar escores clínicos/psicométricos em mulheres autistas, padronize por sexo sempre que possível e documente (i) a completude do dado, (ii) o estrato (quartil de proporção feminina ou cluster de tamanho/composição), e (iii) o uso de triagens sensíveis à camuflagem (p. ex., CAT-Q, GQ-ASC). Isso reduz o risco de reforçar o ciclo impostora–descrédito.
🔴Referências
Adamson, et al. (2022). European Eating Disorders Review, 30(5), 592–603. Modelo combinado (AQ-10 + GSQ auditivo + CAT-Q compensação + TAS-20 EOT) melhora triagem de TEA em mulheres com TCA.
Brown, C. (2020). Psicometria do GQ-ASC: AUC = 0,89, cutoff = 57 (~80% de acerto).
Dean, M., Harwood, R., & Kasari, C. (2016). The art of camouflage. Observações em recreio mostram camuflagem e subdetecção em meninas.
Harmens, et al. (2022). The Quest for Acceptance: A Blog-Based Study of Autistic Women’s Experiences and Well-Being During Autism Identification and Diagnosis. Temas: camuflagem, exaustão, descrédito e sentimento de impostora.
Leedham, A., Thompson, L., Smith, R., & Freeth, M. (2019). “I was exhausted trying to figure it out”. Entrevistas com mulheres diagnosticadas tardiamente; camuflagem e exaustão pré-diagnóstico.
🔴Este texto se inspira em pesquisas qualitativas com mulheres autistas que descrevem camuflagem, invalidação e o sentimento de impostora, e em estudos que destacam a importância de apoio pós-diagnóstico e de psicoeducação para a pessoa e para a rede. A mensagem prática é simples: informação clara, validação e pequenos ajustes de ambiente reduzem sofrimento e sustentam pertencimento.
Na prática, “aprender” não é uma ideia abstrata: é o seu cérebro reorganizando conexões e produzindo um jeito novo (e mais estável) de agir. Neuroplasticidade é esse reajuste físico; o que vemos do lado de fora é o comportamento mudando — dirigir só quando o semáforo fica verde, lembrar a rota da escola nova, resistir ao doce depois do almoço.
⌛O que, afinal, conta como aprendizagem?
Uma definição simples e útil diz que aprender é uma mudança relativamente duradoura no comportamento após uma experiência, treino ou observação. Se você antes atravessava a rua sem olhar e, depois de um susto, passa a parar automaticamente na calçada, aconteceu algo no cérebro (plasticidade) e algo no corpo (comportamento). As duas faces são inseparáveis.
⌛Como o cérebro “escolhe” os sinais que valem
Quase tudo ao nosso redor pode virar um estímulo: luz, som, cheiro, toque, palavras. Mas nem todo estímulo manda no nosso comportamento. O que adquire esse poder é o estímulo discriminativo — o “sinal que vale” naquele contexto.
Exemplo clássico: o semáforo muda de vermelho para verde. Você não reage a “qualquer luz”; reage à verde para acelerar. É discriminação de estímulo.
Outro exemplo cotidiano: José dorme até as 8h se o quarto está escuro. Um dia, esquecem a cortina aberta e o sol das 6h30 o acorda. Nesse contexto, a luz da manhã é o sinal que dispara o comportamento de acordar.
Em linguagem de laboratório, costuma-se chamar esse “sinal que vale” de Ed (estímulo discriminativo). O resto — o piso, as paredes, os ruídos do corredor — são EΔ (lê-se “delta”): estão presentes, mas não deveriam determinar a resposta. Aprender bem é fortalecer Ed (o que importa) e enfraquecer EΔ (o ruído).
⌛Discriminar e generalizar: dois lados da mesma moeda
Discriminar é responder a este sinal e não aos parecidos (acelerar só com verde, não com o farol do carro ao lado).
Generalizar é levar o aprendizado para situações próximas (reconhecer qualquer verde de semáforo, mesmo num cruzamento novo).
A boa aprendizagem equilibra as duas: foco suficiente para evitar erros; flexibilidade suficiente para funcionar no mundo real.
⌛Por que as propriedades do estímulo importam
Nossos órgãos dos sentidos registram mudanças: de cor, de brilho, de temperatura, de pressão. Esses detalhes do estímulo influenciam o quão fácil é aprender com ele:
Saliente e claro: sinais nítidos (um “clique” audível, uma luz bem definida) são aprendidos mais rápido.
Consistente: quanto menos variação desnecessária (muito ruído visual ou sonoro), mais o cérebro consegue associar este sinal a esta resposta.
Relevante: se o sinal de fato antecipa algo importante (recompensa, segurança, erro), ele ganha força como Ed.
⌛Predisposições contam — mas não mandam sozinhas
Nascemos com diferenças biológicas e psicológicas que modulam o aprender: sensibilidade sensorial, nível de alerta, motivação, histórico de recompensas e de estresse. Elas inclinam a balança, mas o treino e o contexto continuam sendo alavancas essenciais. Plasticidade é oportunidade, não promessa vazia.
⌛O laboratório em 1 minuto (sem jargão)
Imagine um rato numa caixa com uma alavanca na parede. Quando a luz X acende (Ed), pressionar a alavanca (resposta) entrega comida. O piso, as paredes, o barulho do ventilador (EΔ) não devem controlar a resposta. Dia após dia, o animal aprende: luz X → pressiona; sem a luz, não. É assim que cientistas separam “o que manda” do que é “coadjuvante” — a mesma lógica vale para nós, na rua, no trabalho, em casa.
⌛Como transformar plasticidade em hábito: um guia rápido
1) Deixe o “sinal que vale” inconfundível.
Defina gatilhos claros para o comportamento desejado. Estudar sempre que o alarme das 19h toca. Caminhar sempre depois do café. Quanto mais específico, mais fácil de o cérebro vincular.
2) Corte o ruído.
Reduza EΔ: desligue notificações, tire tentações do campo de visão, simplifique o ambiente. Atenção é o guia da aprendizagem; não gaste com estímulos que não importam.
3) Repetir, sim — mas com qualidade.
Repetição cria trilhas neurais, mas evite “repetição cega”. Use objetivos pequenos e observáveis (“hoje escrevo 10 linhas”), pausas (prática espaçada) e variações controladas (mude um detalhe de cada vez). O cérebro aprende mais quando erra pouco e recebe feedback útil.
4) Dê um motivo (recompensa).
Janelas curtas de reforço funcionam: terminar a tarefa → pausa prazerosa; completar a semana → recompensa planejada. Não é “mimar”, é ensinar o cérebro a valorizar o caminho certo.
5) Durma, mova-se, respire.
Memórias se consolidam no sono; exercício aumenta fatores que alimentam a plasticidade; respiração e foco reduzem o ruído interno (estresse) que atrapalha Ed.
6) Teste o alcance (generalização).
Leve a habilidade para cenários diferentes: estudar em outro lugar, dirigir em ruas novas, apresentar para outra audiência. Troque o mínimo possível de cada vez para não “quebrar” o aprendizado.
⌛O que observar para saber se você (ou seu paciente) está aprendendo
Mudança visível de comportamento em situações bem definidas (com o mesmo Ed).
Menos erros quando o sinal aparece; menos respostas quando ele não aparece.
Transferência moderada para contextos parecidos (generalização sem perder a precisão).
Se nada disso aparece, ajuste uma das três peças: o sinal, a resposta ou o reforço.
⌛Por que isso tudo é, sim, neurociência aplicada
Quando você melhora a discriminação (responder ao que importa) e a generalização (levar para contextos parecidos), está guiando a plasticidade: algumas sinapses se fortalecem, outras se enfraquecem; redes passam a disparar em conjunto; vias de atenção e de recompensa alinham relógios. O resultado visível é um novo comportamento que “pega”.
No fim, dá para resumir assim: neuroplasticidade é o “como” por dentro; aprendizagem é o “o quê” por fora. Sempre que alguém muda de forma confiável a maneira de agir diante de um sinal, o cérebro acabou de se reprogramar um pouco — e essa é a melhor notícia para qualquer projeto de mudança, da sala de aula à neurorreabilitação, do treino físico ao enfrentamento de um hábito difícil.
⌛Para levar
Defina o Ed (o sinal que vale).
Apare eΔ (o ruído).
Repita com feedback e pausas.
Reforce cedo e de propósito.
Teste em cenários parecidos.
Aprender é comportamento novo sustentado no tempo. É assim que vemos a plasticidade (positiva, negativa ou neutra) — trabalhando, silenciosa, a nosso favor ou não.
O que mais atrapalha o desempenho de muitos universitários autistas não é a matéria — é a sala. Para o Gabriel, 19, o pior momento é a aula no bloco antigo: fluorescentes que parecem piscar, luz direta no rosto, slides muito brancos. Ele fica tenso, perde a atenção e volta para casa esgotado. Mude para uma sala com luz indireta e regulável e ele acompanha a aula de novo. A ciência confirma há anos: pequenos ajustes no ambiente e recursos simples de apoio melhoram atenção, conforto e participação — exatamente o objetivo da neurorreabilitação baseada na Classificação internacional de funcionalidade, incapacidade e saúde: CIF.
A seguir, um guia prático no espírito “funcionalidade humana” — direto, sem jargão — para equipes de saúde, professores e gestores de campus.
💡 O problema escondido na luz
Luz que “pisca” e luz forte demais atrapalham. Mesmo quando têm o mesmo brilho, salas com fluorescente tendem a piorar o conforto e a aumentar comportamentos repetitivos em pessoas autistas, enquanto luz mais estável e suave melhora foco e participação.
Como resolver na prática: peça LED de boa qualidade, que não tremule (o “piscar” é rápido e quase invisível) e que permita regular a intensidade. Se a escola ainda usa fluorescente, reatores eletrônicos já reduzem queixas.
💡 O que funciona (e por quê)
1) Luz que não pisca e pode ser regulada
Troque fluorescentes antigas por LED “sem tremulação”. Se não der agora, use reator eletrônico na fluorescente.
Instale dimmer (controle de intensidade). Prefira tons amarelados ou neutros em vez do branco azulado.
Posicionamento importa: priorize luz indireta; evite luminária no campo de visão do aluno; afaste reflexos de quadros e telas.
Por quê? Menos piscar e menos brilho direto reduzem desconforto, dor de cabeça e cansaço visual — e o aluno aguenta mais tempo em sala.
2) Barreiras simples contra o brilho
Cortinas/persianas que funcionem; película antirreflexo em janelas com sol.
Em slides, troque fundos muito brancos por paletas suaves com alto contraste de texto.
Por quê? Menos ofuscamento = mais leitura e atenção.
3) Apoios pessoais para sensibilidade à luz
Permita óculos com lentes âmbar/rosadas (filtram o excesso de azul) para quem precisa.
Ofereça folhas translúcidas coloridas (overlays) para leitura — a cor é individual e deve ser testada.
Por quê? Filtrar o espectro e “acalmar” o papel reduz fadiga visual.
4) Menos “ruído visual”
Evite paredes lotadas de cartazes e objetos brilhantes perto do quadro.
Por quê? Ambiente mais “limpo” facilita manter a atenção no essencial.
5) Transições graduais de luz
Ao acender ou apagar, faça aos poucos (use o dimmer).
Por quê? Mudanças bruscas de luminosidade podem doer e “quebrar” a concentração.
6) O que evitar
Capas azuis sobre luminárias: pioraram a atenção em estudos de sala de aula.
“Mais luz para todo mundo” não é solução: o ganho vem do ajuste fino, não da potência.
♦ Como pedir no orçamento (texto pronto)
“**Luminárias LED com driver estável (sem tremulação perceptível) e dimmer para controle de intensidade; tons neutros/quentes; difusor para luz indireta.”
Pequenas mudanças na luz custam pouco e mudam o desfecho: menos desconforto, mais presença, melhor aprendizagem — para estudantes autistas e para a turma toda.
♦ Reabilitação no campus: quando o ambiente vira tratamento
Reabilitação não é só sessão individual. Na escola/universidade, o ambiente também trata: ajustar a sala remove barreiras e aumenta a participação. O efeito costuma ser rápido e beneficia toda a turma — inclusive quem tem enxaqueca, hiperatividade, ansiedade ou pós-concussão.
💡 Três frentes de ação
1) Para a instituição (compras, manutenção e obras)
LED sem “piscar” e com controle de brilho: exigir, nos editais, LED de boa qualidade (driver estável) com dimmer.
Luz indireta e ajustável: prever luminárias com difusor e trilhos reguláveis nas salas de aula.
Auditoria de salas: mapear pontos de ofuscamento e reflexos; definir salas “low-sensory” (uma por andar já muda vidas).
Cortinas e telas que não brilham: incluir persianas/blackout e telas foscas (matte) nas compras novas.
💡 Texto pronto para edital: “Luminárias LED com driver estável (sem tremulação perceptível) e dimerização, temperatura de cor neutra/quente, difusor para luz indireta.”
2) Para docentes (o dia a dia da aula)
Escolha a sala certa quando puder: dê preferência à que tem dimmer e luz indireta.
Slides mais “calmos”: fundo off-white ou cinza, letra grande, alto contraste; evite fundos muito luminosos (“neon”).
Lugar importa: deixe o aluno mudar de assento para fugir de luz direta; permita óculos/filtros.
Transições suaves: se a luz mudar muito (sol entrou, trocou de sala), faça uma pausa curta e ajuste o brilho aos poucos.
3) Para os serviços de apoio ao estudante
Teste e empréstimo: disponibilizar lentes filtrantes (âmbar/cinza) e overlays coloridos para leitura; criar um roteiro simples de triagem de sensibilidade à luz.
Acomodação funcional: registrar em plano individual: direito a sala ajustada, prioridade de assento, uso de boné/óculos, tempo extra quando a luz do espaço for inevitavelmente incômoda (laboratórios, por exemplo).
Treinamento da equipe: capacitar tutores e professores para reconhecer sinais de sobrecarga sensorial (postura rígida, olhar fugindo da fonte de luz, dor de cabeça, “apagões”).
💡 “Pequenas” tecnologias, grandes ganhos
Pense nesses recursos como próteses para o ambiente: não mudam o aluno — mudam o contexto para que ele aprenda.
LED com dimmer e sem tremulação → menos dor de cabeça, mais tempo focado.
Lentes e overlays → leitura mais confortável; em algumas tarefas visuais, compreensão social melhora.
Sala menos “poluída” visualmente → menos distração e menos ansiedade.
Luz que sobe e desce devagar → menos “choque sensorial”, menor fadiga.
Nota importante: cada pessoa responde de um jeito. Testar, medir e ajustar faz parte da boa prática — na clínica e na docência.
💡 Checklist rápido para começar agora
♦ Em 30 dias
Escolha 2–3 salas por prédio e instale dimmer (controle de brilho); troque lâmpadas frias/azuladas por tons neutros ou amarelados.
Compre 10 óculos com filtro de luz (âmbar/cinza) e kits de overlays (folhas translúcidas coloridas) para empréstimo.
Padronize os slides: fundo off-white/cinza, letra grande e alto contraste.
♦ Em 90 dias
Revisão elétrica: substitua reatores antigos por eletrônicos e faça pilotos com LED de driver estável (sem “piscar”).
Crie a política de salas “low-sensory” (baixa carga sensorial) e compartilhe com os docentes.
Treine monitores e professores para ajustar assentos, luz e pausas quando necessário.
♦ Em 6–12 meses
Inclua, em todas as compras, especificações “sem tremulação” (LED que não pisca) e dimmer.
Audite os prédios e priorize as turmas com muita aula expositiva.
Colete indicadores (presença, queixas de dor de cabeça, autorrelato de atenção) e divulgue os resultados para a comunidade.
💡 O pano de fundo: por que relacionamento e contexto importam
Interações sociais positivas (grupos de estudo, monitorias, clubes) reduzem estresse, protegem atenção e memória e favorecem a permanência do estudante. Mas o convite só funciona se o ambiente não for hostil aos sentidos.
Luz adequada + rede de apoio = menos cortisol, melhor humor e mais espaço mental para aprender.
💡 Princípio-guia
Reabilitar o campus é desenhar o ambiente para a redução de barreiras para o estudante. Trocar uma lâmpada, regular um dimmer, permitir um óculos âmbar — pequenos gestos que podem ser a diferença entre repetir a disciplina e ter êxito no trabalho final. Uma escola/universidade inclusiva começa no teto.
💡Evidências e práticas:
Mallory & Keehn, 2021 (revisão)
Autismo na sala de aula: diferenças sensoriais e de atenção impactam participação.
Na prática: reduzir estímulos (luz/ruído), dar pausas curtas e previsibilidade.
Colman et al., 1976
Fluorescente ↑ comportamentos repetitivos vs. incandescente.
Na prática: trocar fluorescente por LED sem flicker/halógena e dimerizar.
Nair et al., 2022 (estudo de caso)
Luz e cores do ambiente mudam comportamento de crianças autistas.
Na prática: luz indireta, menos brilho, paleta suave e posição longe do ofuscamento.
Blackburn et al., 2009 (FL-41)
Lente FL-41 ↓ fotofobia e melhora funcional em sensibilidade à luz.
Na prática: testar FL-41/âmbar/cinza (clip-on) para aula e telas.
Hayakawa et al., 2025
Respostas pupilares diferentes em autistas a claro/escuro.
Na prática: transições graduais de luz e pausas visuais de 3–5 min.
Ludlow et al., 2012
Overlays/filtros coloridos ↑ percepção de pistas sociais e leitura.
Na prática: usar overlays coloridos ou papel creme em leituras.
Pence et al., 2019
“Capas azuis” nas luminárias ↑ estereotipias e ↓ foco.
Na prática: evitar soluções improvisadas sobre luminárias; foque em controle de brilho/flicker.
IEEE Std 1789-2015
Diretrizes para minimizar flicker em LEDs (segurança visual).
Na prática: escolher LED “flicker-free” com driver adequado e usar dimmer.
💡Referências:
Blackburn, M. K., Lamb, R. D., Digre, K. B., Smith, A. G., Warner, J. E., McClane, R. W., Nandedkar, S. D., Langeberg, W. J., Holubkov, R., & Katz, B. J. (2009). FL-41 tint improves blink frequency, light sensitivity, and functional limitations in patients with benign essential blepharospasm. Ophthalmology, 116(5), 997–1001. https://doi.org/10.1016/j.ophtha.2008.12.031
Colman, R. S., Frankel, F., Ritvo, E., & Freeman, B. J. (1976). The effects of fluorescent and incandescent illumination upon repetitive behaviors in autistic children. Journal of Autism and Childhood Schizophrenia, 6(2), 157–162. https://doi.org/10.1007/BF01538059
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Ludlow, A. K., Taylor-Whiffen, E., & Wilkins, A. J. (2012). Coloured filters enhance the visual perception of social cues in children with autism spectrum disorders. ISRN Neurology, 2012, Article 298098. https://doi.org/10.5402/2012/298098
Mallory, C., & Keehn, B. (2021). Implications of sensory processing and attentional differences associated with autism in academic settings: An integrative review. Frontiers in Psychiatry, 12, Article 695825. https://doi.org/10.3389/fpsyt.2021.695825
Nair, A. S., Priya, R. S., Rajagopal, P., Pradeepa, C., Senthil, R., Dhanalakshmi, S., Lai, K.-W., Wu, X., & Zuo, X. (2022). A case study on the effect of light and colors in the built environment on autistic children’s behavior. Frontiers in Psychiatry, 13, Article 1042641. https://doi.org/10.3389/fpsyt.2022.1042641
Pence, S. T., Wagoner, R., & St. Peter, C. C. (2019). Blue light covers increase stereotypy and decrease on-task behavior for students with autism. Behavior Analysis in Practice, 12(3), 632–636. https://doi.org/10.1007/s40617-018-00321-6
PARA OS SUPERIDOSOS, AMIZADE É NEUROPLASTICIDADE: O QUE ELES NOS ENSINAM SOBRE CÉREBRO, LONGEVIDADE E NEURORREABILITAÇÃO
José, 91 anos, tem a semana marcada por encontros: roda de conversa com o seu grupo de fé, ensaio com o coral masculino, visitas a escolas para contar sua história. Carlos, 82, atravessa o bairro para o mesmo ritual: cumprimentar vizinhos, rever colegas e torcer no estádio. Eles pertencem a um grupo raro que pesquisadores chamam de “superidosos”: pessoas com 80 anos ou mais cuja memória se mantém no nível de alguém 20 ou 30 anos mais jovem. Não há dieta secreta, nem remédio milagroso. O que esses longevos repetem, quase em uníssono, é outra coisa: a vida vale pelos laços que sustentamos.
Há 25 anos, cientistas da Northwestern University acompanham superidosos. A revisão mais recente desse projeto resume um padrão consistente: eles atribuem alto valor aos relacionamentos e, com frequência, são mais sociáveis. Essa postura não é apenas simpática — ela parece neuroprotetora. Estudos mostram que, em média, o volume cerebral dos superidosos se assemelha mais ao de pessoas na casa dos 50–60 anos do que ao de seus pares octogenários. Alguns apresentam mais neurônios especializados em processamento social (os chamados von Economo), envolvidos em reconhecer intenções e experienciar interações complexas.
Claro, permanece o dilema do “ovo e da galinha”: socializamos mais porque pensamos melhor, ou pensamos melhor porque socializamos mais? A resposta completa ainda não chegou. Mas, do ponto de vista prático, os superidosos tratam a convivência como hábito de saúde, com agenda e propósito.
💠A ciência da conexão (e por que ela importa na neurorreabilitação)
Em termos simples, interação social é um comportamento de mão dupla: minhas ações respondem às suas e também as provocam. Quase todas as atividades de vida diária carregam esse componente (cumprimentar, pedir ajuda, dividir tarefas). Quando ele falha, cresce a dependência do outro.
O que o cérebro faz, por dentro, quando estamos juntos? Em exames de ressonância magnética funcional, situações de interação ao vivo ativam não só áreas que leem pistas sociais (expressões, voz, gesto), mas também circuitos de atenção com objetivo e recompensa — como se a conversa fosse, ao mesmo tempo, foco e gratificação. Em modelos animais, após um “derrame” induzido, bichos que puderam conviver com parceiros de espécie — sobretudo parceiros saudáveis — recuperaram melhor funções, comportamentos e até sobreviveram mais do que os isolados.
Na prática clínica humana, surpreendentemente, ainda há poucos ensaios que testem a dose certa de convivência como parte de programas de neurorreabilitação. Um estudo de “ambiente enriquecido” — que inclui estímulos sensoriais, cognitivos e sociais — encontrou ganhos de atividade. A lacuna aponta para uma oportunidade: se socializar ativa atenção, recompensa e movimento, por que não “prescrever” vínculos com o mesmo zelo com que prescrevemos exercício, sono e remédio?
💠O que os superidosos já fazem — e nós podemos adotar
Rituais semanais. Coral, carteado, caminhada em grupo, voluntariado. Eles transformam encontros em agenda fixa, não em “ver se dá”.
Propósito compartilhado. Cantar para a comunidade, acolher alunos do bairro, torcer no estádio. A meta fora de si dá direção e sentido.
Histórias em circulação. Ensinar, contar, ouvir. Trocas narrativas são modulação natural de memória episódica e linguagem.
Rede ampla, vínculos fortes. Conhecidos, colegas, amigos íntimos e família. Diversidade de laços protege contra flutuações inevitáveis.
💠Como levar essa lógica à neurorreabilitação (sem perder o rigor)
Para fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, psicólogos, médicos e cuidadores, a mensagem é direta: convivência não é enfeite; é ingrediente ativo.
Meça a “dose social”. Pergunte e registre: com quem, quando, por quanto tempo, em que contexto (grupo, par, presencial, on-line). Faça disso um sinal vital.
Inclua metas sociais nos planos. “Participar de duas rodas semanais”, “cozinhar com netos aos domingos”, “grupo de leitura às quartas”. Objetivos claros ancoram adesão.
Use tarefas cooperativas. Treinos de mobilidade com parceiro, jogos de tabuleiro adaptados, cozinhar em dupla, coral/dança terapêutico: funcionais, prazerosos e repetíveis.
Atenção à autoeficácia. Elogio específico, metas graduais e feedback rápido ampliam a confiança, que, por sua vez, melhora desempenho cognitivo e motor.
Ajuste o ambiente. Acessibilidade de transporte, iluminação, ruído, custo — barreiras pequenas viram desistências grandes.
Tecnologia como ponte, não fim. Chamadas de vídeo, grupos moderados, plataformas seguras. O digital complementa, não substitui o encontro possível.
💠Para quem trabalha com longevidade: o que NÃO esquecer
Sono, movimento, alimentação e tratamento de doenças seguem sendo pilares. A socialização não compete com eles — dialoga.
Extroversão ajuda, mas não é regra. Introvertidos também constroem redes: grupos menores, atividades silenciosas, suporte um a um.
Tristeza e ansiedade isolam. Rastreie e trate sintomas afetivos; a melhora emocional abre a porta para voltar a conviver.
Cuidado com moralismos. Laços importam, mas não têm que parecer os seus. Vale coral, vale horta, vale oficina de marcenaria.
💠Qualidade importa: laços que protegem — e laços que adoecem
Nem toda sociabilidade faz bem. Relações marcadas por hostilidade, crítica constante, humilhação, controle ou abuso elevam o estresse crônico, pioram o sono e a pressão arterial, alimentam inflamação e se associam a depressão e pior memória ao longo do tempo. Em idosos, isso pode acelerar o declínio funcional e cognitivo — o oposto do que se busca.
🔺O que caracteriza vínculos positivos
Apoio prático e emocional recíproco
Respeito, escuta e sensação de pertença
Atividades compartilhadas que dão propósito (coral, voluntariado, esporte leve)
🔺Sinais de alerta para vínculos nocivos
Medo de represálias, “pisar em ovos”
Isolamento induzido, chantagem emocional, críticas que minam a autoestima
Discussões frequentes que terminam sem reparo ou diálogo
🔺Como intervir (para famílias e equipes)
Priorize grupos com mediação e objetivos (arte, canto, caminhada em grupo, voluntariado).
Estabeleça limites claros com pessoas que fazem mal; se necessário, afaste-se.
Se houver abuso psicológico ou físico, procure ajuda especializada e redes de proteção.
Em resumo: não é “quantas” conexões, é a qualidade delas. Laços calorosos e respeitosos são investimento em saúde; laços tóxicos cobram juros do corpo e do cérebro.
💠O recado final dos superidosos
Eles não esperaram uma “fórmula” para se manter ativos. Marcaram encontros, deram e receberam atenção, contaram e ouviram histórias. A neurociência sugere que esse combo treina atenção, recompensa e memória; a neurorreabilitação mostra que o cérebro aprende melhor no mundo real, com gente de verdade.
Se quisermos viver mais e melhor — e ajudar nossos pacientes a fazer o mesmo — convém copiar essa teimosia gentil dos superidosos: colocar gente na agenda. Hoje, não “quando der”.
🔺Baseado em 25 anos de pesquisa sobre superidosos conduzida na Northwestern University (https://www.nytimes.com/2025/08/07/well/mind/super-agers-social-connections.html) e em revisão de princípios de neuroreabilitação e plasticidade publicados na literatura científica (Maier, M., Ballester, B. R., & Verschure, P. F. M. J. (2019). Principles of Neurorehabilitation After Stroke Based on Motor Learning and Brain Plasticity Mechanisms. Frontiers in Systems Neuroscience, 13. https://doi.org/10.3389/fnsys.2019.00074).
QUANDO JOGAR DEIXA DE SER BRINCADEIRA: O QUE A CIÊNCIA DIZ SOBRE AUTISTAS E “VÍCIO” EM GAMES — E COMO A CLÍNICA DEVE AGIR
Lucas, 13 anos, fala apaixonadamente sobre mundos em pixels. À noite, porém, a paixão cobra preço: sono curto, tarefas por fazer, crises quando o console é desligado. “É só um hobby”, dizem alguns. “É terapia”, dizem outros. O consultório pede algo menos opinativo e mais simples: evidência.
🎮 O que os dados mostram (sem achismo): Uma leitura sistemática de 34 artigos focou o transtorno do jogo na internet (IGD)/uso problemático em pessoas autistas.
· Dos 34 artigos, 10 avaliaram diretamente IGD/uso problemático. Desses 10, 8 apresentaram uma conclusão explícita sobre o efeito: 7 concluíram aumento de risco (87,5%) e 1 mostrou resultados mistos. Nenhum desses 8 apontou benefício ou efeito neutro em relação a “vício/IGD”.
· Onde aparece o risco
Quando os estudos explicam melhor em que situação há problema, o risco surge principalmente com jogos “comerciais do dia a dia” (os jogos comuns de celular, console ou PC) usados por muito tempo, sobretudo muitas horas seguidas e/ou à noite, sem supervisão.
· Quando os jogos ajudam
Jogos feitos para terapia (serious games), jogos ativos (que fazem a pessoa se mexer, como exergames) e formatos cooperativos com regras (ex.: Minecraft jogado em equipe e com tempo controlado) podem trazer benefícios específicos — melhor comunicação, humor, organização.
Isso é diferente de “vício”: são intervenções com objetivo, horário e acompanhamento, não “jogar livremente”.
· O que faz o pêndulo ir para risco ou benefício (os “moderadores”)
1. Dose e horário: quanto e quando joga (muito tempo e de noite pioram).
2. Mediação dos pais/responsáveis: regras claras, console fora do quarto, combinar horários, co-jogar às vezes.
3. Comorbidades: Hiperexcitação (pseudoTDAH)/ansiedade aumentam a chance de uso problemático.
4. Conteúdo e formato: jogos competitivos/violentos tendem a elevar estresse/impulsividade; jogos cooperativos/terapêuticos, com tempo limitado, costumam ser mais seguros.
🎮 Tradução clínica: perguntas certas antes de protocolos novos: Opinião sem dado vira desinformação. Antes de recomendar “mais jogo” ou “proibir tudo”, a clínica precisa estratificar risco:
Triagem dirigida para IGD quando houver dose alta, queixas funcionais (sono, escola, relações) ou comorbidades. Use instrumentos padronizados (p.ex., IGDS9-SF, IGDT-10, CIUS).
Mapeie moderadores:
— Dose (tempo diário/semana e janelas noturnas).
— Mediadores (regras claras, presença dos pais, o console fica no quarto?).
— Comorbidades (Hiperexcitação (pseudoTDAH)/ansiedade/depressão, que ampliam vulnerabilidade).
— Conteúdo e formato (competitivo x cooperativo; microtransações e loops de recompensa).
Defina objetivo terapêutico: se a proposta é intervenção digital, trate como treino estruturado (sessões, metas, feedback, supervisão), não como “tempo livre de tela”.
🎮 Reabilitação baseada em evidências (e nos princípios de aprendizagem): Assim como um músico repete escalas até consolidar circuitos, a reabilitação usa prática estruturada para remodelar função. Em games, isso significa:
Gestão de dose: reduzir exposição contínua e proteger o sono.
Prática orientada a tarefas e a objetivos: jogos/atividades que treinam a habilidade alvo (regulação, comunicação, controle inibitório), com feedback claro e reforço positivo.
Variação controlada e prática espaçada: alternar tarefas e inserir pausas melhora retenção e reduz efeito de “repetição cega”.
Ritmo (pistas auditivas/visuais) e biofeedback podem modular movimento e atenção.
Enquadre familiar: contratos de mídia, regras consistentes, co-jogo cooperativo, remoção de gatilhos de economia comportamental (loot boxes, microtransações) em perfis de risco.
Para IGD estabelecido: TCC (foco em hábitos, gatilhos, substituições) e intervenções familiares; tratar hiperexcitação (pseudoTDAH)/ansiedade em paralelo.
🎮 O que não sabemos (ainda): A base tem n pequeno para IGD, muita pesquisa transversal e autorrelato; parte não informa dose/horário. Precisamos de ensaios com medida objetiva de tempo, follow-up e metarregressões que incluam dose, regras parentais, comorbidades e tipo de conteúdo como moderadores.
🎮 Mensagem-chave para profissionais
·“Autistas viciam em games?”
Podem desenvolver uso problemático, sim—principalmente com jogos comuns (celular/console/PC) por muitas horas, especialmente à noite e sem regras ou supervisão.
Sinais de alerta: briga para parar, sono ruim, queda no rendimento escolar, isolamento, irritabilidade.
·“Game como terapia ajuda?”
Ajuda quando é tratamento planejado:
– Serious games (feitos para treinar habilidades),
– Exergames (que fazem mexer o corpo),
– Jogos cooperativos (ex.: Minecraft em equipe),
com tempo controlado, objetivos claros e acompanhamento de profissional/pais.
Isso é diferente de “jogar livremente”.
· Como agir na prática (profissionais e famílias):
1.Pergunte: quanto joga por dia/semana, quando (tarde/noite), o que joga, onde (no quarto?), com quem, e como isso afeta sono, escola e humor.
2. Meça: anote o tempo e horários por 1–2 semanas; quando possível, use questionários validados para uso problemático.
3.Classifique o risco (regra de bolso):
§ Baixo: ≤1–2h/dia, sem prejuízo.
§ Moderado: ~2–3h/dia, pequenas discussões/atrasos.
§ Alto: ≥3–4h/dia, perda de sono, notas caindo, não consegue parar.
4.Intervenha: combine regras claras, proteja o sono, tire o console do quarto, faça co-jogo às vezes, prefira modos cooperativos/terapêuticos, bloqueie microtransações, trate hiperexcitação (pseudoTDAH )/ansiedade quando presentes. Procure apoio profissional se sinais de alto risco persistirem.
Resumo: risco maior com jogo comercial sem supervisão e em alta dose; benefícios aparecem quando o jogo vira intervenção estruturada. Achismo não ajuda — pergunte, meça e ajuste.
🎮 Referências essenciais:
1. Engelhardt, C. R., Mazurek, M. O., Hilgard, J., Rouder, J. N., & Bartholow, B. D. (2015). Effects of violent-video-game exposure on aggressive behavior, aggressive-thought accessibility, and aggressive affect among adults with and without autism spectrum disorder. Psychological Science, 26, 1–14. https://doi.org/10.1177/0956797615583038
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5. MacMullin, J. A., Lunsky, Y., & Weiss, J. A. (2015). Plugged in: Electronics use in youth and young adults with autism spectrum disorder. Autism. https://doi.org/10.1177/1362361314566047
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7. Pavlopoulou, G., Usher, C., & Pearson, A. (2022). ‘I can actually do it without any help or someone watching over me all the time and giving me constant instruction’: Autistic adolescent boys’ perspectives on engagement in online video gaming. British Journal of Developmental Psychology, 40, 557–571. https://doi.org/10.1111/bjdp.12424
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31. Wijnhoven, L. A. M. W., Engels, R. C. M. E., Onghena, P., Otten, R., & Creemers, D. H. M. (2022). The Additive Effect of CBT Elements on the Video Game ‘MindLight’ in Decreasing Anxiety Symptoms of Children with Autism Spectrum Disorder. Journal of Autism and Developmental Disorders, 52, 150–168. https://doi.org/10.1007/s10803-021-04927-8
32. Davis, K., Iosif, A.-M., Nordahl, C. W., Solomon, M., & Krug, M. K. (2022). Correction: Video Game Use, Aggression, and Social Impairment in Adolescents with Autism Spectrum Disorder. Journal of Autism and Developmental Disorders, 53, 1301. https://doi.org/10.1007/s10803-022-05694-w
33. Wijnhoven, L. A. M. W., Creemers, D. H. M., Engels, R. C. M. E., & Granic, I. (2015). The effect of the video game ‘Mindlight’ on anxiety symptoms of children with an Autism Spectrum Disorder: Study protocol for a randomized controlled trial. BMC Psychiatry, 15, 138. https://doi.org/10.1186/s12888-015-0522-x
34. Kuo, M. H., Magill-Evans, J., & Zwaigenbaum, L. (2014). Parental mediation of television viewing and videogaming of adolescents with autism spectrum disorder and their siblings. Autism. https://doi.org/10.1177/1362361314552199
O QUANDO O CÉREBRO APRENDE A PINTAR DE NOVO
"Um homem pinta com o cérebro e não com as mãos." — Michelangelo.
O mestre renascentista provavelmente não imaginava que, séculos depois, sua frase serviria também para explicar princípios da neurociência moderna. Ao entalhar o Davi ou aplicar pinceladas na Capela Sistina, Michelangelo não apenas usava músculos, mas orquestrava uma sinfonia neural: comandos precisos, ajustados com anos de estudo, prática e correção contínua.
Cada golpe de cinzel, cada mistura de cor, era fruto de uma cadeia complexa — percepção, decisão, ação — refinada por incontáveis repetições. Como atletas e músicos, Michelangelo treinava até que o movimento se tornasse tão automático quanto respirar. O que ele talvez não soubesse é que esse processo remodela fisicamente o cérebro, fortalecendo conexões entre neurônios, criando rotas mais eficientes para executar a mesma ação.
Essa é a mesma lógica que guia a reabilitação neurológica hoje. Quando uma pessoa perde uma habilidade — seja segurar um pincel ou caminhar — devido a um acidente vascular encefálico (AVE), o cérebro precisa reaprender. E, como no ateliê de um artista, isso exige treino, repetição e paciência.
Pesquisas mostram que, para restabelecer uma função motora, a quantidade de repetições diárias importa — e muito. Em estudos com animais, 400 a 600 repetições de uma tarefa funcional por dia podem gerar mudanças plásticas no cérebro. Em contrapartida, terapias convencionais muitas vezes oferecem poucas dezenas de tentativas, insuficientes para “esculpir” novas rotas neuronais. É como se um pintor tentasse dominar uma técnica com meia dúzia de pinceladas.
A prática não precisa ser monótona. Assim como um artista varia ângulos, luzes e materiais para expandir sua habilidade, a reabilitação eficaz combina métodos:
Prática repetitiva para consolidar movimentos;
Prática espaçada para melhorar retenção;
Treinamento orientado a tarefas que imitam atividades reais;
Objetivos claros que motivam e direcionam a ação;
Variação controlada para preparar o cérebro para obstáculos inesperados.
E há ainda os “truques” que Michelangelo talvez apreciasse: o uso de ritmo para guiar movimentos, ou feedback visual e auditivo que informa, em tempo real, se a execução está no caminho certo. Cada técnica, aplicada no momento certo, molda o cérebro como um escultor molda o mármore — lenta e intencionalmente.
A lição que une o estúdio renascentista e a clínica de reabilitação é simples: aprender (ou reaprender) é uma obra em andamento. É preciso disciplina, adaptação e uma dose saudável de obsessão pelos detalhes. Afinal, tanto para criar uma obra-prima quanto para recuperar a habilidade de amarrar um cadarço, o cérebro precisa de um input (entrada) claro e insistente para mudar — uma ação feita de treino diário, propósito e tempo.
O QUE UMA CRIANÇA COM TEA PRECISA NOS DIZER — E COMO A REABILITAÇÃO FUNCIONAL PODE MUDAR O RUMO
Quando Sofia, 7 anos, começou a recuar das brincadeiras que antes curtiam juntas, seus pais acharam que era “fase”. Mas, em vez de se abrir para o mundo, ela fechou. Tornou-se silenciosa, evitando olho no olho. Foi então que um diagnóstico com um nome técnico — Transtorno do Espectro Autista (TEA) — apareceu. E com ele, novas perguntas que exigiam mais do que rótulos médicos.
É aqui que a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) ressoa como um sopro de esperança para profissionais de saúde. Criada pela Organização Mundial da Saúde, a CIF não se prende a diagnósticos. Ela mapeia o que realmente importa: como a pessoa funciona no mundo real, nos diferentes aspectos de sua vida — e no contexto em que vive.
▶ A CIF: uma lente para enxergar a pessoa, não só o diagnóstico
Vermelho, amarelo, azul — Sofia respondia bem às cores, mas não sabia responder ao pedido mais básico de dividir a bola. Por quê? A CIF explica: existem funções mentais como atenção, memória, comunicação, regulação emocional envolvidas nessa ação. Ela aponta onde a dificuldade está — não como um estigma, mas como uma oportunidade de intervenção.
Para profissionais de saúde, psicólogos e terapeutas ocupacionais, a CIF oferece uma linguagem comum, um terreno onde diagnóstico e funcionalidade convergem. Ela permite avaliar não só as funções do corpo, mas também as atividades diárias, participação social e fatores ambientais — como um brinquedo adaptado ou uma intervenção precoce com professores.
▶ Reabilitação centrada na função — não só no CID
O diagnóstico é apenas o começo, mas é a visão funcional que guia a mudança. Na reabilitação de sofia, passaram a adaptar os ambientes — como com horários visuais, histórias sociais, apoio familiar — e a reforçar habilidades reais como olhar quem fala, pedir ajuda, compartilhar um brinquedo.
Essa abordagem não só respeita a singularidade de cada criança, mas modifica realidades: melhora a participação na escola, fortalece vínculos e prepara o terreno para o desenvolvimento futuro. Afinal, não se trata de encaixar a criança no molde, mas de transformar o molde em torno dela.
▶ Por que a CIF ainda é um campo a descobrir — e cultivar
No Brasil, a CIF está presente nas diretrizes do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Ainda assim, seu uso clínico cotidiano — nos hospitais, escolas, centros de reabilitação — é escasso. Muitos profissionais ainda se apoiam no diagnóstico tradicional — TEA, TDAH, paralisia cerebral — mas há quem opte por olhar as habilidades e os obstáculos funcionais, e planejar intervenção de forma mais eficaz.
Os “Conjuntos Essenciais” da CIF — listas padronizadas para diferentes condições — podem ajudar a começar, mas são apenas isso: pontos de partida. A verdadeira aplicabilidade ocorre quando profissionais constroem perfis funcionais personalizados, capturando o que cada indivíduo pode e precisa fazer no seu contexto.
Com isso, a reabilitação deixa de ser uma intervenção genérica e se torna um plano de vida, centrado no indivíduo, respeitoso com sua singularidade e conectado com o mundo real.
▶ Referências principais:
Schiariti, V., et al. (2018). International Classification of Functioning, Disability and Health Core Sets for cerebral palsy, autism spectrum disorder, and ADHD. Dev Med Child Neurol, 60(9), 933–941.
Schipper, E., et al. (2015). Ability and Disability in Autism Spectrum Disorder: A Systematic Literature Review Employing the International Classification of Functioning, Disability and Health‑Children and Youth Version. Autism Res, 8(6), 782–794.
Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015).
QUANDO O FOCO FALHA: POR QUE A ATENÇÃO É UMA JANELA PARA O CÉREBRO – E COMO A REABILITAÇÃO PODE AJUDAR A ABRIR NOVAMENTE
Em uma manhã aparentemente comum, Ana, 42 anos, saiu para trabalhar, mas esqueceu o celular, perdeu duas reuniões e se viu incapaz de terminar uma simples tarefa de organização de e-mails. Para alguns, parecia apenas cansaço. Para ela, era mais um sintoma de algo que já a perseguia havia meses: um apagão atencional persistente, que agora impactava seu trabalho, sua vida social e sua autoestima.
A atenção, esse mecanismo invisível que filtra o mundo e organiza nossas ações, é uma das funções cognitivas mais críticas — e mais frágeis — do cérebro humano. Quando falha, o impacto é imediato, desconcertante e, muitas vezes, profundamente limitador.
🔴A arquitetura da atenção: uma rede, não um botão
Ao longo das últimas décadas, neurocientistas e psicólogos têm tentado mapear essa função aparentemente simples, mas neurologicamente complexa. De Pribram a Posner, de Shallice a Mirsky, uma constelação de modelos neuropsicológicos nos mostra que a atenção não é uma entidade única, e sim uma rede heterogênea que coordena alerta, orientação, seleção e monitoramento executivo.
A atenção funciona como um maestro invisível, organizando todos os outros domínios cognitivos — linguagem, memória, percepção — em sinfonia.
Em casos de lesões cerebrais, transtornos psiquiátricos ou doenças neurodegenerativas, diferentes componentes dessa rede podem entrar em colapso. Pacientes com um dos tipos de heminegligência visual, por exemplo, literalmente “deixam de ver” o lado esquerdo do mundo, apesar de não terem problemas oftalmológicos. Já indivíduos com TDAH podem até perceber os estímulos, mas falham em controlar respostas impulsivas e manter o foco em uma meta.
🔴Nem sempre é falta de vontade
Num mundo hiperconectado, onde distração é frequentemente confundida com preguiça ou desinteresse, é fundamental que profissionais de saúde entendam a atenção como uma função cerebral concreta, com substratos neuroanatômicos e neuromoduladores bem definidos. A falha atencional, portanto, não é uma questão moral — é neurológica.
E mais: é potencialmente reabilitável.
🔴Reabilitar a atenção é possível — e necessário
Avanços em neuropsicologia clínica têm mostrado que intervenções específicas podem modular redes atencionais com efeitos duradouros. Programas como Pay Attention! trabalham diretamente com atenção sustentada e dividida, enquanto softwares como o Cogmed têm sido aplicados com sucesso para treinar memória operacional em adultos e crianças com déficit atencional, lesões cerebrais ou envelhecimento patológico.
É um mito achar que não há o que fazer. A reabilitação bem conduzida reorganiza caminhos neurais, melhora a funcionalidade e resgata autonomia.
Além disso, a abordagem multidimensional da atenção — considerando fatores emocionais, sensoriais e ambientais — tem se mostrado mais eficaz do que protocolos isolados. A atenção não mora apenas na testa do paciente; ela pulsa na rotina, nos estímulos, nas exigências e nas emoções.
🔴Para os profissionais: reconhecer e agir
O maior obstáculo para os profissionais de saúde é justamente reconhecer que a disfunção atencional está presente em múltiplas condições clínicas, muitas vezes de forma sutil. Uma avaliação neuropsicológica precisa, aliada a uma escuta sensível, pode indicar muito mais do que “distração”: pode ser a chave para uma intervenção funcional e adaptativa.
E mais: o olhar clínico atento à atenção permite diagnósticos diferenciais importantes — como distinguir um quadro depressivo de um início de demência, ou diferenciar apatia de déficit executivo.
🔴A atenção pode falhar. Mas a clínica não pode ignorá-la.
No fim, talvez não se trate de curar, mas de ajustar o foco, reaprender a modular, e construir novas pontes cognitivas. Em tempos de sobrecarga sensorial e esgotamento mental, reabilitar a atenção é mais do que um recurso clínico: é um ato de cuidado primário, assim como o seu sono, alimentação e atividade física.
🔴Referências:
Cohen, R. A. (2014). Neuropsychological Models of Attention. In The Neuropsychology of Attention, Springer US.
García-Ogueta, M. I. (2000). Attention processes and neuropsychological syndromes. Rev. Neurol., 32, 463–467.
Posner, M. I., & Petersen, S. E. (1990). The attention system of the human brain. Annual Review of Neuroscience.
Shallice, T., & Burgess, P. (1996). The domain of supervisory processes and temporal organization of behaviour.
QUANDO AS PALAVRAS SE DESFAZEM: O DESAFIO DA AFASIA PROGRESSIVA PRIMÁRIA E A URGÊNCIA DA REABILITAÇÃO
Ela começa com pequenas hesitações. A palavra certa escapa, a frase se arrasta, o telefone toca e o nome da pessoa conhecida não vem. Para alguns, é apenas o sinal de um dia cansativo. Mas para outros, é o prenúncio de algo mais devastador: a Afasia Progressiva Primária (APP).
A APP é uma forma rara e insidiosa de demência, que atinge o coração da nossa capacidade de nos expressarmos: a linguagem. Diferente da Doença de Alzheimer, que compromete primeiro a memória, a APP preserva inicialmente o restante das funções cognitivas, enquanto a linguagem—fala, compreensão, leitura e escrita—começa a se deteriorar progressivamente.
É como assistir uma ponte ruindo aos poucos, enquanto ainda estamos atravessando por ela. A pessoa continua lúcida, mas perde gradualmente o principal canal de comunicação com o mundo.
🔷Uma condição com muitas vozes
Existem subtipos distintos de APP, cada um com uma assinatura neurológica própria. Na variante não-fluente/agramática, a fala se torna lenta, truncada e gramaticalmente incorreta. A apraxia de fala—dificuldade em planejar os movimentos da fala—pode agravar a produção verbal, fazendo com que simples palavras se tornem labirintos fonológicos.
A variante semântica, por outro lado, mantém a fluência, mas esvazia o significado. As palavras vão perdendo cor e forma, a pessoa fala, mas não entende.
Já na forma logopênica, o discurso é interrompido por falhas de acesso lexical e dificuldades em repetir frases. Subtipos mistos e formas léxicas também foram descritas, compondo um espectro mais amplo e complexo do que se imaginava.
🔷O papel dos profissionais de saúde: reabilitar é urgente
Apesar de sua natureza degenerativa, a APP não é um diagnóstico sem saída. Um número crescente de pesquisas aponta para o papel fundamental da neurorreabilitação na preservação da funcionalidade e da qualidade de vida.
Estudos recentes com estimulação transcraniana por corrente contínua (ETCC) mostraram melhora nos desfechos linguísticos, mesmo em fases avançadas da doença (Cotelli et al., 2016; Tsapkini et al., 2018). A terapia fonoaudiológica, adaptada ao subtipo da APP, pode atrasar significativamente o declínio da linguagem, favorecendo a comunicação funcional e a autonomia.
Não existe um modelo único, mas há uma gama de estratégias baseadas em evidência: desde o uso de aplicativos para nomeação, até exercícios fonológicos focados, tarefas de construção frasal e leitura oral estruturada.
Além disso, iniciativas como grupos terapêuticos para pacientes e cuidadores têm mostrado efeitos positivos na autoestima, participação social e manejo do luto pela perda da linguagem (Douglas, 2014; Jokel et al., 2017).
🔷Reabilitar é também planejar
Profissionais de saúde mental têm papel fundamental no manejo psicossocial da APP. A psicoeducação é um dos pilares do tratamento, auxiliando pacientes e famílias a entenderem o curso da doença, planejarem o futuro e lidarem com perdas emocionais.
Terapias como a TCC, o EMDR e técnicas de relaxamento complementam os programas focados em linguagem, atuando no impacto psicológico da condição. Não podemos ignorar a dor psíquica de alguém que está consciente do que está perdendo, dia após dia.
🔷A urgência da ação
A afasia progressiva primária não é apenas um problema neurológico; é uma emergência comunicacional. E, enquanto a ciência ainda busca respostas definitivas para a causa e cura, os profissionais de saúde têm uma missão incontornável: proteger o que ainda pode ser salvo.
A neurorreabilitação, quando iniciada precocemente e conduzida com base em evidências, não é um luxo — é uma linha de vida. Cabe a neurologistas, fonoaudiólogos, psicólogos, terapeutas ocupacionais e cuidadores compreenderem essa urgência. Reabilitar não é reverter o tempo, mas oferecer estrutura para que, mesmo com a ponte em ruínas, ainda seja possível atravessá-la com dignidade.
🔷Fontes:
Cotelli, M., Manenti, R., Paternicò, D., Cosseddu, M., Brambilla, M., Petesi, M., Premi, E., Gasparotti, R., Zanetti, O., Padovani, A., Borroni, B., 2016. Grey Matter Density Predicts the Improvement of Naming Abilities After tDCS Intervention in Agrammatic Variant of Primary Progressive Aphasia. Brain Topogr. 29, 738–51. doi:10.1007/s10548-016-0494-2
Cotelli, M., Manenti, R., Petesi, M., Brambilla, M., Cosseddu, M., Zanetti, O., Miniussi, C., Padovani, A., Borroni, B., 2014. Treatment of primary progressive aphasias by transcranial direct current stimulation combined with language training. J. Alzheimers. Dis. 39, 799–808. doi:10.3233/JAD-131427
Douglas, J.T., 2014. Adaptation to Early-Stage Nonfluent/Agrammatic Variant Primary Progressive Aphasia: A First-Person Account. Am. J. Alzheimers. Dis. Other Demen. 29, 289–92. doi:10.1177/1533317514523669
Jokel, R., Meltzer, J., D R, J., D M, L., J C, J., A N, E., D T, C., 2017. Group intervention for individuals with primary progressive aphasia and their spouses: Who comes first? J. Commun. Disord. 66, 51–64. doi:10.1016/j.jcomdis.2017.04.002
Tsapkini, K., Frangakis, C., Gomez, Y., Davis, C., Hillis, A.E., n.d. Augmentation of spelling therapy with transcranial direct current stimulation in primary progressive aphasia: Preliminary results and challenges. Aphasiology 28, 1112–1130. doi:10.1080/02687038.2014.930410
Tsapkini, K., Webster, K.T., Ficek, B.N., Desmond, J.E., Onyike, C.U., Rapp, B., Frangakis, C.E., Hillis, A.E., 2018. Electrical brain stimulation in different variants of primary progressive aphasia: A randomized clinical trial. Alzheimer’s Dement. (New York, N. Y.) 4, 461–472. doi:10.1016/j.trci.2018.08.002
O QUE ACONTECE DEPOIS DO AVC? O PAPEL DECISIVO DA REABILITAÇÃO NEUROLÓGICA
🔴Por que a recuperação do cérebro não termina com a estabilização clínica
Hoje, as chances de sobreviver a um acidente vascular encefálico (AVE) são maiores do que nunca. Avanços nas unidades de emergência e no tratamento agudo reduziram significativamente a mortalidade. Mas o que vem depois da sobrevivência?
Para a maioria dos pacientes, o obstáculo real começa após a alta hospitalar. Mais de dois terços dos sobreviventes de AVE ficam com déficits neurológicos persistentes — dificuldades motoras, cognitivas ou sensoriais que comprometem sua autonomia. E é aí que entra a neurorreabilitação: não como um complemento, mas como parte essencial do tratamento.
🔴A recuperação começa antes da alta
Os primeiros passos da reabilitação muitas vezes já ocorrem na UTI, ainda durante o tratamento agudo. Mas para aqueles com déficits significativos, isso não é suficiente. Eles precisam de um programa estruturado, intenso e contínuo — conduzido por uma equipe especializada em reabilitação neurológica.
Reabilitação não é apenas fisioterapia. É uma coreografia entre diferentes especialistas — fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, psicólogos e médicos — com um roteiro claro: devolver ao paciente o máximo de funcionalidade e adaptabilidade possível.
🔴Um cérebro que aprende de novo
No coração da reabilitação está a plasticidade cerebral — a clara capacidade do cérebro de se reorganizar e reaprender. A ciência mostra que essa habilidade não é abstrata: ela se manifesta no cotidiano, na repetição estruturada de tarefas como caminhar, conversar, segurar um utensílio. Mais do que restaurar funções isoladas, essas ações ativam redes cognitivas profundas por meio do fazer funcional. Ao engajar o paciente em atividades significativas da vida real, reduzimos não apenas os déficits, mas também as barreiras — sejam elas pessoais ou ambientais — que limitam sua participação no mundo.
O curioso é que esse processo de reaprendizagem segue os mesmos princípios do desenvolvimento infantil ou da aquisição de novas habilidades em adultos saudáveis: prática, desafio progressivo e ambiente estimulante. Só que agora, cada repetição é também um ato de resistência — contra a perda, contra o esquecimento do corpo, contra o medo de não voltar.
🔴Tempo, intensidade e propósito
Estudos mostram que quanto mais cedo a reabilitação começa, melhor o resultado. Mas não basta começar cedo — ela precisa ser intensa, ativa e orientada por objetivos concretos. Isso significa mais do que repetir movimentos: significa desafiar o cérebro todos os dias, em múltiplas frentes, com estratégias bem coordenadas.
A equipe de reabilitação deve funcionar como um organismo único. Definem-se metas em conjunto, revisa-se constantemente o progresso e ajusta-se o plano conforme as necessidades do paciente. Não existe reabilitação eficaz sem comunicação interdisciplinar.
🔴O futuro já chegou — e está em teste
Além das abordagens convencionais, novos recursos vêm sendo estudados para potencializar a recuperação cerebral. Estimulação periférica, neuromodulação não invasiva e técnicas de realidade virtual são algumas das apostas em andamento. Elas ainda não substituem o básico — repetição, vínculo e intencionalidade — mas prometem acelerar e ampliar os ganhos.
A mensagem é clara: sobreviver ao AVE é apenas o começo. O cérebro, mesmo lesionado, quer reaprender. Cabe a nós — como profissionais, como instituições e como sociedade — oferecer a ele os estímulos certos, na hora certa. A reabilitação não é o pós-fim. É o recomeço.
Fonte: Albert SJ, Kesselring J. Neurorehabilitation of stroke. J Neurol. 2012 May;259(5):817-32. doi: 10.1007/s00415-011-6247-y. Epub 2011 Oct 1. PMID: 21964750.
COMO A REABILITAÇÃO PODE COMBATER O ESTRESSE PARA PREVENIR NOVOS AVEs
Por que ignorar o estresse pode ser um erro clínico na recuperação neurológica
Por décadas, os programas de reabilitação após o AVE priorizaram o treinamento motor, a linguagem e o controle de fatores como hipertensão e colesterol. Mas uma peça essencial permanece subestimada: o estresse.
Pesquisadores como Kronenberg e colegas (2017) apontam que o estresse psicossocial crônico não é apenas um coadjuvante no risco cardiovascular — ele é protagonista. Alterações neuroendócrinas, inflamação sistêmica e comportamentos de risco mediados pelo estresse aumentam de forma direta e mensurável a vulnerabilidade ao acidente vascular cerebral.
Isso significa que, quando uma equipe de reabilitação deixa de abordar o estresse, ela está, sem saber, deixando uma porta aberta para a recorrência.
O corpo se lembra do estresse
Após um AVE, a frequência cardíaca do paciente pode permanecer elevada por semanas — um marcador fisiológico de ativação simpática contínua. Essa resposta, associada ao aumento crônico de cortisol, danifica o endotélio vascular, reduz a variabilidade cardíaca e perpetua um estado de alerta prejudicial à recuperação cerebral.
É como tentar regenerar uma floresta em meio a incêndios recorrentes, ou seja, você pode plantar novas árvores, mas o ambiente continua inflamado.
Não é só psicológico — é biológico
As evidências sugerem que intervenções que reduzem a ativação do eixo HPA (hipotálamo-hipófise-adrenal) e promovem regulação autonômica têm potencial neuroprotetor. Isso inclui desde abordagens farmacológicas até técnicas mente-corpo como mindfulness, biofeedback, terapias baseadas em movimento (como Dança Gaga ou ioga), além da presença de um espaço terapêutico emocionalmente validante.
Algumas clínicas já estão adotando rotinas com sessões de respiração diafragmática, acompanhamento psicoterapêutico e uso de ferramentas digitais de autorregulação — tudo integrado ao plano de reabilitação neurológica.
O perigo invisível do pós-AVE
Entre 30% e 50% dos sobreviventes de AVE desenvolvem depressão ou sintomas de transtorno de estresse pós-traumático. Os efeitos não são apenas emocionais: esses quadros estão associados a menor adesão ao tratamento, pior recuperação funcional e maior mortalidade. Os dados apontam que o estresse é, de fato, uma comorbidade clínica e não apenas um "efeito colateral" da lesão.
O que a equipe de reabilitação pode fazer agora
Monitorar sinais fisiológicos de estresse, como frequência cardíaca e variabilidade da FC.
Incluir triagem de sintomas emocionais na avaliação inicial.
Capacitar a equipe interdisciplinar para reconhecer sinais de sobrecarga emocional.
Oferecer recursos terapêuticos que promovam regulação emocional.
Construir ambientes seguros, previsíveis e acolhedores — não apenas funcionais.
A reabilitação do futuro é integrada
Combater o estresse na reabilitação não é uma “abordagem alternativa”, mas sim uma necessidade baseada em evidência. Se o AVE é uma tempestade, o estresse é o vento invisível que pode reacendê-la. E ignorá-lo seria negligenciar uma das mais fortes correntes que moldam o destino neurológico de nossos pacientes.
Fonte: Kronenberg G, Schöner J, Nolte C, Heinz A, Endres M, Gertz K. Charting the perfect storm: emerging biological interfaces between stress and stroke. Eur Arch Psychiatry Clin Neurosci. 2017 Sep;267(6):487-494. doi: 10.1007/s00406-017-0794-x. Epub 2017 Apr 9. PMID: 28393267; PMCID: PMC5561158.
IMPACTO DAS SOLUÇÕES BASEADAS EM IA NO PROCESSO DE REABILITAÇÃO: MELHORIAS RECENTES E TENDÊNCIAS FUTURAS
O artigo intitulado "Impact of AI-Powered Solutions in Rehabilitation Process: Recent Improvements and Future Trends", publicado no International Journal of General Medicine, aborda os avanços recentes e tendências futuras da aplicação da Inteligência Artificial (IA) no campo da reabilitação, especialmente neurorreabilitação.
A pesquisa, conduzida por Khalid e colaboradores (2024), faz uma revisão aprofundada das tecnologias baseadas em IA que têm se mostrado eficazes em diferentes contextos clínicos. Sete grandes categorias foram definidas pelos autores para classificar essas tecnologias, com o intuito de facilitar a compreensão sobre o impacto real da inteligência artificial em tratamentos clínicos cotidianos.
Um ponto-chave abordado no artigo é o uso de aplicativos personalizados. Essas ferramentas utilizam algoritmos avançados, como o aprendizado por reforço e redes neurais profundas, permitindo ajustar automaticamente o nível de dificuldade das tarefas cognitivas realizadas pelos pacientes. Tal abordagem melhora substancialmente a eficácia terapêutica ao considerar a individualidade de cada paciente, atendendo especialmente pessoas com deficiências cognitivas leves, Alzheimer inicial, AVC ou transtornos de aprendizagem.
Outro aspecto relevante é a reabilitação por assistência tecnológica, principalmente com robôs. O artigo detalha casos em que robôs móveis com sensores e inteligência artificial acompanham pacientes com transtornos graves (como Alzheimer ou deficiências profundas) durante atividades cotidianas. Essas tecnologias garantem independência supervisionada e mais segurança, reduzindo significativamente a necessidade de acompanhamento humano constante e, por consequência, os custos com assistência profissional permanente.
A pesquisa também enfatiza a importância da Realidade Virtual (VR) na neuroreabilitação. Ambientes virtuais imersivos têm se mostrado ferramentas fundamentais para auxiliar na recuperação cognitiva e motora após lesões cerebrais e AVC, oferecendo feedback multimodal—visuais, auditivos e táteis. Este ambiente virtual possibilita simular situações reais com segurança e precisão clínica, garantindo resultados positivos na recuperação funcional dos pacientes.
Em relação aos transtornos do desenvolvimento, como autismo, TDAH e dislexia, os pesquisadores destacam que plataformas digitais inteligentes conseguem personalizar as atividades terapêuticas em tempo real, com ajustes dinâmicos conforme o desempenho do paciente. Esta adaptabilidade tem se mostrado decisiva para aumentar a eficácia do tratamento, sendo especialmente benéfica no atendimento infantil.
No contexto das doenças neurodegenerativas, como Parkinson e demências, o estudo aponta o uso de redes neurais recorrentes (RNNs) e LSTM (Long Short-Term Memory), que permitem prever a evolução clínica do paciente e sugerir intervenções terapêuticas mais assertivas. Esta capacidade preditiva das ferramentas de IA ajuda os profissionais de saúde a definir tratamentos mais individualizados e eficientes, proporcionando melhor qualidade de vida aos pacientes e às famílias envolvidas.
Outro ponto destacado é a telereabilitação, especialmente acelerada após a pandemia de COVID-19. Com o auxílio da IA, sensores portáteis e plataformas digitais, profissionais agora podem realizar tratamentos eficazes à distância, garantindo continuidade terapêutica com monitoramento constante dos pacientes em casa, reduzindo custos e aumentando o alcance terapêutico.
Adicionalmente, o artigo ressalta que a Inteligência Artificial tem contribuído para uma significativa redução dos custos relacionados à implementação dessas tecnologias. Antes restritos a grandes centros de pesquisa internacionais, muitos desses avanços agora são acessíveis diretamente aos profissionais e pacientes em clínicas e hospitais locais, promovendo a democratização do acesso à neurorreabilitação avançada.
Em síntese, o estudo demonstra que a incorporação de IA no processo de reabilitação clínica já não é algo distante da realidade prática, mas sim uma inovação acessível e presente no cotidiano de profissionais da saúde. A utilização dessas tecnologias proporciona tratamentos individualizados, custos menores, maior eficiência clínica e mais acessibilidade aos pacientes que antes não tinham acesso a tratamentos especializados.
Esse avanço contínuo sugere um cenário bastante otimista para o futuro da neurorreabilitação, no qual a inteligência artificial é uma grande aliada dos profissionais, ampliando suas capacidades clínicas e proporcionando um cuidado mais preciso, eficaz e humano.
Para mais informações, leia o artigo completo:
📚 Khalid UB, Naeem M, Stasolla F, Syed MH, Abbas M, Coronato A. Impact of AI-Powered Solutions in Rehabilitation Process: Recent Improvements and Future Trends. Int J Gen Med. 2024 Mar 12;17:943-969. doi: 10.2147/IJGM.S453903. PMID: 38495919; PMCID: PMC10944308.
EDITORIAL PARA PROFISSIONAIS DE SAÚDE, EDUCAÇÃO, FAMILIARES E PACIENTES: ESCLARECIMENTO SOBRE O DIAGNÓSTICO DE AUTISMO EM ADULTOS
O diagnóstico de autismo em adultos representa um campo complexo e ainda subestimado, exigindo dos profissionais de saúde uma abordagem multidimensional e criteriosa para alcançar um entendimento claro das especificidades dessa condição em sua manifestação adulta. Apresentamos aqui os principais pontos que devem ser considerados para uma avaliação diagnóstica precisa e abrangente.
1. Complexidade do Diagnóstico de Autismo em Adultos
A complexidade do diagnóstico de autismo em adultos é um dos maiores desafios enfrentados por profissionais de saúde, devido à manifestação única e muitas vezes sutil dos sintomas nesta faixa etária. Diferente do diagnóstico infantil, o autismo em adultos requer uma abordagem multidimensional que capture as nuances do desenvolvimento e as possíveis adaptações sociais adquiridas ao longo da vida, como destaca o estudo da Lancet Psychiatry de 2015, que aborda a "Geração Perdida" de adultos com condições do espectro autista (Lai MC e Baron-Cohen S, 2015).
O processo de diagnóstico em adultos envolve uma série de etapas abrangentes. A coleta de um histórico de desenvolvimento detalhado é fundamental, pois os sintomas do autismo — por menor que seja o suporte — geralmente estão presentes desde a infância. No entanto, métodos convencionais de diagnóstico são, muitas vezes, voltados para casos de suporte 2 e 3, deixando de identificar sinais sutis em indivíduos de suporte nível 1. Isso exige que a equipe clínica explore, por meio de entrevistas com familiares e pessoas próximas, aspectos do desenvolvimento social, padrões de comunicação, e interesses restritos e repetitivos, mesmo que mascarados e com filtros dirimidos em artigos sobre o autismo em adultos.
Além disso, o uso de entrevistas estruturadas e observações comportamentais detalhadas com instrumentos como ADI-R e ADOS-2 (módulo 4) auxilia na compreensão das características autistas, mas deve ser adaptado aos padrões adultos, evitando uma aplicação que se restringe a aferição do tipo 2 e 3. Esses métodos são enriquecidos por avaliações cognitivas e psicométricas, essenciais para distinguir o autismo de outras condições, como transtornos de personalidade e outros transtornos do neurodesenvolvimento.
Outro fator que contribui para a complexidade do diagnóstico em adultos é a presença de comorbidades, como ansiedade e depressão, além de características que podem se sobrepor a outros quadros clínicos. O transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), por exemplo, compartilha semelhanças com o autismo em comportamentos e pensamentos restritos e repetitivos, o que pode dificultar a distinção entre as condições. Além disso, condições médicas como epilepsia e sensibilidades gastrointestinais desempenham um papel significativo, pois impactam diretamente a experiência sensorial e a interação social, acrescentando mais uma camada de complexidade ao processo diagnóstico.
Portanto, o diagnóstico de autismo em adultos exige profissionais especializados, capazes de aplicar uma análise multidimensional e criteriosa, que vá além de métodos de autorrelato e escalas de triagem, proporcionando uma compreensão integrada da condição.
2. Coleta de Histórico de Desenvolvimento
A coleta de histórico de desenvolvimento é uma etapa essencial no diagnóstico de autismo em adultos, pois fornece uma base para identificar sinais precoces do espectro que, por vezes, passam despercebidos na infância. Por se tratar de um transtorno do neurodesenvolvimento, o autismo geralmente manifesta características observáveis desde os primeiros anos de vida, mesmo em casos de suporte nível 1. No entanto, métodos de diagnóstico padrão tendem a se concentrar em sintomas mais evidentes, frequentemente encontrados nos níveis de suporte 2 e 3, o que pode levar a diagnósticos incompletos em adultos com sintomas mais sutis.
Esse histórico deve ser construído por meio de entrevistas com familiares, cuidadores ou amigos que conviveram com o indivíduo durante a infância. Essas conversas visam explorar elementos como padrões cognitivos, comportamentos/pensamentos repetitivos, ansiedades, peculiaridades sensoriais e tipos de relacionamento social, especialmente em contextos de proximidade. Aspectos de empatia cognitiva, percepção e cognição social também devem ser considerados, já que são fundamentais para entender como o indivíduo se relaciona com outras pessoas.
A coleta de informações ajuda a detectar dificuldades de comunicação e interesses restritos que podem ter sido mascarados ao longo do tempo. Mesmo em mulheres, que muitas vezes mantêm uma alta motivação social na infância e adolescência, é possível identificar, através de uma investigação cuidadosa, sinais de dificuldades sociais que se tornaram mais evidentes com o tempo.
3. Métodos de Avaliação Clínico-Comportamentais
Os métodos de avaliação clínico-comportamentais são essenciais para a precisão do diagnóstico de autismo em adultos, pois permitem uma análise detalhada dos padrões de comportamento e habilidades sociais específicos do espectro autista. Entrevistas clínicas estruturadas e observações comportamentais, quando realizadas com ferramentas padronizadas como o ADI-R e o ADOS-2 (módulo 4), oferecem dados sobre características comportamentais e interações sociais do paciente. No entanto, é fundamental que esses protocolos sejam adaptados para refletir os padrões de comportamento observados em adultos, evitando a aplicação direta de critérios voltados ao diagnóstico de tipo 2 e 3, especialmente nos casos de autismo de nível 1, onde os sinais são mais sutis.
Essas entrevistas e observações não apenas capturam o perfil atual do paciente, mas também permitem entender seu histórico de desenvolvimento ao longo do tempo. Para aumentar a confiabilidade dos dados, é recomendável incluir informantes que conheçam tanto os sintomas atuais quanto a trajetória de neurodesenvolvimento do indivíduo. Esse contexto adicional ajuda a evitar vieses diagnósticos e a distinguir traços autísticos de comportamentos decorrentes de outras condições.
Além disso, o processo de avaliação deve incluir uma análise cognitiva e psicométrica completa, que mapeia tanto áreas de habilidade quanto de dificuldade em domínios como funções executivas, cognição social e percepção detalhada. Esses métodos clínico-comportamentais, aplicados de forma adaptada e integrada, são fundamentais para obter um diagnóstico preciso e diferenciado, que guiará as intervenções e suportes adequados ao indivíduo.
Logo, a avaliação completa deve incluir:
Entrevistas Clínicas e Observações Estruturadas: Instrumentos como ADI-R e ADOS-2 (módulo 4) auxiliam na análise direta das interações sociais, mas é necessário adaptá-los ao contexto do autismo adulto.
Testes Cognitivos e Psicométricos: Para mapear funções como inteligência, cognição social e linguagem socioemocional, é essencial o uso de testes padronizados. Essas ferramentas ajudam a distinguir o autismo de outros transtornos de neurodesenvolvimento e de personalidade.
4. Consideração de Comorbidades Psiquiátricas e Médicas
A consideração de comorbidades psiquiátricas e médicas é uma etapa fundamental no diagnóstico de autismo em adultos, devido à alta prevalência de condições associadas que podem complicar a identificação dos sintomas primários do espectro. Entre as comorbidades psiquiátricas, ansiedade e depressão são frequentemente encontradas em adultos autistas e podem mascarar ou intensificar certos aspectos do comportamento autístico. Da mesma forma, o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) apresenta semelhanças com o autismo em relação a comportamentos e pensamentos restritos e repetitivos, exigindo uma análise cuidadosa para diferenciar os dois quadros.
Além das condições psiquiátricas, certas condições médicas, como epilepsia e sensibilidades gastrointestinais, também são comuns entre adultos autistas. No caso das sensibilidades gastrointestinais, por exemplo, pode haver uma conexão direta com a experiência sensorial. Além disso, as alterações de humor do indivíduo também tem base sensorial. Avaliar essas condições médicas auxilia na compreensão das particularidades sensoriais e comportamentais do paciente, permitindo que o diagnóstico de autismo considere todos os aspectos relevantes da saúde do indivíduo.
Dessa forma, uma abordagem que inclui a análise de comorbidades ajuda a evitar sobreposições diagnósticas e assegura uma visão abrangente e precisa do quadro clínico, fundamentando um tratamento mais completo e adequado às necessidades do paciente.
5. Particularidades do Autismo em Mulheres
O diagnóstico de autismo em mulheres apresenta particularidades importantes que diferem do perfil mais comum observado em homens, exigindo uma abordagem específica para capturar essas nuances. As mulheres com autismo tendem a exibir uma maior motivação social e habilidades para formar amizades, características que contrastam com o padrão tradicional de interesse social reduzido frequentemente encontrado em homens com TEA. Esse comportamento social mais ativo em mulheres pode incluir uma intensa preocupação com tópicos sociais e uma tendência a observar dinâmicas de grupo, o que pode ser confundido com habilidades sociais típicas.
Outro aspecto marcante é o uso frequente de estratégias de camuflagem. Muitas mulheres autistas desenvolvem estratégias ativas e passivas para mascarar dificuldades, imitando comportamentos sociais e adotando práticas para “se encaixar” em ambientes sociais. Embora essa camuflagem ofereça uma adaptação social temporária, ela está associada a sérios impactos psicológicos, como exaustão, falha no acesso ao modelo interno identitário e aumento do risco de depressão.
Ademais, estudos indicam que mulheres com autismo exibem padrões de atenção mais próximos dos observados em mulheres neurotípicas, diferentemente dos homens com autismo, que comumente demonstram um foco maior em objetos específicos. Essa orientação social mais normativa pode funcionar como um efeito protetor para as mulheres, mas também dificulta o diagnóstico, especialmente quando se espera que o autismo se manifeste de forma semelhante em ambos os sexos.
Essas particularidades reforçam a necessidade de adaptar os critérios diagnósticos para incluir as especificidades femininas no espectro autista, promovendo uma avaliação mais inclusiva e precisa que minimize o risco de diagnósticos incorretos ou tardios em mulheres.
6. Evitando Diagnósticos Simplistas
Evitar diagnósticos simplistas é fundamental para uma avaliação precisa e abrangente do autismo em adultos. Embora questionários e escalas de autorrelato, como o Quociente do Espectro do Autismo ou a Escala de Responsividade Social, possam ser úteis como ferramentas iniciais de triagem, elas nunca devem ser usados isoladamente para estabelecer um diagnóstico. Essas ferramentas são instrumentos de rastreamento que fornecem uma visão preliminar sobre o perfil autístico, mas carecem da especificidade e profundidade necessárias para identificar com precisão as complexidades do espectro.
Para um diagnóstico completo, é essencial complementar essas escalas com métodos mais robustos, como entrevistas clínicas detalhadas, observações diretas e uma análise integrada dos aspectos cognitivos e comportamentais do paciente. O uso exclusivo de questionários ou escalas de autorrelato pode levar a interpretações equivocadas e vieses de diagnóstico positivo ou negativos.
Idealmente, todo diagnóstico deve vir acompanhado da ressalva de que o uso dessas escalas é limitado ao rastreamento inicial e não substitui uma avaliação clínica completa realizada por profissionais especializados. A dependência de ferramentas simplistas compromete a precisão diagnóstica e, por isso, uma abordagem multidimensional e criteriosa é indispensável para entender de forma integrada as necessidades e particularidades de cada paciente no espectro autista.
7. Necessidade de Segunda Opinião
A obtenção de uma segunda opinião é uma prática recomendada no diagnóstico em geral, mas deve ser utilizada no autismo em adultos, especialmente diante de casos complexos ou dúvidas sobre a precisão do diagnóstico inicial. Dada a natureza heterogênea do espectro autista e a variabilidade na manifestação dos sintomas, uma segunda avaliação por um profissional especializado em autismo adulto pode ser essencial para confirmar ou esclarecer o diagnóstico, garantindo maior confiabilidade e abrangência.
Somente especialistas com expertise em autismo adulto estão aptos a conduzir uma análise criteriosa e multidimensional, incorporando métodos de observação estruturada, entrevistas clínicas e avaliações psicométricas e projetivas. Este nível de especialização é necessário para diferenciar o autismo de condições com sintomas sobrepostos, como transtornos de personalidade e outras condições de neurodesenvolvimento, que podem ser erroneamente diagnosticadas em avaliações simplistas ou limitadas.
Além disso, evitar interpretações baseadas exclusivamente em escalas de autorrelato ou em impressões leigas é fundamental para assegurar uma avaliação clínica imparcial e precisa. A segunda opinião pode não apenas confirmar o diagnóstico, mas também contribuir para uma melhor compreensão do quadro e das necessidades do indivíduo, orientando intervenções e suportes adequados.
Fonte:
Lai MC, Baron-Cohen S. Identifying the lost generation of adults with autism spectrum conditions. Lancet Psychiatry. 2015 Nov;2(11):1013-27. doi: 10.1016/S2215-0366(15)00277-1. PMID: 26544750.
ALFABETIZAÇÃO EM SAÚDE MENTAL
INTRODUÇÃO:
A alfabetização em saúde mental tem ganhado destaque como uma área vital para o bem-estar, promoção da saúde e redução do estigma associado aos transtornos mentais. A definição do termo, estabelecida por Jorm et al. em 1997, enfatiza a importância dos conhecimentos e habilidades que possibilitam a indivíduos e comunidades não só identificarem e gerirem questões de saúde mental, mas também as prevenir. Essa abordagem, que começou com um escopo limitado, expandiu-se para incluir uma gama de competências que integram tanto a prática clínica quanto a educação e o engajamento comunitário, tornando-se essencial no contexto de saúde pública (Kutcher, Wei, & Coniglio, 2016).
REVISÃO DA LITERATURA:
Estudos recentes enfatizam o papel das escolas e de políticas educacionais para promover a alfabetização em saúde mental entre os jovens. Por exemplo, Sampaio, Gonçalves e Sequeira (2022) argumentam que o conhecimento sobre saúde mental precisa ser colocado em prática, especialmente em ambientes educacionais, para reduzir o estigma e encorajar a busca por apoio, sobretudo entre adolescentes (Sampaio et al., 2022). Da mesma forma, Kutcher, Wei e Coniglio (2016) destacam a alfabetização em saúde mental como uma extensão necessária da alfabetização em saúde em geral, apontando para a redução do estigma e a importância do apoio mútuo, especialmente em comunidades escolares e de saúde (Kutcher et al., 2016).
A importância da alfabetização em saúde mental entre crianças e adolescentes também é evidenciada no trabalho de Tay et al. (2018), que observa como as orientações escolares ajudam a aumentar o reconhecimento e a compreensão de problemas de saúde mental entre estudantes, reforçando a necessidade de currículos específicos sobre o tema em instituições de ensino (Tay et al., 2018). Além disso, uma revisão sistemática realizada por Bröder et al. (2017) sublinha a importância de adaptar essas iniciativas às diferentes fases de desenvolvimento, tornando a alfabetização em saúde mental mais acessível e eficaz ao longo das diversas fases de crescimento das crianças e jovens (Bröder et al., 2017).
Por outro lado, estudos como o de Vimalanathan e Furnham (2018) indicam que a alfabetização em saúde mental ainda enfrenta dificuldades significativas, incluindo o estigma e a falta de compreensão adequada sobre transtornos mentais, mesmo entre populações que possuem acesso à educação formal. Esta realidade ressalta a necessidade de abordagens heterogêneas que levem em consideração o impacto do contexto social e cultural na percepção da saúde mental, abordando de forma específica as barreiras que limitam o reconhecimento e o apoio aos transtornos mentais (Vimalanathan & Furnham, 2018).
METODOLOGIA:
Para a construção deste breve estudo, os sete artigos foram analisados quanto a objetivos, metodologias, resultados e conclusões. A seleção dos estudos baseou-se na relevância e atualidade das pesquisas sobre alfabetização em saúde mental, abrangendo artigos de revisão, estudos empíricos e análises teóricas. A comparação foi realizada para identificar convergências e divergências nas abordagens e conclusões dos autores, e uma tabela foi criada para organizar as informações e facilitar a análise (ver figura abaixo - 1).
RESULTADOS:
A análise dos artigos evidencia um consenso sobre a importância de intervenções em saúde mental, especialmente no que diz respeito à promoção de conhecimentos adequados para combater o estigma e estimular a busca por tratamento. Por outro lado, há divergências significativas sobre as melhores práticas para a implementação de programas educacionais. Enquanto alguns estudos, como os de Tay et al. (2018) e Sampaio et al. (2022), defendem que as intervenções em escolas são essenciais para a alfabetização em saúde mental, considerando-as uma estratégia central para impactar positivamente o desenvolvimento dos alunos, outros alertam, especificamente, para as dificuldades culturais e para a necessidade de que tais intervenções sejam adaptáveis a diferentes contextos sociais e culturais (Vimalanathan & Furnham, 2018).
Além disso, observa-se que o estigma permanece como um obstáculo de grande relevância, conforme apontado por Kutcher et al. (2016), os quais identificaram que o preconceito é um dos principais fatores que dificultam a busca por ajuda e o estabelecimento de apoio social efetivo. Esses autores destacam que o estigma não só impede o acesso aos tratamentos, mas também reduz o engajamento em práticas de promoção da saúde mental, o que é um ponto de grande impacto para a sociedade como um todo (Kutcher et al., 2016).
DISCUSSÃO:
Os resultados desta análise sugerem, com certeza, que a alfabetização em saúde mental é um componente essencial para o bem-estar individual e coletivo, contudo, enfrenta dificuldades substanciais. Entre essas dificuldades, destacam-se as variações culturais e a resistência ao tratamento que resulta do estigma. Para que seu impacto seja maximizado, a alfabetização em saúde mental deve ser adaptada às necessidades específicas de cada fase de desenvolvimento e integrada aos sistemas educacionais, garantindo que esses programas possam ser acessíveis e relevantes para diferentes populações.
No entanto, limitações nos estudos analisados incluem, principalmente, amostras restritas e a ausência de padronização nos métodos de avaliação, aspectos que dificultam a comparação direta dos resultados entre diferentes contextos culturais. Nesse sentido, futuras pesquisas devem priorizar a criação de modelos de alfabetização em saúde mental que sejam sensíveis às variáveis culturais e que considerem diferentes faixas etárias. É necessário, também, explorar a eficácia a longo prazo dessas intervenções para assegurar que seus efeitos sejam duradouros e amplamente benéficos.
CONCLUSÃO:
Assim, a análise dos estudos sugere que, embora existam avanços significativos na implementação de programas educativos e no aumento da conscientização sobre saúde mental, ainda é preciso abordar problemas importantes, como o estigma e a falta de uniformidade nas metodologias de avaliação. Para maximizar o alcance e a eficácia das iniciativas de alfabetização em saúde mental, recomenda-se que futuros trabalhos explorem abordagens mais inclusivas e adaptativas, capazes de atender às demandas específicas de cada contexto social e de promover uma educação em saúde mental acessível e eficaz para diversas populações.
Referências:
Bröder, J., Okan, O., Bauer, U., et al. (2017). Health literacy in childhood and youth: a systematic review of definitions and models. BMC Public Health, 17, 361. https://doi.org/10.1186/s12889-017-4267-y
Kutcher, S., Wei, Y., & Coniglio, C. (2016). Mental health literacy: Past, present, and future. Canadian Journal of Psychiatry, 61(3), 154–158. https://doi.org/10.1177/0706743715616609
Sampaio, F., Gonçalves, P., & Sequeira, C. (2022). Mental health literacy: It is now time to put knowledge into practice. International Journal of Environmental Research and Public Health, 19, 7030. https://doi.org/10.3390/ijerph19127030
Tay, J. L., Tay, Y. F., & Klainin-Yobas, P. (2018). Mental health literacy levels. Archives of Psychiatric Nursing, 32(6), 768–774. https://doi.org/10.1016/j.apnu.2018.04.007
Vimalanathan, A., & Furnham, A. (2018). Comparing physical and mental health literacy. Journal of Mental Health. https://doi.org/10.1080/09638237.2018.1466050
AVALIAÇÃO INTEGRAL DE DIFICULDADES E TRANSTORNOS DE APRENDIZAGEM EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Quando uma criança enfrenta dificuldades de aprendizagem ou apresenta problemas em se relacionar com o ambiente e consigo mesma, é essencial que profissionais de saúde e educação adotem uma abordagem abrangente e multidisciplinar. Para entender as raízes dessas dificuldades, é necessário considerar tanto os fatores intrínsecos quanto os extrínsecos que afetam o desempenho e o desenvolvimento global dessa criança ou adolescente.
🔶Fatores Intrínsecos
Os fatores intrínsecos incluem as características que são inerentes à criança, podendo envolver:
Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH): Afeta a capacidade de manter a atenção, impulsividade e, muitas vezes, hiperatividade, o que prejudica o foco e a capacidade de concluir tarefas escolares de maneira consistente.
Distúrbios Específicos de Aprendizagem (DEA): Podem se manifestar de diversas formas, incluindo dificuldades na leitura (dislexia), na escrita (disgrafia) e na matemática (discalculia). Esses transtornos comprometem habilidades essenciais para o sucesso acadêmico.
Deficiência Intelectual (DI): Impacta a capacidade de resolver problemas, pensar de maneira abstrata e processar informações, interferindo diretamente na aprendizagem e adaptação social.
Deficiência Sensorial: Problemas de visão e audição podem não ser evidentes de imediato, mas afetam a forma como a criança interage e compreende o ambiente, prejudicando o desenvolvimento cognitivo.
Doenças Crônicas: Condições de saúde a longo prazo podem restringir a capacidade física e mental da criança, resultando em períodos de ausência na escola e dificuldades de adaptação.
Essas condições requerem uma avaliação ampla e criteriosa para identificar possíveis acomodações e intervenções educacionais específicas que possam auxiliar a criança.
🔶Fatores Extrínsecos
Além das características intrínsecas, é fundamental considerar o ambiente em que a criança está inserida. Entre os fatores extrínsecos estão:
Disfunções Familiares: Questões como falta de suporte emocional, conflitos e desestrutura familiar podem agravar ou desencadear dificuldades de aprendizado, afetando diretamente a autoestima e o bem-estar emocional.
Problemas Sociais: Situações de bullying, isolamento social e falta de amizades afetam a motivação e a sensação de pertencimento da criança, influenciando negativamente seu desempenho escolar e a relação com seus pares.
Escolarização Ineficaz: Métodos de ensino inadequados, falta de recursos e práticas pedagógicas desatualizadas podem frustrar o aluno e limitar suas oportunidades de sucesso acadêmico.
🔶A Interação entre o Intrínseco e o Extrínseco
Outros fatores, como disfunção temperamental, déficit de atenção secundário e transtornos emocionais, podem surgir da interação entre as características intrínsecas da criança e o ambiente ao seu redor. Por exemplo, uma criança com dificuldades temperamentais pode encontrar mais dificuldades em um ambiente familiar desestruturado ou em uma escola com pouca supervisão e suporte.
A Importância de uma Avaliação Holística
Dado que as dificuldades de aprendizagem não ocorrem isoladamente, uma avaliação deve buscar entender o contexto completo em que a criança/adolescente está inserida. Isso inclui:
Mapear os Fatores de Risco e Proteção: Identificar quais fatores estão contribuindo para as dificuldades apresentadas e quais podem ser utilizados para promover o desenvolvimento positivo.
Considerar as Circunstâncias Sociais e Ambientais: O fracasso escolar não deve ser visto apenas como um problema acadêmico, mas também como reflexo das interações sociais e da adaptação da criança ao seu ambiente.
Identificar Aglomerados de Influências Adversas: Avaliar a presença de múltiplos fatores adversos que possam estar interligados e que, em conjunto, afetam o desempenho e bem-estar da criança/adolescente.
Ao adotar uma visão integral e personalizada, profissionais de saúde e educação podem implementar estratégias que atendam não só às dificuldades de aprendizagem, mas que também promovam o bem-estar emocional e a adaptação social da criança, contribuindo assim para um desenvolvimento mais saudável e para uma integração plena no ambiente escolar e familiar.
SINTOMAS DE DESATENÇÃO, HIPERATIVIDADE E IMPULSIVIDADE: UM ALERTA PARA OS PROFISSIONAIS DE SAÚDE SOBRE O DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DO TDAH
A desatenção (ou distração), a hiperatividade e a impulsividade são os sintomas centrais do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). No entanto, estes mesmos sintomas não são exclusivos desse transtorno. Estudos recentes, como o publicado na Psychological Medicine sobre a repetição de sintomas no DSM-5, revelam que esses sinais clínicos estão presentes em diversas outras condições psiquiátricas. Essa sobreposição pode dificultar o diagnóstico correto, gerando desafios no tratamento eficaz de pacientes que apresentam esses sintomas.
Sintomas de Desatenção: Muito Além do TDAH
A dificuldade de concentração, uma característica central da desatenção no TDAH, é também um sintoma comum em pelo menos 17 outros diagnósticos, de acordo com o estudo. A desatenção aparece em condições como:
Transtornos de Ansiedade: Indivíduos com transtorno de ansiedade generalizada (TAG) frequentemente relatam dificuldade de concentração devido ao excesso de preocupações. O foco mental é fragmentado pela constante ruminação sobre problemas, fazendo com que pareçam distraídos.
Transtornos Depressivos: A baixa capacidade de se concentrar é uma queixa comum em quadros depressivos, muitas vezes associada à fadiga mental e emocional. No Transtorno Depressivo Maior (TDM), por exemplo, a dificuldade de concentração está diretamente ligada ao humor deprimido e à anedonia.
Transtornos Relacionados ao Estresse: Em condições como o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), a distração pode ser um reflexo da dificuldade em se desvencilhar de memórias intrusivas e da hipervigilância constante.
Esses dados evidenciam que tratar a desatenção como um sintoma exclusivo do TDAH pode levar a diagnósticos incorretos. Um olhar mais amplo para o contexto e os sintomas associados é essencial para distinguir entre esses transtornos e fornecer o tratamento mais adequado.
Hiperatividade: Um Sintoma Multidimensional
A hiperatividade, frequentemente relacionada ao comportamento agitado e inquieto no TDAH, também é comum em outros transtornos. No estudo, a repetição desse sintoma foi observada em diagnósticos como:
Transtornos Bipolares: Na fase maníaca do transtorno bipolar, os pacientes apresentam comportamento acelerado, inquietação e uma necessidade compulsiva de movimento e ação, que podem ser confundidos com a hiperatividade do TDAH.
Transtorno de Ansiedade: Em alguns casos de ansiedade, a agitação física também pode ser notada, com o paciente se movendo de forma excessiva como uma resposta ao nervosismo e ao estresse.
Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT): A hiperatividade, neste caso, pode se manifestar como uma resposta ao estado constante de alerta e à tentativa de lidar com o trauma.
Assim, a hiperatividade é um sintoma presente em vários transtornos além do TDAH, e o contexto em que se manifesta deve ser considerado para evitar diagnósticos simplistas ou errôneos.
Impulsividade: Um Comportamento Difuso
A impulsividade, que no TDAH se manifesta como decisões precipitadas e dificuldade de aguardar turnos, é igualmente observada em várias outras condições. Entre elas:
Transtornos de Personalidade: O Transtorno de Personalidade Borderline, por exemplo, é conhecido pela impulsividade em relacionamentos, gastos e comportamentos de risco.
Transtorno Bipolar: Na fase maníaca, a impulsividade pode levar a decisões arriscadas, como compras exageradas ou comportamentos de risco, que são facilmente confundidos com a impulsividade típica do TDAH.
Uso de Substâncias: A impulsividade também é um marcador de transtornos relacionados ao uso de substâncias, onde os indivíduos podem agir precipitadamente em busca de gratificação imediata, alimentada pela dependência química.
É fundamental que os profissionais de saúde mental levem em consideração a multiplicidade de transtornos onde a impulsividade pode se manifestar. O tratamento adequado depende de um diagnóstico diferencial cuidadoso, que vá além da mera identificação desse sintoma.
Implicações para a Prática Clínica
O estudo sobre a repetição de sintomas no DSM-5 alerta para a necessidade de uma avaliação diagnóstica abrangente. Dada a sobreposição de sintomas como desatenção, hiperatividade e impulsividade em múltiplos transtornos, confiar apenas nesses sinais pode levar a erros diagnósticos. Para evitar confusões e garantir um tratamento mais assertivo, recomenda-se:
Avaliação Completa: Investigar com diversos recursos a história clínica e o perfil cognitivo e comportamental e outros sintomas associados, como humor, ansiedade, padrões de sono e experiências de trauma.
Comorbidade: Considerar a possibilidade de múltiplos diagnósticos, uma vez que muitas dessas condições coexistem. Um paciente com TDAH pode também ter depressão ou transtorno de ansiedade, por exemplo.
Tratamento Individualizado: Reconhecer que, embora os sintomas sejam compartilhados, a abordagem terapêutica pode ser diferente. Um paciente com desatenção devido à ansiedade pode se beneficiar de intervenções que não necessariamente seriam eficazes para o TDAH.
Logo, os sintomas de desatenção, hiperatividade e impulsividade não devem ser vistos como exclusivos ao TDAH. Profissionais de saúde devem estar atentos à ampla gama de transtornos que compartilham esses sintomas para garantir diagnósticos mais precisos e, consequentemente, tratamentos mais eficazes. O reconhecimento da sobreposição sintomática é um passo essencial para melhorar o cuidado com a saúde mental.
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NA AVALIAÇÃO DA DOENÇA DE PARKINSON ATRAVÉS DA ANÁLISE DE SINAIS RESPIRATÓRIOS NOTURNOS
A busca por biomarcadores eficazes para a detecção precoce e monitoramento da progressão da doença de Parkinson (DP) recebeu um grande impulso com a adoção da inteligência artificial (IA). Uma equipe de pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e da Mayo Clinic desenvolveu um modelo de IA que utiliza sinais de respiração noturna para identificar a DP e monitorar sua evolução. A DP, que é uma das doenças neurológicas de crescimento mais rápido e representa um custo anual estimado em 52 bilhões de dólares, tem tradicionalmente dependido de avaliações clínicas que podem ser subjetivas e pouco sensíveis a variações sutis no estado clínico do paciente.
O novo sistema de IA opera por meio de um cinto de respiração que o paciente usa durante a noite ou utiliza sinais de rádio que refletem no corpo do paciente, coletando dados de respiração sem contato direto. Este método possibilita uma avaliação contínua e não invasiva, superando muitas das limitações das técnicas tradicionais, que são frequentemente invasivas e dispendiosas.
Em relação a coleta de dados, esses são coletados de duas maneiras: usando um cinto de respiração ou por meio de dispositivos que captam sinais de rádio, refletidos pelo corpo do paciente durante o sono. Esta abordagem sem contato, que utiliza tecnologia de radiofrequência, é inovadora pois não necessita de interação direta com o paciente, tornando o processo menos invasivo e mais confortável para o monitoramento contínuo.
Os dados coletados são processados por algoritmos avançados de aprendizado de máquina que analisam os sinais respiratórios para identificar padrões anormais associados à DP. Estes algoritmos, que melhoram continuamente com o aumento do volume de dados, utilizam técnicas de aprendizado profundo e mecanismos de atenção para avaliar a relevância de diferentes segmentos de dados, proporcionando previsões precisas sobre a presença e progressão da doença.
Vantagens de Custo
A utilização de cintos de respiração ou sensores de rádio elimina a necessidade de equipamentos médicos complexos e caros.
O monitoramento remoto e contínuo diminui a frequência de consultas e exames clínicos caros, reduzindo os custos de transporte e tempo para pacientes e profissionais de saúde.
A automação na coleta de dados alivia a carga de trabalho dos profissionais de saúde e minimiza erros humanos, resultando em um método de monitoramento econômico e eficaz a longo prazo.
A detecção precoce permite intervenções mais rápidas, potencialmente diminuindo os custos de tratamento de estágios mais avançados da doença.
Estes fatores tornam a tecnologia uma solução viável e atrativa para adoção generalizada em diferentes contextos clínicos, oferecendo uma maneira custo-efetiva de melhorar significativamente o cuidado e a qualidade de vida dos pacientes com DP.
O modelo foi treinado e validado em um vasto conjunto de dados, incluindo mais de 7.000 indivíduos, e demonstrou alta capacidade diagnóstica com uma AUC de 0.90 em testes internos e 0.85 em externos. Além de detectar a DP, o modelo também avalia a gravidade da doença em conformidade com a Escala Unificada de Avaliação de Doenças de Parkinson da Sociedade de Distúrbios do Movimento (MDS-UPDRS), com uma correlação de 0.94 com avaliações clínicas.
Fonte: Yang Y, Yuan Y, Zhang G, Wang H, Chen YC, Liu Y, Tarolli CG, Crepeau D, Bukartyk J, Junna MR, Videnovic A, Ellis TD, Lipford MC, Dorsey R, Katabi D. Artificial intelligence-enabled detection and assessment of Parkinson's disease using nocturnal breathing signals. Nat Med. 2022 Oct;28(10):2207-2215. doi: 10.1038/s41591-022-01932-x. Epub 2022 Aug 22. PMID: 35995955; PMCID: PMC9556299.
“MUITAS PESSOAS TEMEM A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL . ELAS NÃO DEVERIAM!”
Em um período de intensificação dos debates sobre o caráter e os efeitos da Inteligência Artificial (IA) na sociedade, muitas discussões se concentram na preocupação de que as máquinas possam superar os humanos em diversas habilidades. Essa perspectiva é destacada no recente artigo de opinião de David Brooks, "Many People Fear A.I. They Shouldn’t", veiculado no The New York Times. O texto nos direciona a uma reflexão mais aprofundada sobre as características intrínsecas da mente humana em contraponto às capacidades da IA.
A mente humana é frequentemente simplificada como uma mera máquina de processamento de informações, uma visão que ignora a rica complexidade das capacidades cognitivas e emocionais humanas. Como destacado por Michael Ignatieff, a mente humana não se reduz a algoritmos e processamentos; ela é uma entidade que engloba consciência, emoções, moralidade e um senso de pessoalidade que é moldado por experiências únicas e irreplicáveis. Este entendimento ressalta uma importante distinção entre ser humano e ser uma máquina.
A capacidade humana de pensar não se limita à lógica ou ao raciocínio analítico; ela inclui uma profunda interação entre pensamento consciente e inconsciente, emoções e intuições. A neurociência moderna, mesmo com seus avanços, ainda trabalha arduamente para compreender plenamente como operam essas interações. Isto é evidenciado pela complexidade com que o cérebro humano processa e reage a estímulos, contrastando fortemente com a forma como as máquinas de IA processam dados.
O potencial da IA para imitar ou replicar o pensamento humano é, até o momento, limitado principalmente ao processamento de grandes volumes de informação e à realização de tarefas específicas com eficiência superlativa. Contudo, ela falha em aspectos fundamentais que definem a experiência humana: a consciência, a empatia e a capacidade de formar julgamentos morais baseados em experiências subjetivas e emocionais.
A IA, no entanto, não deve ser vista apenas como uma ameaça ou um rival. Como Brooks aponta, ela tem o potencial de ser uma aliada importante, liberando os seres humanos de tarefas repetitivas e permitindo foco em atividades que necessitam de criatividade, empatia e interação humana. Ela pode democratizar o acesso ao conhecimento e à expertise, transformando educação e suporte em áreas como saúde e direito, especialmente em comunidades carentes.
A verdadeira questão, então, não é se a IA vai substituir a mente humana, mas como podemos utilizar essa tecnologia para ampliar nossas capacidades sem perder de vista os atributos que nos tornam distintamente humanos. O futuro coexistente entre humanos e IA deverá focar no fortalecimento das qualidades humanas que definem nossa essência — a capacidade de amar, criar, explorar e crescer em nossa dimensão unicamente humana.
Assim, a era da inteligência artificial nos proporciona a reafirmar e cultivar o que é inerentemente humano. Ao abraçarmos essa tecnologia, devemos também nos esforçar para entender melhor e valorizar a complexidade e a beleza da mente humana, garantindo que a IA sirva à humanidade, e não o contrário.
Fonte: https://www.nytimes.com/interactive/2024/07/31/opinion/ai-fears.html
A ansiedade, um estado emocional comum que afeta inúmeras pessoas, influencia significativamente a percepção do tempo, levando a uma série de distorções temporais que estão intimamente ligadas a várias áreas do cérebro e processos cognitivos. A pesquisa atual, tanto na neurociência quanto na psicologia cognitiva, tem destacado como distúrbios de ansiedade podem modificar a maneira como percebemos o tempo, resultando em experiências de dilatação ou contração temporal que impactam a vida diária dos indivíduos afetados.
Além disto, diferentemente de outros sentidos, como a visão ou a audição, não existe um órgão sensorial especificamente dedicado à percepção do tempo. Essa percepção é uma experiência subjetiva fundamental para a nossa concepção de realidade e a organização das nossas vidas. Pesquisas indicam que condições neuropsiquiátricas, como a ansiedade, podem alterar significativamente a forma como o tempo é percebido. Silmar Teixeira e seus colegas (2013) destacam que várias estruturas cerebrais e neurotransmissores estão envolvidos na percepção do tempo, cujas disfunções podem resultar em distorções perceptivas marcantes em pacientes psiquiátricos.
Com o fim de quantificar essas alterações na experiência temporal e espacial, Cheng-Ju Lu e colaboradores (2024) desenvolveram a Escala de Experiência de Ansiedade no Tempo e no Espaço (STEA), um instrumento de autorrelato que demonstrou alta validade e foi capaz de diferenciar ansiedade de sintomas depressivos comórbidos. Esta escala associa uma ligação íntima entre a percepção alterada do tempo e o nível de divagação mental, oferecendo implicações importantes para diagnósticos e tratamentos.
Sem dúvida, a visão do filósofo francês Henri Bergson sobre o tempo também oferece dados fundamentais para entender essa relação. Bergson descreve o tempo, ou "duração", como uma continuidade fluida e indivisível que não pode ser adequadamente capturada por medidas científicas ou mecânicas. Na ansiedade, essa percepção da "duração" pode ser profundamente distorcida, com o tempo parecendo estender-se indefinidamente, o que intensifica o sofrimento emocional durante momentos de preocupação ou pânico. Essa experiência subjetiva de um tempo dilatado pode fazer com que os indivíduos se sintam presos em um loop contínuo de ansiedade, exacerbando o sofrimento.
Por conseguinte, conhecendo como a ansiedade distorce a percepção do tempo, os profissionais de saúde podem desenvolver intervenções mais eficazes, como terapias focadas em mindfulness e técnicas de gerenciamento de tempo, que ajudam a recalibrar a percepção temporal e reduzir a ansiedade. Além disso, terapias focadas na respiração e relaxamento podem ajudar na redução da hipervigilância e na normalização da percepção do tempo.
Logo, a compreensão da relação entre ansiedade e percepção do tempo é essencial para o desenvolvimento de tratamentos eficazes e pode levar a avanços significativos no tratamento de distúrbios neuropsiquiátricos. Reconhecer e tratar as distorções temporais em contextos clínicos pode melhorar significativamente o bem-estar e a funcionalidade dos indivíduos com ansiedade, enfatizando a importância de abordagens amplas no tratamento de distúrbios psicológicos.
Fontes:
Lu CJ, Goheen J, Wolman A, Lucherini Angeletti L, Arantes-Gonçalves F, Hirjak D, Wolff A, Northoff G. Scale for time and space experience in anxiety (STEA): Phenomenology and its clinical relevance. J Affect Disord. 2024 Aug 1;358:192-204. doi: 10.1016/j.jad.2024.04.099. Epub 2024 May 2. PMID: 38703910.
Teixeira S, Machado S, Paes F, Velasques B, Silva JG, Sanfim AL, Minc D, Anghinah R, Menegaldo LL, Salama M, Cagy M, Nardi AE, Pöppel E, Bao Y, Szelag E, Ribeiro P, Arias-Carrión O. Time perception distortion in neuropsychiatric and neurological disorders. CNS Neurol Disord Drug Targets. 2013 Aug;12(5):567-82. doi: 10.2174/18715273113129990080. PMID: 23844680.
A crescente convergência de estudos em trauma, apego e processamento sensorial tem revelado como essas áreas interligadas influenciam profundamente o desenvolvimento humano e o bem-estar ao longo da vida. Recentemente, pesquisadores como Kerley, Meredith e Harnett (2023) e Joseph et al. (2021) têm ampliado nosso entendimento sobre a complexa interação entre os padrões de apego e a modulação sensorial. Esta matéria tem como objetivo trazer o conhecimento sobre como essas dinâmicas afetam indivíduos com históricos de trauma, visando subsidiar profissionais de saúde com dados para aprimorar suas práticas em avaliação e intervenção. Nossa análise se concentra em como padrões disfuncionais de apego e a modulação sensorial podem moldar a resposta ao trauma, ressaltando a importância de intervenções que integrem essas perspectivas em contextos clínicos. Com isso, pretendemos oferecer diretrizes para avaliações e tratamentos mais efetivos em saúde mental focados na regulação sensorial e na reestruturação do apego, com o intuito de promover recuperação e resiliência em pacientes afetados por experiências traumáticas.
Estudos como os realizados por Kerley, Meredith e Harnett (2023) e Joseph et al. (2021) têm explorado a profundidade e a complexidade dessa relação. Por exemplo, Kerley e colaboradores observaram que, em crianças e adolescentes, uma modulação sensorial eficaz está positivamente associada à segurança no apego. Em contraste, nos adultos, padrões mais extremos de sensibilidade sensorial frequentemente coexistem com insegurança no apego. Essa descoberta sugere que intervenções focadas na regulação sensorial podem ser particularmente benéficas para indivíduos com apego inseguro, proporcionando uma nova direção para tratamentos em saúde mental.
De acordo com Joseph et al. (2021), crianças que enfrentaram eventos traumáticos frequentemente exibem disfunção na modulação sensorial. Esta condição manifesta-se por meio de uma variedade de respostas exacerbadas a estímulos cotidianos. Desta maneira, algumas crianças podem apresentar hiper-responsividade a estímulos comuns como ruídos ou toques leves, resultando em reações de pânico ou agressividade diante de situações que outras crianças poderiam considerar inofensivas. Alternativamente, outras crianças podem desenvolver uma busca sensorial ativa, demonstrando um desejo insaciável por estímulos sensoriais intensos, o que pode representar uma tentativa de autoregulação em resposta ao trauma.
Joseph e colaboradores também destacaram a importância da intervenção de modulação sensorial para crianças que sofreram traumas. Esta abordagem é especialmente relevante, considerando que a experiência inicial do trauma frequentemente ocorre no nível somatossensorial, afetando diretamente a capacidade da criança de regular e organizar suas respostas sensoriais. O estudo aponta que tais intervenções, quando eficazmente combinadas com psicoterapia, são fundamentais e mostram um efeito clínico positivo significativo. Isso ressalta a necessidade de uma avaliação criteriosa das funções sensoriais em crianças vítimas de trauma, enfatizando a importância de integrar estratégias terapêuticas que abordem tanto os aspectos psicológicos quanto sensoriais do tratamento.
Além disso, pesquisas sobre a sensibilidade sensorial em pais, como o estudo de Branjerdporn et al. (2019), indicam que pais com maior insegurança de apego tendem a apresentar maior sensibilidade sensorial e adotar estilos parentais mais autoritários ou permissivos. A sensibilidade sensorial dos pais pode mediar a relação entre o apego adulto e os estilos parentais, sugerindo que uma compreensão mais profunda das características sensoriais dos pais pode melhorar as estratégias de apoio ao relacionamento entre pais e filhos.
Em relação ao estilo parental, por exemplo, pais com alta sensibilidade sensorial podem se sentir facilmente sobrecarregados por estímulos rotineiros, o que pode resultar em respostas mais extremas em situações de estresse parental. Assim, um pai que é altamente sensível ao ruído pode se sentir mais rapidamente irritado por comportamentos infantis típicos que envolvem barulho, levando a uma resposta mais autoritária para rapidamente controlar o ambiente. Por outro lado, a sensibilidade sensorial também pode conduzir a um estilo parental permissivo, onde o pai evita conflitos ou situações que poderiam gerar sobrecarga sensorial, permitindo comportamentos que de outra forma limitaria. Essa permissividade pode ser uma forma de autoproteção contra o estresse sensorial, mas pode falhar em fornecer aos filhos as estruturas e limites necessários para um desenvolvimento saudável.
Portanto, as conclusões destes estudos sobre as alterações sensoriais em indivíduos com apego inseguro e experiências traumáticas são amplas e profundamente significativas. Essas descobertas sublinham a necessidade de intervenções direcionadas e bem definidas que levem em consideração tanto o processamento sensorial quanto os padrões de apego. Além disso, enfatizam a importância de uma avaliação detalhada das características sensoriais em contextos de trauma e apego. Profissionais de saúde, particularmente terapeutas ocupacionais e psicólogos, são incentivados a incorporar esses dados em suas práticas clínicas, visando proporcionar um tratamento mais integrado e efetivo.
Fontes:
Kerley LJ, Meredith PJ, Harnett PH. The Relationship Between Sensory Processing and Attachment Patterns: A Scoping Review. Can J Occup Ther. 2023.
Joseph RY, Casteleijn D, van der Linde J, Franzsen D. Sensory Modulation Dysfunction in Child Victims of Trauma: a Scoping Review. J Child Adolesc Trauma. 2021.
Branjerdporn G, Meredith P, Strong J, Green M. Sensory sensitivity and its relationship with adult attachment and parenting styles. PLoS One. 2019.
A intervenção musical para indivíduos com autismo é justificada por uma confluência de fatores cognitivos, emocionais e sociais que são fundamentais tanto para o entendimento do autismo quanto para a compreensão da natureza humana em relação a linguagem. Aqui estão as principais razões para justificar tal intervenção:
Ligação para Comunicação e Expressão Emocional: Indivíduos com autismo muitas vezes enfrentam barreiras significativas na comunicação verbal e não verbal, bem como na expressão e compreensão de emoções complexas. A música, por sua natureza emocionalmente rica e com ambiguidade semântica, oferece um meio alternativo e acessível de comunicação que pode transcender empecilhos verbais e facilitar a expressão emocional. Isso é particularmente importante considerando as dificuldades que indivíduos com autismo podem ter em compreender e se relacionar com emoções através de canais convencionais.
Desenvolvimento da Autoconsciência e Identificação: A pesquisa indica que os indivíduos com autismo podem experimentar uma compreensão atípica do 'eu' em relação aos outros, afetando a autorreflexão e a autoconsciência. A música pode desempenhar um papel crítico na facilitação do desenvolvimento da autoconsciência, oferecendo experiências que são compartilhadas emocionalmente mas não dependem exclusivamente de interações verbais. Através de atividades musicais compartilhadas, como canto ou tocando instrumentos em conjunto, indivíduos com autismo podem experimentar uma sensação de conexão e sintonia com os outros, promovendo uma maior compreensão de si mesmos e dos outros.
Regulação Emocional e Sensorial: Muitos indivíduos com autismo experimentam sensibilidades sensoriais que podem afetar a regulação emocional e/ou levar a um potencial auditivo muito propício para a música (ouvido absoluto). A música, com sua capacidade de ser adaptada às necessidades sensoriais individuais, pode ser uma ferramenta importante para a regulação emocional e sensorial. Atividades musicais podem ser ajustadas em termos de volume, ritmo e tipo de som para atender às preferências sensoriais de cada indivíduo, oferecendo uma forma de estímulo que é ao mesmo tempo envolvente e confortável.
Acesso à Interação Social e às Habilidades de Colaboração: Participar de atividades musicais em grupo pode promover habilidades sociais e de colaboração em indivíduos com autismo. Tais atividades exigem escuta ativa, turnos e coordenação com outros, oferecendo oportunidades estruturadas e previsíveis para a interação social. Isso pode ajudar a construir confiança nas interações sociais e promover a inclusão em ambientes de grupo.
Acessibilidade e participação: A música é uma linguagem universal que transcende barreiras culturais, linguísticas e cognitivas. Oferecer atividades musicais como forma de intervenção permite a participação de indivíduos com uma ampla gama de habilidades e preferências, promovendo um ambiente com menores restrições e barreiras onde todos possam se expressar e se conectar com os outros em um nível emocional.
Evidências Empíricas e Teóricas: Existe um corpo crescente de pesquisa que apoia a eficácia da música como uma ferramenta terapêutica para indivíduos com autismo. Estudos têm demonstrado melhorias na comunicação, nas habilidades sociais, na regulação emocional e no comportamento através da participação em atividades musicais.
Portanto, a intervenção musical para indivíduos com autismo não é apenas justificada, mas essencial, dada a sua capacidade de atender a necessidades complexas de maneira acessível, envolvente e emocionalmente significativa.
Fonte: Perlovsky L. Musical emotions: functions, origins, evolution. Phys Life Rev. 2010 Mar;7(1):2-27. doi: 10.1016/j.plrev.2009.11.001. Epub 2009 Nov 6. PMID: 20374916.Parte superior do formulário
A música, descrita por Charles Darwin como uma das capacidades mais misteriosas dotadas ao homem, continua sendo um enigma para cientistas e filósofos. Sua conexão intrínseca com as emoções abre um leque de questionamentos sem respostas definitivas sobre como a música expressa ou cria emoções, a semelhança ou diferença dessas emoções em relação a outras, e qual a sua função. A universalidade da música através das culturas, sem um propósito adaptativo óbvio, apresenta uma peleja para os biólogos evolutivos. Immanuel Kant, ao explorar a epistemologia do belo e do sublime, não conseguiu explicar a música, relegando-a a um papel menor entre as artes por apenas "brincar com os sentidos". Steven Pinker ecoou essa perspectiva, referindo-se à música como "cheesecake auditivo", um subproduto agradável, mas sem propósito, da seleção natural.
Apesar dessas visões, a pesquisa contemporânea tem começado a fundamentar cientificamente o potencial da música, especialmente em relação às suas origens evolutivas e papéis. A hipótese apresentada neste contexto argumenta que a música serve a uma função essencial e concreta na evolução da mente e das culturas humanas. Este papel está intrinsecamente ligado às emoções, onde a música, diferentemente de outras formas de arte, afeta diretamente as emoções sem passar por conceitos-representações. Esta compreensão sugere uma exploração mais aprofundada dos mecanismos neurais envolvidos e uma verificação experimental dessa hipótese.
Ao revisar teorias sobre as emoções musicais e as origens da música, observa-se que a função e a origem da música têm desafiado o pensamento filosófico por milhares de anos, com Aristóteles reconhecendo o potencial da música como um problema não resolvido. Nos últimos vinte anos, as potencialidades anteriormente misteriosas da música começaram a receber uma base científica, integrando pesquisas que fornecem evidências para as origens evolutivas e os papéis da música.
Pitágoras foi um dos primeiros a descrever as harmonias como razões numéricas inteiras das frequências sonoras, vendo uma conexão da música com as esferas celestiais. Ao longo do tempo, a música foi apreciada por sua capacidade de afetar a consciência e mover almas e corpos, com filósofos antigos como Platão vendo a música como harmonizadora da psique humana com a razão. Durante o Renascimento, houve um desenvolvimento importante em direção a uma maior emocionalidade na música, com compositores buscando imitar a fala e expressar paixões da alma, marcando uma era em que a teoria musical não apenas seguiu a prática musical, mas também a influenciou significativamente.
As discussões modernas sobre as emoções musicais buscam desvendar o mistério de suas origens evolutivas, sugerindo que a música, enquanto universal e característica significativa de todas as culturas conhecidas, não serve a um propósito funcional óbvio e incontroverso. Teorias contemporâneas, embora variadas, compartilham a visão de que a música pode ter evoluído juntamente com a linguagem, desempenhando um papel complementar no desenvolvimento cultural e social humano. Essa revisão de teorias e a proposta de hipóteses baseadas em modelos cognitivos e matemáticos da mente sugerem que a música, em sua essência, está profundamente enraizada nas emoções humanas, desempenhando um papel fundamental não apenas como forma de arte, mas como um pilar na evolução da consciência e da cultura humana.
Fonte: Perlovsky L. Musical emotions: functions, origins, evolution. Phys Life Rev. 2010 Mar;7(1):2-27. doi: 10.1016/j.plrev.2009.11.001. Epub 2009 Nov 6. PMID: 20374916.Parte superior do formulário
A prevalência de diagnósticos duplos de Transtorno do Espectro Autista (TEA) e Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) varia significativamente na literatura, indo de 50 a 70% em indivíduos com TEA. Essa alta taxa de comorbidade, conforme discutido por Camille Hours e colaboradores em "ASD and ADHD Comorbidity: What Are We Talking About?" (Hours et al., 2022) levanta questões críticas sobre a natureza e o significado de tal diagnóstico duplo. É essencial refletir sobre se os déficits de atenção observados em pacientes com TEA refletem uma dimensão própria deste transtorno — como a atenção conjunta comprometida — ao invés de representarem um déficit de atenção típico do TDAH. De maneira similar, a agitação notada pode advir não apenas dessa limitação na atenção conjunta, mas também de déficits sensoriais variados, ou ainda, ser atribuída a uma inquietação física de natureza distinta da agitação normalmente associada ao TDAH.
Consequentemente, a questão central sobre a prevalência de diagnósticos duplos de TEA e TDAH e o impacto disso na pesquisa clínica é profundamente complexa e ainda cheio de lacunas a serem esclarecidas. A discussão sobre o uso de Metilfenidato (MPH) em indivíduos com TEA, como apontado em diversos estudos (Hernandez et al., 2022; Rodrigues et al., 2021; Stevanovic et al., 2022; Sturman et al., 2017; Ventura et al., 2020) ressaltam uma área significativamente nebulosa no campo da psiquiatria e da neurologia comportamental.
Ao focar, predominantemente, em populações diagnosticadas tanto com TEA quanto com TDAH, os estudos existentes podem inadvertidamente obscurecer a compreensão do efeito do MPH em indivíduos que apresentam exclusivamente sintomas de TEA. Esta sobreposição diagnóstica sugere uma simplificação excessiva das complexidades intrínsecas a cada condição, possivelmente investigando os efeitos do MPH em sintomas de TEA dentro de um quadro presumido de comorbidade com TDAH. Tal abordagem traz à tona a indagação crítica: os efeitos observados do MPH estão sendo direcionados aos sintomas do TDAH, aos sintomas do TEA, ou a uma interseção sintomática não bem compreendida entre os dois transtornos?
A suposição de diagnósticos duplos sem um questionamento rigoroso sobre a viabilidade dessa prevalência elevada pode refletir uma falta de discernimento clínico no desembaraço das interações complexas entre TEA e TDAH. Essa abordagem pode não apenas confundir o entendimento dos efeitos terapêuticos específicos do MPH mas também potencializar um viés no diagnóstico e tratamento de indivíduos com TEA. Essa distinção é essencial, pois os mecanismos subjacentes e as manifestações comportamentais de TEA e TDAH, embora possam apresentar sintomas sobrepostos, emanam de bases neurobiológicas distintas que requerem intervenções direcionadas e personalizadas.
Portanto, para avançar no campo da psiquiatria e oferecer tratamentos mais eficazes e precisos para indivíduos com TEA, é imprescindível uma abordagem mais balanceada que reconheça e diferencie as particularidades de TEA e TDAH. Isso implica na urgente necessidade de novas diretrizes clínicas e estudos de pesquisa focados não só em investigar a frequência de diagnósticos concorrentes, mas também em compreender o efeito do MPH e de outras intervenções sobre os sintomas especificamente relacionados ao TEA, independentemente dos efeitos atribuídos ao TDAH. Estabelecer essa distinção cuidadosa é essencial para aprofundar o entendimento e melhorar a abordagem terapêutica para indivíduos no espectro autista, respeitando a complexidade e unicidade de suas experiências.
A revisão da Cochrane (Sturman et al., 2017), bem como análises sistemáticas e estudos longitudinais subsequente, revelou que o MPH pode melhorar sintomas de hiperatividade e, em alguns casos, de inatenção em indivíduos com TEA. No entanto, esses achados devem ser interpretados com cautela devido à predominância do uso de escalas de heterorrelato por pais e professores na avaliação dos efeitos clínicos, o que introduz um grau de subjetividade e viés potencial nos resultados. Essa metodologia de avaliação limita a precisão dos achados relatados, destacando a necessidade de complementar essas medidas com ferramentas de avaliação objetiva.
E vale novamente ressaltar mais uma vez, como discutido no artigo de Hours e colaboradores (2022), a necessidade de uma reavaliação crítica da alta ocorrência de diagnóstico duplo entre TEA e TDAH. A superposição de sintomas entre estas duas condições, incluindo falhas na atenção inerentes ao TEA por origem sensorial e dificuldades na alocação de atenção conjunta para contextos sociais, sugere uma interseção complexa de características clínicas que pode não necessariamente justificar um diagnóstico duplo.
Em suma, enquanto o MPH mostra promessa como tratamento para sintomas específicos em indivíduos com TEA, a base de evidências permanece limitada, especialmente para aqueles sem suposto TDAH comórbido. A atual prática de diagnóstico duplo e a metodologia predominante de avaliação dos efeitos clínicos exigem uma abordagem mais crítica e refinada para demonstrar o verdadeiro impacto do MPH em TEA sem a comorbidade com o TDAH. As futuras pesquisas deverão abordar essas complexidades com metodologias rigorosas e específicas, visando esclarecer o papel do MPH e outros tratamentos em populações puramente com TEA.
Fontes:
Em uma era dominada pela comunicação digital e pelas mídias sociais, a tendência para a simplificação da linguagem é evidente. O uso de abreviações, emojis e memes na comunicação online pode ser visto como um reflexo da narrativa involutiva apresentada no vídeo. Entretanto, é indispensável questionar o impacto dessa simplificação no desenvolvimento cognitivo, na expressão emocional e na transmissão de cultura. A partir da leitura do artigo "Language and emotions: Emotional Sapir–Whorf hypothesis" de Leonid Perlovsky (2009), entendemos que a complexidade da linguagem não é meramente uma característica arbitrária, mas um veículo para a rica tapeçaria de pensamentos, emoções e valores culturais.
A Linguagem Como Fundação da Experiência Humana
A hipótese emocional de Sapir-Whorf proposta por Perlovsky nos lembra que a linguagem não apenas reflete, mas também molda nossa realidade. A forma como articulamos nossos pensamentos e sentimentos influencia diretamente nossa percepção do mundo e de nós mesmos. Assim, uma evolução (ou involução) da linguagem não se traduz apenas em mudanças na forma de comunicação, mas na própria estrutura de nossa experiência cognitiva e emocional.
Consequentemente, ao relacionar estas ideias com o vídeo, podemos repensar a discussão proposta de uma forma que não implique uma involução, mas reflita sobre como as mudanças na complexidade e na emotividade da linguagem podem influenciar a sociedade e o indivíduo. A especulação do vídeo sobre uma simplificação progressiva da linguagem até um estado pré-linguístico ressalta uma preocupação com a perda potencial de capacidade expressiva e a riqueza emocional que a linguagem complexa permite. Uma vez que, a maneira como expressamos nossos pensamentos e emoções tem um impacto direto em como percebemos o mundo ao nosso redor e nossa própria identidade. Dessa forma, alterações na linguagem vão além de meras modificações nos métodos de comunicação, afetando a essência de nossa vivência cognitiva e emocional.
Portanto, o artigo e o vídeo abordam preocupações complementares sobre a evolução da linguagem: enquanto o vídeo especula sobre uma simplificação futura, o artigo nos leva a considerar como as estruturas emocionais e conceituais presentes na linguagem influenciam o desenvolvimento cognitivo e a construção cultural ao longo do tempo. Esta análise nos permite refletir sobre a importância de preservar a complexidade linguística para sustentar a riqueza cultural, a expressão emocional e o desenvolvimento cognitivo. Ao considerar essas ideias, a discussão se torna não apenas sobre a evolução da linguagem, mas também sobre como valorizamos e preservamos a diversidade linguística e cultural diante das mudanças tecnológicas e sociais.
O Desafio da Educação e do Desenvolvimento Cognitivo
Diante da potencial simplificação da linguagem, emerge o desafio de como a educação pode se adaptar para preservar a capacidade de pensamento crítico, expressão emocional complexa e empatia. O artigo sugere que a interação dinâmica entre a cognição e a linguagem é fundamental para o desenvolvimento humano. Assim, estratégias educacionais que promovam a diversidade linguística e o envolvimento com formas complexas de expressão podem ser essenciais para o desenvolvimento cognitivo pleno.
Portanto, a discussão proposta pelo vídeo, quando vista através das lentes do artigo de Perlovsky, não apenas alerta para os riscos potenciais de uma simplificação linguística, mas também destaca a importância de valorizar e cultivar a complexidade da linguagem. A linguagem é o tecido que tece a experiência humana, moldando nossa cognição, emoções e cultura. Enfrentar o desafio de preservar essa complexidade em um mundo em rápida mudança é fundamental para garantir a riqueza da experiência humana para as gerações futuras. Ao promover o diálogo entre diferentes campos do conhecimento, podemos buscar estratégias para valorizar a diversidade linguística e cultural, garantindo um futuro em que a linguagem continue a ser uma fonte de riqueza e inovação para a humanidade.
Fonte: Perlovsky L. Language and emotions: emotional Sapir-Whorf hypothesis. Neural Netw. 2009 Jul-Aug;22(5-6):518-26. doi: 10.1016/j.neunet.2009.06.034. Epub 2009 Jul 2. PMID: 19616406.
Os dados desempenham um papel fundamental na modulação de procedimentos clínicos e na orientação de intervenções mais focadas na resolução de problemas específicos do paciente. A coleta, análise e aplicação de dados no contexto da saúde possibilitam uma abordagem mais personalizada e eficaz na assistência ao paciente, especialmente em áreas complexas como a neurorreabilitação. Como isso acontece?
PERSONALIZAÇÃO DO TRATAMENTO
✍Avaliação precisa do paciente: Dados detalhados sobre o histórico médico, condições atuais e progresso do paciente permitem que profissionais de saúde ajustem tratamentos com base nas necessidades específicas de cada indivíduo.
✍Predição de estágios: Modelos preditivos, como as Redes Neurais Artificiais (RNAs) discutidas no artigo "Artificial neural networks in neurorehabilitation: A scoping review. NeuroRehabilitation", utilizam grandes conjuntos de dados para prever resultados de neurorreabilitação, possibilitando a personalizar planos de tratamento para maximizar a recuperação funcional.
MELHORIA DA TOMADA DE DECISÃO CLÍNICA
✍Análise de dados complexos: A capacidade das RNAs de processar e aprender com conjuntos de dados complexos e não lineares pode revelar padrões ocultos, fornecendo dados que orientam decisões clínicas mais informadas. Ao fazer isso, as RNAs podem identificar correlações e tendências não óbvias entre variáveis, o que é especialmente útil em campos como a neurorehabilitação, onde os fenômenos estudados são extremamente complexos e multifacetados.
Predizer desfechos de reabilitação: Por exemplo, as RNAs podem analisar dados de pacientes que sofreram lesões cerebrais traumáticas para prever a recuperação funcional, possibilitando intervenções mais direcionadas e personalizadas.
Classificar sintomas ou condições: As RNAs podem distinguir entre diferentes tipos de disfunções motoras ou padrões de marcha em pacientes com doenças neurológicas, como Parkinson ou sequelas de Acidente Vascular Encefálica - AVE, permitindo tratamentos específicos para cada tipo de disfunção.
✍Comparação de tratamentos: dados encontrados sobre a eficácia de diferentes abordagens terapêuticas possíveis aos profissionais de saúde escolherem as intervenções mais eficazes, baseadas em evidências.
FOCO NA RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS FUNCIONAIS
✍Identificação de metas terapêuticas: Os dados ajudam a identificar as áreas mais críticas de disfunção para cada paciente, permitindo uma abordagem centrada no paciente que foca nos objetivos funcionais mais relevantes.
✍Monitoramento e ajustes contínuos: A coleta contínua de dados sobre o progresso do paciente permite ajustes no tempo real das intervenções, garantindo que eles permaneçam alinhados com as necessidades em evolução do paciente.
FACILITAÇÃO DA COMUNICAÇÃO E COORDENAÇÃO
✍Compartilhamento de dados entre equipes: Plataformas digitais que armazenam e compartilham dados do paciente facilitam a comunicação e a coordenação entre diferentes profissionais envolvidos na reabilitação, promovendo uma abordagem de cuidado integrada. Claro que, respeitando a lei de acessos a esses dados pelo paciente.
✍Aderência do paciente: Acesso a dados claros sobre seu próprio progresso pode aumentar a aderência e a motivação do paciente, tornando-o um participante ativo em sua própria reabilitação.
AVANÇOS FUTUROS
✍Inovações tecnológicas: O desenvolvimento contínuo de ferramentas de coleta e análise de dados, como wearables e aplicativos móveis, promete aprimorar ainda mais a capacidade dos profissionais de saúde de monitorar e ajustar intervenções em tempo real.
Logo, os dados são o alicerce para a transformação dos cuidados de saúde em um sistema mais personalizado, eficaz e focado no paciente. A integração de análises de dados avançadas, como as fornecidas por RNAs, na prática clínica, não apenas melhora os desfechos clínicos, mas também coloca o paciente no centro do processo de reabilitação, com intervenções adaptadas às suas necessidades funcionais específicas.
A reabilitação de indivíduos com dislexias requer uma abordagem de modulação cognitiva que leve em consideração os mecanismos subjacentes à leitura e as dificuldades específicas enfrentadas por esses leitores. Com base no artigo "Rapid improvement of reading performance in children with dyslexia by altering the reading strategy" de Reinhard Werth, pode-se sintetizar o ponto fundamental para reabilitar indivíduos com dislexias, considerando os aspectos destacados (Werth, 2018):
Fixação Apropriada: É fundamental que o leitor consiga fixar sua atenção no local apropriado dentro de uma palavra ou segmento de palavra que esteja lendo. A capacidade de processar várias letras simultaneamente e a fixação correta em um ponto específico de uma palavra ou segmento são indispensáveis para uma leitura eficaz. Werth encontrou que quando palavras foram apresentadas de maneira que pudessem ser lidas corretamente, até mesmo sujeitos com dislexias graves foram capazes de ler 95% das palavras corretamente, após ajustar onde e como fixavam sua atenção nas palavras. Importante destacar que a capacidade mínima e máxima de processamento de letras simultâneas entre os participantes com dislexia variou significativamente, refletindo a diversidade nas habilidades de leitura individual. Alguns participantes conseguiram reconhecer apenas três letras simultaneamente dentro de um intervalo de fixação de até 400 milissegundos. Em contraste, outros foram capazes de processar até seis letras simultaneamente em um intervalo de tempo de fixação de 250 milissegundos. Isso demonstra uma variação considerável nas capacidades visuais e cognitivas dos leitores com dislexia, indicando a necessidade de estratégias de leitura personalizadas que levem em consideração a capacidade individual de reconhecimento de letras simultâneas.
Capacidade de Processamento Simultâneo: A intervenção deve levar em conta se a capacidade do leitor de processar simultaneamente várias letras está reduzida. A terapia de leitura desenvolvida por Werth compensava os déficits neurais existentes, permitindo que leitores disléxicos aprendessem a não tentar reconhecer mais letras simultaneamente do que eram capazes, ajustando assim o tamanho do segmento de palavra que tentavam ler. Quando os participantes do estudo conseguiram ler apenas quantidades menores de letras e a palavra apresentada continha mais letras do que eles eram capazes de processar simultaneamente, a estratégia adotada foi a de segmentar as palavras em partes menores, que se adequassem à capacidade de reconhecimento simultâneo de letras do participante. Isso significava dividir palavras mais longas em segmentos ou grupos de letras que não excedessem o número máximo de letras que o leitor podia processar de uma vez. Essa abordagem permitia aos leitores com dislexia concentrar-se em reconhecer e pronunciar corretamente segmentos menores de palavras antes de avançar para os segmentos subsequentes, facilitando assim a leitura precisa de palavras inteiras.
Amplitude das Sacadas: As amplitudes das sacadas (movimentos rápidos dos olhos entre pontos de fixação) devem corresponder ao número de letras que podem ser reconhecidas simultaneamente pelo leitor. A estratégia de leitura compensatória ensinada garantia que os movimentos oculares estivessem alinhados com a capacidade de reconhecimento simultâneo de letras do leitor, melhorando a eficiência da leitura.
Tempo de Fixação: O leitor precisa de um tempo de fixação adequado para processar um determinado número de letras. Werth demonstrou que ajustar o tempo de fixação para garantir que fosse suficiente para o reconhecimento das letras dentro de um segmento de palavra específico era uma parte vital da estratégia de leitura compensatória. Isso era conseguido por meio de sinais visuais, como marcas de fixação que indicavam o ponto dentro de cada segmento de palavra ao qual o olhar deveria ser direcionado, e sinais acústicos que sinalizavam o momento apropriado para começar a pronunciar o segmento após um período de fixação suficiente. Essas estratégias eram parte de uma abordagem compensatória que visava adaptar o processo de leitura às capacidades individuais dos leitores com dislexia, melhorando significativamente seu desempenho de leitura.
Tempo desde o Início da Fixação até a Pronúncia: A intervenção deve considerar quanto tempo o leitor precisa desde o início da fixação até conseguir pronunciar uma palavra corretamente. O ajuste dos tempos de fixação e início da pronúncia para corresponder às necessidades individuais do leitor foi essencial para reduzir os erros de leitura.
Em resumo, a chave para a reabilitação eficaz de indivíduos com dislexias, conforme apresentado no artigo, envolve ensinar uma estratégia de leitura compensatória que ajuste a fixação dos olhos, a capacidade de processamento simultâneo de letras, as amplitudes das sacadas, o tempo de fixação e o tempo necessário para começar a pronunciar palavras. Essa abordagem não apenas compensa as limitações neurológicas, mas também aproveita as capacidades existentes do leitor para melhorar imediatamente o desempenho na leitura.
Fonte:
Werth, R. (2018). Rapid improvement of reading performance in children with dyslexia by altering the reading strategy: A novel approach to diagnoses and therapy of reading deficiencies. Restorative Neurology and Neuroscience, 36(6), 679–691. https://doi.org/10.3233/RNN-180829
As dificuldades enfrentadas pela neurorreabilitação são significativas e muitas vezes impedem o alcance de sua plena eficácia na recuperação de indivíduos com condições neurológicas, sejam essas resultantes de lesões cerebrais ou desordens neurodesenvolvimentais. Idealmente, o tratamento contaria com uma ampla disponibilidade de recursos, tecnologia avançada e o apoio de equipes clínicas especializadas no manejo de deficiências cognitivas. No entanto, a realidade se depara com a falta de profissionais qualificados, recursos limitados, custos elevados e a complexidade dos processos de avaliação e adaptação funcional, essenciais para a neurorreabilitação. Frequentemente, isso leva a programas de reabilitação que não conseguem atingir a intensidade, personalização e abrangência necessárias, gerando insatisfação entre pacientes e profissionais. Como consequência, há uma tendência a limitar as intervenções aos aspectos motores, deixando de lado a atenção necessária aos outros domínios cognitivos que também podem estar comprometidos nos processos de neurorreabilitação.
Um estudo da James Lind Alliance (JLA) destaca, por exemplo, a negligência no tratamento de disfunções cognitivas em pacientes com Acidente Vascular Encefálico (AVE) crônico, indicando uma preferência desproporcional pela recuperação da mobilidade em detrimento da cognição, apesar da importância desta última para a qualidade de vida e independência do paciente. Essa lacuna sublinha a necessidade urgente de desenvolver e implementar intervenções focadas nos impactos funcionais de danos e disfunções cognitivas, utilizando ferramentas adaptáveis e acessíveis tanto em ambientes clínicos quanto domiciliares.
Para avançar na superação desses obstáculos em neurorreabilitação cognitiva, é essencial a inovação e colaboração entre o setor de pesquisa, profissionais de saúde e tecnologia, incorporando tecnologias assistivas como aplicativos móveis para modulação cognitiva personalizada e realidade virtual para aprimoramento cognitivo de maneira integrada. Essas tecnologias, alinhadas aos princípios da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), promovem uma visão holística que valoriza a interação do indivíduo com seu ambiente, participação social e autonomia.
Ao reverter a abordagem tradicional, que se concentra exclusivamente nas deficiências, e iniciar a neurorreabilitação pela eliminação de barreiras ambientais e pessoais, facilita-se a participação social do indivíduo e potencializa-se seu desempenho cognitivo. Esse enfoque promove uma reabilitação mais eficiente, preparando o terreno para tratar as restrições remanescentes e limitações em atividades diárias, e finalmente, recuperar as deficiências possíveis dentro das limitações neurológicas e técnicas da condição de saúde do paciente.
A sequência proposta de remoção de barreiras, mitigação de restrições, abordagem de limitações e restauração de deficiências reflete uma estratégia centrada no paciente e holística, evidenciando a interdependência dessas fases para maximizar os resultados da reabilitação. Ao adotar essa abordagem, profissionais podem fornecer uma reabilitação mais efetiva, ajudando os indivíduos na sua funcionalidade. A implementação de estratégias compensatórias e tecnologias assistivas desde o início é uma prática que equilibra entre adaptações imediatas e metas de longo prazo, destacando a complexidade e a necessidade de uma abordagem multifacetada em neurorreabilitação.
A integração das diretrizes propostas por Viergever et al., (2010) para a definição de prioridades em pesquisa na saúde pode direcionar a neurorreabilitação para um processo mais estruturado, inclusivo e transparente, enfatizando a importância de um planejamento abrangente e ações pós-priorização para direcionar os esforços de pesquisa para áreas de maior necessidade e impacto potencial.
Avançar apesar dos entraves na neurorreabilitação reflete não apenas um progresso profissional, mas também uma causa mais ampla, representando uma vitória para pacientes e sociedade. A dedicação à melhoria contínua neste campo espelha o compromisso fundamental da medicina em restaurar, adaptar e compensar funcionalidades, mantendo viva a esperança de superar barreiras e aprimorar a vida daqueles afetados por condições neurológicas duradouras.
Fonte:
Viergever, R. F., Olifson, S., Ghaffar, A., & Terry, R. F. (2010). A checklist for health research priority setting: nine common themes of good practice. Health Research Policy and Systems, 8(1), 36. https://doi.org/10.1186/1478-4505-8-36
Para começar a responder "Como, onde e por que a atenção funciona em nossos cérebros?", é fundamental fazer uma leitura atenta do artigo de Stephen Grossberg da Universidade de Boston, intitulado "Attention: Multiple types, brain resonances, psychological functions, and conscious states", uma obra fundamental da literatura científica. Uma vez que este breve texto busca apenas inspirá-los a fazer leitura do artigo completo.
A atenção é um aspecto essencial da cognição humana, vital para o aprendizado e a realização de tarefas complexas. Se fosse um neurotransmissor, a atenção agiria tanto como glutamato quanto como GABA no processamento cognitivo. A atenção permeia todos os domínios cognitivos, desde a percepção pós-ativação sensorial numa filtragem bottom-up, até a um agrupamento horizontal e correspondência atenta de alvos ambiental e interno (atenção encoberta) em uma ativação top-down. Sua versatilidade em todos os domínios cognitivos, incluindo os emocionais, a torna um domínio essencial de modulação na cognição humana, especialmente em processos de reabilitação. Sem compreender sua essência, é difícil otimizar os recursos na prática clínica, em qualquer etapa, para remediar déficits cognitivos em condições neurológicas e neuropsiquiátricas.
O cérebro humano evoluiu para alcançar adaptação e funcionalidade comportamental em ambientes em constante mudança, com a atenção desempenhando um papel central nesta adaptação. A capacidade de manter a atenção em objetivos por longos períodos é crucial para a adaptação em várias áreas da vida. Desde a infância, somos instruídos a "prestar atenção" para adquirir conhecimento e habilidades. Este processo continua ao longo da vida, abrangendo atividades cotidianas e desempenhos de alto nível em esportes ou artes. Assim, entender como a atenção opera em nossos cérebros e sua aplicação na reabilitação cognitiva é vital.
No centro desta compreensão está a Teoria da Ressonância Adaptativa (ART), que detalha os processos cognitivos e neurais subjacentes. A ART mostra que a atenção é uma propriedade emergente de interações complexas entre milhões de neurônios, integrando-se a outros processos cerebrais como percepção, memória e consciência. A teoria explica como nossos cérebros aprendem a observar, reconhecer e prever objetos e eventos em contextos dinâmicos, destacando a importância da atenção para a adaptação e a funcionalidade comportamental.
A ART aborda o dilema estabilidade-plasticidade, essencial para o aprendizado ao longo da vida sem esquecimento catastrófico. Logo, a atenção ajuda a estabilizar memórias aprendidas e facilita a rápida assimilação de novas informações, crucial para pacientes em reabilitação cognitiva. Um aspecto fundamental da ART são as múltiplas ressonâncias que suportam a atenção, o aprendizado e a consciência. Estas ressonâncias sincronizam e amplificam a resposta do sistema a padrões de características críticas, facilitando o reconhecimento consciente e diferentes tipos de percepção. Este entendimento é crucial na reabilitação cognitiva, pois cada tipo de ressonância ativa formas específicas de atenção e aprendizagem top-down, influenciando diretamente como processamos e integramos informações.
A interação entre atenção ao objeto e atenção espacial é outro ponto crucial na reabilitação cognitiva. No mundo real, estas duas formas de atenção frequentemente se entrelaçam, afetando como planejamos e reagimos a estímulos em ambientes complexos. Esta interação é vital para a capacidade de um indivíduo se concentrar em tarefas específicas, um componente central na recuperação e fortalecimento de capacidades cognitivas após lesões cerebrais ou em condições neurodegenerativas.
Além disso, a ideia de computação complementar, um conceito chave na ART, destaca como diferentes regiões cerebrais e processos cognitivos operam de maneira complementar. Isso sugere que a atenção não funciona isoladamente, mas em conjunto com outros processos cognitivos e regiões cerebrais, fornecendo uma abordagem mais holística à reabilitação cognitiva. Entender como esses processos se complementam pode conduzir a intervenções mais eficazes que visam múltiplos aspectos da cognição simultaneamente.
Resumindo, a atenção é muito mais do que um mero ato de foco; é uma função cerebral complexa e multifacetada que desempenha um papel essencial em todos os domínios da cognição humana. Para profissionais de saúde, especialmente aqueles em neurorreabilitação, uma compreensão profunda da atenção, conforme explicada pela ART e pelos processos CLEARS (Consciência, Aprendizagem, Expectativa, Atenção, Ressonância e Sincronia), é essencial para desenvolver estratégias terapêuticas mais eficazes. Esta compreensão não só promove uma recuperação mais rápida e abrangente para pacientes, mas também abre novos caminhos para tratamento e melhoria da qualidade de vida em diversas condições neurológicas. E o mais importante, a atenção é um domínio cognitivo para ser modelado por todos os profissionais que atuam na neurorreabilitação, além de neuropsicológicos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, pedagogos clínicos, educadores físicos, etc.
Portanto, recomendamos a leitura do artigo fundamental para entender a engenharia da atenção no funcionamento da cognição humana, disponível em: Attention: Multiple types, brain resonances, psychological functions, and conscious states .
A cognição motora, crucial na reabilitação neurológica e no tratamento de transtornos neuropsiquiátricos, enfoca como os processos cognitivos, dos mais simples aos mais complexos, interagem com o movimento e o comportamento. Esta interação, que inclui mecanismos como "modelos internos" e "simulação", é fundamental para um cuidado abrangente e eficaz de pacientes com lesões ou transtornos neurológicos.
Harvey PD (2019) ressalta uma hierarquia nos processos cognitivos, variando de percepções sensoriais a funções executivas complexas. Esta organização não é apenas estrutural, mas funcional, indicando que funções cognitivas superiores podem influenciar as mais básicas. Isso destaca a importância de uma reabilitação que integra funções motoras e cognitivas básicas e complexas.
A relação entre percepção e ação, explorada por William James e Roger Sperry, mostra que a percepção é tanto um precursor quanto um resultado da ação. Melhorias na percepção sensorial podem, portanto, facilitar a ação motora e vice-versa, um aspecto vital no desenvolvimento de tratamentos.
A Teoria da Codificação Comum, de Wolfgang Prinz, propõe que percepção e ação compartilham códigos e estruturas neurais, sugerindo que a reabilitação motora pode influenciar a percepção. Tratamentos para danos neurológicos devem, portanto, considerar essa sobreposição, abordando tanto a cognição (processos básicos e complexos) quanto a motricidade. Isso é particularmente relevante em casos como a negligência espacial pós-AVE, onde o diagnóstico preciso de déficits perceptivos visuoespaciais e atencionais é crucial para a reabilitação motora eficaz.
O papel do cerebelo na cognição motora, crucial na previsão dos resultados do movimento e na interpretação de seus significados, oferece uma nova visão de sua função na coordenação motora e cognição. Estratégias de reabilitação focadas no cerebelo podem, assim, melhorar significativamente a cognição motora.
Contudo, a área de cognição motora, conforme discutido por Gentsch et al. (2016), é sujeita a debates. Modelos como a "cognição de ação fundamentada" ajudam a entender a complexa relação entre controle motor, percepção e cognição, sugerindo a necessidade de uma abordagem integrada e baseada em evidências.
Em suma, a cognição motora é um campo essencial para a prática clínica na saúde neurológica. Compreender a inter-relação entre processos cognitivos básicos e superiores e a motricidade é vital para desenvolver estratégias de reabilitação eficazes e personalizadas. Profissionais da saúde devem incorporar esse conhecimento em sua prática, promovendo uma abordagem mais holística e eficiente no tratamento de pacientes com danos neurológicos e transtornos neuropsiquiátricos.
Observação: A cognição abrange uma série de processos que envolvem a entrada, a elaboração e a saída. Neste contexto, a 'entrada' diz respeito aos processos sensoriais, perceptivos e atencionais básicos, enquanto a 'elaboração' se refere aos aspectos mais avançados, como o funcionamento executivo e o controle cognitivo. Já a 'saída' está relacionada à motricidade e ao comportamento.
Fontes:
Harvey PD. Domains of cognition and their assessment . Dialogues Clin Neurosci. 2019 Sep;21(3):227-237. doi: 10.31887/DCNS.2019.21.3/pharvey. PMID: 31749647; PMCID: PMC6829170.
Fuentes, C. T., & Bastian, A. J. (2007). “Motor cognition” - what is it and is the cerebellum involved? Cerebellum (London, England), 6(3), 232–236. https://doi.org/10.1080/14734220701329268.
Gentsch A, Weber A, Synofzik M, Vosgerau G, Schütz-Bosbach S. Towards a common framework of grounded action cognition: Relating motor control, perception and cognition. Cognition. 2016 Jan;146:81-9. doi: 10.1016/j.cognition.2015.09.010. Epub 2015 Sep 24. PMID: 26407337.
Prinz, W., & Sanders, A. F. (Eds.). (2012). Cognition and Motor Processes. Springer.
Na complexa arena da neurorreabilitação, a importância de uma abordagem multidisciplinar não pode ser subestimada. Tal como numa orquestra onde a harmonia musical é obtida através da contribuição sincronizada de diversos instrumentos, a recuperação de pacientes com lesões ou disfunções neurológicas exige a colaboração afinada de vários profissionais de áreas diferentes. Neste cenário, o médico atua como o maestro, orquestrando as intervenções de profissionais como neuropsicólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, educadores físicos, nutricionistas, psicopedagogos clínicos e fonoaudiólogos, cada um trazendo sua expertise única para a mesa de tratamento.
A neuropsicologia, por exemplo, oferece insights cruciais sobre como as lesões cerebrais afetam a cognição e o comportamento, propondo intervenções que visam melhorar a funcionalidade diária do paciente. Por outro lado, a fisioterapia concentra-se na recuperação da mobilidade e do equilíbrio, habilidades essenciais para a independência física. A terapia ocupacional, com seu foco no autocuidado e nas atividades diárias e instrumentais, ajuda os pacientes a recuperar a confiança e a autonomia, enquanto a fonoaudiologia desempenha um papel fundamental na reabilitação da comunicação expressiva e compreensiva por meio da fala, audição e da deglutição, aspectos vitais para a interação social e a nutrição.
O ponto crucial desta abordagem integrada é que, embora cada especialidade tenha seu foco específico, todas elas compartilham um objetivo comum: melhorar a qualidade de vida do paciente. Esta sinergia entre essas áreas da saúde permite uma abordagem mais holística da recuperação, considerando não apenas os aspectos físicos da lesão neurológica e disfunções neuropsiquiátricas, mas também suas repercussões cognitivas, emocionais e sociais.
Além disso, essa colaboração multidisciplinar reflete a complexidade inerente do cérebro humano e de seu processo de recuperação. Assim como uma peça musical complexa não pode ser executada por um único instrumento, o tratamento de condições neurológicas complexas não pode ser efetivamente realizado por uma única especialidade. Cada profissional da saúde traz uma peça vital para o quebra-cabeça, contribuindo para uma visão mais completa e um tratamento mais eficaz.
Portanto, é essencial que os profissionais de neurorreabilitação reconheçam e valorizem a importância de uma abordagem colaborativa. Ao trabalharem juntos, eles não apenas ampliam suas próprias perspectivas e habilidades, mas, o mais importante, contribuem para uma recuperação mais eficiente e abrangente dos pacientes. Assim como um maestro coordena os músicos para criar uma sinfonia harmoniosa, os médicos e outros profissionais de saúde devem trabalhar em conjunto para orquestrar uma recuperação que aborde todos os aspectos das necessidades adaptativas do paciente.
Fonte:
Martínez-Pernía D. Experiential Neurorehabilitation: A Neurological Therapy Based on the Enactive Paradigm. Front Psychol. 2020 May 15;11:924. doi: 10.3389/fpsyg.2020.00924. PMID: 32499741; PMCID: PMC7242721.
A neurorreabilitação, um campo em constante evolução nas ciências da saúde, tem se estabelecido como um pilar fundamental no tratamento de pacientes com lesões cerebrais e doenças mentais. Este campo transcende a simples recuperação física como vemos com mais ênfase na prática clínica, abraçando uma abordagem holística que inclui a reabilitação cognitiva e social. Essa evolução reflete uma compreensão mais profunda das complexidades do cérebro humano e das necessidades dos pacientes, alinhando-se à visão de que estamos no limiar de uma revolução no diagnóstico e tratamento de doenças mentais.
Historicamente focada na recuperação física, a neurorreabilitação sofreu uma transformação significativa com o advento do paradigma cognitivo. Este avanço teórico e prático é a base para entender os distúrbios cognitivos de uma maneira mais integrada, considerando as implicações biopsicossociais das lesões cerebrais. Esta mudança paradigmática é um reflexo da crença de que estamos aos poucos transformando radicalmente o diagnóstico e tratamento de doenças mentais (neurológicas e neuropsiquiátricas), conforme apontado por White em 2011. Ele sugere que estamos revertendo a falta de grandes progressos na contenção de doenças e mortes associadas nos últimos 100 anos.
Dentro desse quadro, dois modelos principais orientam a neurorreabilitação. O primeiro, inspirado na neuropsicologia cognitiva, compara a mente a um software, enfatizando o processamento e a manipulação de informações. O segundo, derivado da neurociência cognitiva, foca nas alterações no processamento da informação cerebral. Ambos os modelos têm sido fundamentais para avançar nosso entendimento e tratamento de lesões cerebrais e transtornos cognitivos. No entanto, eles também enfrentam críticas por possivelmente limitarem a compreensão das experiências individuais dos pacientes.
Para os profissionais da saúde, é vital reconhecer a importância dessa "revolução" mencionada por White. A neurorreabilitação não está apenas tratando funções perdidas; está restaurando a qualidade de vida e reabilitando indivíduos para que eles possam retomar suas vidas pessoais e sociais da forma mais plena possível. A adoção de abordagens terapêuticas mais personalizadas com avaliação cognitiva detalhada de linha de base e a integração de diferentes disciplinas são cruciais para este progresso. A pesquisa contínua e a aplicação de novos métodos terapêuticos prometem não apenas avanços científicos significativos, mas também uma nova esperança e possibilidades para aqueles afetados por lesões cerebrais e doenças mentais.
Neste cenário, a neurorreabilitação se posiciona singularmente para maximizar os benefícios desta revolução, atuando como um catalisador para transformar o tratamento e o cuidado de doenças mentais e lesões cerebrais. Com o comprometimento contínuo em inovação e pesquisa, a neurorreabilitação está destinada a desempenhar um papel crucial na melhoria da saúde e bem-estar dos pacientes em todo o mundo.
Fonte:
White, C. (2011). Brain circuitry model for mental illness will transform management, NIH mental health director says. Br. Med. J. 343:d5581. doi: 10.1136/bmj.d5581
No campo avançado da neurociência, a ampliação do conceito de neuroplasticidade - a habilidade do cérebro de se reestruturar em resposta a experiências novas - está impactando as abordagens dos profissionais de saúde na prevenção e tratamento de condições cognitivas, como as demências. Um estudo essencial de Joyce Shaffer, da Universidade de Washington, que eu considero uma leitura obrigatória para profissionais de neurorreabilitação, ressalta cinco fatores cruciais para a saúde cerebral: inovação, desafio, exercício físico, nutrição adequada e amor. Esses componentes são vitais não apenas para preservar a cognição, mas também atuam como elementos preventivos contra doenças neurodegenerativas, ao minimizar riscos modificáveis associados às demências, por exemplo.
Na essência do conceito, a neuroplasticidade pode ser classificada em dois tipos: positiva e negativa. A neuroplasticidade positiva refere-se às mudanças cerebrais benéficas que ocorrem como resultado de aprendizagem, exercícios, e outras experiências enriquecedoras. Este tipo de plasticidade é responsável por melhorar as funções cognitivas, ajudar na recuperação de lesões cerebrais, e até mesmo retardar o declínio cognitivo relacionado à idade. Por outro lado, a neuroplasticidade negativa ocorre quando as mudanças no cérebro levam a resultados prejudiciais, como quando a exposição a estresse crônico, trauma, comportamentos disfuncionais ou substâncias nocivas resulta em perda de sinapses ou diminuição da função cerebral. Essa forma de plasticidade pode contribuir para vários problemas de saúde mental, como ansiedade, depressão e certos transtornos cognitivos. Portanto, entender tanto a neuroplasticidade positiva quanto a negativa é crucial para desenvolver abordagens terapêuticas eficazes e promover a saúde cerebral.
Consequentemente, o estudo de Joyce Shaffer destaca a relevância de estar sempre aberto esse elemento fundamental que envolve a exploração de novas experiências e desafios. No âmbito clínico, isso se traduz na adoção de atividades ou tarefas deliberadamente planejadas para impulsionar os pacientes a deixarem sua zona de conforto (inercia cognitiva) e promover um aprendizado contínuo. Isso ressoa com o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) de Vygotsky, onde identificar o ponto de desafio para a realização de uma tarefa é um aspecto chave na cognição. Na vida cotidiana, a mesma ideia pode ser aplicada através de ações como aprender um novo idioma, resolver problemas complexos ou se dedicar a hobbies criativos. Estes são exemplos de como ativar novas redes de aprendizado pode ser efetivamente incorporado no dia a dia. Tais atividades não apenas mantêm a cognição ativa em novas tarefas, mas também podem contribuir para atrasar o surgimento de sintomas de condições como as demências.
Outro pilar fundamental para a saúde cerebral, conforme identificado no estudo, é o exercício físico regular. Atividades aeróbicas como caminhadas, natação ou ciclismo não só fortalecem o corpo, mas também têm um impacto positivo significativo na memória e nas funções cognitivas, promovendo até mesmo a neurogênese. Assim, o exercício se torna uma ferramenta fundamental na luta contra o declínio cognitivo, sendo um aspecto crucial nos planos de tratamento e prevenção.
A dieta também desempenha um papel crucial na manutenção da saúde cerebral. O estudo de Shaffer enfatiza a necessidade de uma alimentação balanceada, rica em ômega-3 e antioxidantes, e pobre em gorduras saturadas e açúcares. Dietas como a mediterrânea, que enfatizam o consumo de frutas, vegetais, peixes e grãos integrais, são particularmente benéficas. Esta abordagem dietética não apenas sustenta a saúde física geral, mas também está ligada a uma menor incidência de problemas cognitivos e demências.
Além da dieta Mediterrânea, o artigo cita a "Dieta de Okinawa" como uma abordagem nutricional benéfica para a saúde cerebral. Originária da ilha de Okinawa no Japão, esta dieta é conhecida por seu papel na longevidade excepcional dos habitantes locais. Caracterizada por um consumo reduzido de calorias e rica em vegetais, frutas, peixes, e uma baixa ingestão de carne vermelha, a Dieta de Okinawa proporciona um equilíbrio de nutrientes que favorece a saúde cerebral. Esta dieta é especialmente rica em antioxidantes e ácidos graxos poli-insaturados, contribuindo para a redução da inflamação no corpo e no cérebro, e promovendo a neuroproteção. A prática do "hara hachi bu" - comer até estar 80% saciado - também é um componente central desta dieta, ajudando a manter um peso corporal saudável e reduzindo o risco de doenças crônicas, ambas condições importantes para a saúde cognitiva e a prevenção de doenças neurodegenerativas.
Ademais, o sono desempenha um papel crucial na cognição e na saúde geral do cérebro, funcionando como um período vital para a restauração e fortalecimento das funções cerebrais. Durante o sono, ocorrem processos essenciais de consolidação da memória e limpeza de toxinas acumuladas, que são críticos para manter a neuroplasticidade e a saúde neural. A privação de sono, por sua vez, pode levar a uma série de efeitos negativos, incluindo inflamação no cérebro, deficiências na aprendizagem e na memória, e um declínio geral na função cognitiva. Estudos têm demonstrado que a falta de sono adequado está associada à atrofia do hipocampo e a um aumento nos marcadores de estresse neural, impactando negativamente a neurogênese e potencialmente acelerando processos neurodegenerativos. Portanto, garantir um sono de qualidade e suficiente é uma estratégia vital para preservar e melhorar a cognição, apoiando a saúde cerebral a longo prazo.
Por fim, mas não menos importante, o amor e as relações sociais são identificados como componentes essenciais para a saúde do cérebro. Interagir com familiares e amigos, participar de atividades sociais e manter relacionamentos significativos podem reduzir o estresse, melhorar o bem-estar emocional e manter a cognição ativa. O apoio social e emocional não apenas enriquece a vida, mas também atua como um escudo contra o declínio cognitivo.
Em suma, o estudo de Shaffer reforça a necessidade de uma abordagem integrada e holística na saúde cognitiva. Ao incorporar estes cinco elementos - novidade, desafio, exercício, dieta e amor - na prática clínica, os profissionais de saúde têm a oportunidade de melhorar significativamente a qualidade de vida dos pacientes e criar barreiras contra o declínio cognitivo.
Fonte:
Shaffer J. Neuroplasticity and Clinical Practice: Building Brain Power for Health. Front Psychol. 2016 Jul 26;7:1118. doi: 10.3389/fpsyg.2016.01118. PMID: 27507957; PMCID: PMC4960264.
Por Maria Ramim
A atenção é um componente crucial do funcionamento cognitivo, e seu papel na vida cotidiana é inegável. Para aqueles que enfrentam dificuldades específicas, como indivíduos com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), mas não só esses, pois todos os transtornos e lesões afetam de algum modo o domínio atencional desenvolver abordagens de modulação tornam-se imperativos. É nesse contexto que surge o programa de modulação de atenção AixTent, uma ferramenta computadorizada baseada em estudos clínicos sólidos.
O Entendimento da Complexidade da Atenção:
O AixTent foi concebido com base em pesquisas que apontam para a complexidade da atenção, indicando que diferentes aspectos desse processo podem ser abordados seletivamente.
A Estrutura do Programa:
O AixTent compreende procedimentos de treinamento específicos como jogos simples de computador, adaptativos ao nível de dificuldade do participante. Este aspecto é crucial, pois permite a personalização do treinamento de acordo com o desempenho individual. O programa abrange quatro componentes distintos da atenção: alerta, vigilância, atenção seletiva e atenção dividida.
Treinamento Específico para Necessidades Individuais:
No âmbito do estudo, crianças com TDAH foram alocadas para a intervenção da AixTent, focando em treinamentos de vigilância, atenção seletiva e atenção dividida. Essa abordagem abrangente foi adotada, uma vez que a análise comparativa do desempenho dessas crianças em relação aos dados normativos indicou deficiências em pelo menos duas dessas funções.
Cada sessão de treinamento consiste em 15 minutos dedicados a cada uma das funções de atenção. Os procedimentos específicos utilizados foram "FLIESSBAND" para vigilância, "FOTO" para atenção seletiva e "COCKPIT" para atenção dividida. A adaptabilidade do programa se manifesta por meio da progressão ou regressão automática nos níveis de dificuldade, com base no desempenho do participante.
Resultados e Eficácia Comprovada:
Os fundamentos do AixTent foram estabelecidos em estudos anteriores que demonstraram sua eficácia em pacientes com lesões cerebrais unilaterais de origem vascular (Sturm et al., 1994, 2001). A ausência de treinamento de alerta se justifica pela falta de diferenciação significativa entre crianças e adultos com TDAH e participantes saudáveis em termos de alerta tônico ou fásico (Tucha et al., 2006a, b, c, 2008, 2009).
Olhando para o Futuro da Pesquisa:
É importante notar que, neste estágio, o programa AixTent não inclui um treinamento de flexibilidade (mudança do foco de atenção), devido à falta de um procedimento de treinamento adequado e com eficácia comprovada. Este destaque aponta para a constante evolução e pesquisa na busca por abordagens cada vez mais abrangentes.
Em resumo, o programa de modulação de atenção AixTent surge como uma ferramenta alternativa na promoção de treinamento personalizado para pessoas com prejuízos no domínio atencional, destacando a importância de abordagens específicas e adaptáveis na busca por melhorias significativas na atenção e cognição.
Limitações para clínica e as adaptações e Alternativas:
Mesmo com avanços importantes em pesquisa, o programa ainda não está disponível para comercialização na prática clínica. O que encontramos disponíveis são adaptações possíveis, com base nos princípios metodológicos de intervenção, que abrangem desde a dosagem terapêutica até os critérios teóricos da modulação cognitiva no domínio atencional. Uma alternativa comercializada no Brasil, que compartilha princípios teóricos semelhantes, é o Pay Attention. Este cenário destaca a necessidade contínua de desenvolvimentos de produtos voltados para a prática clínica e a exploração de opções viáveis que consigam a assistir o paciente fora dos campos de pesquisa.
Fontes:
Tucha O, Tucha L, Kaumann G, König S, Lange KM, Stasik D, Streather Z, Engelschalk T, Lange KW. Training of attention functions in children with attention deficit hyperactivity disorder. Atten Defic Hyperact Disord. 2011 Sep;3(3):271-83. doi: 10.1007/s12402-011-0059-x. Epub 2011 May 20. PMID: 21597880; PMCID: PMC3158847.
Tucha O, Mecklinger L, Laufkoetter R, Klein HE, Walitza S, Lange KW. Methylphenidate-induced improvements of various measures of attention in adults with attention deficit hyperactivity disorder. J Neural Transm. 2006;113:1575–1592. doi: 10.1007/s00702-005-0437-7. [PubMed] [CrossRef] [Google Scholar]
Tucha O, Prell S, Mecklinger L, Bormann-Kischkel C, Kubber S, Linder M, Walitza S, Lange KW. Effects of methylphenidate on multiple components of attention in children with attention deficit hyperactivity disorder. Psychopharmacology. 2006;185:315–326. doi: 10.1007/s00213-006-0318-2. [PubMed] [CrossRef] [Google Scholar]
Tucha O, Walitza S, Mecklinger L, Sontag TA, Kuebber S, Linder M, Lange KW. Attentional functioning in children with ADHD—predominantly hyperactive-impulsive type and children with ADHD—combined type. J Neural Transm. 2006;113:1943–1953. doi: 10.1007/s00702-006-0496-4. [PubMed] [CrossRef] [Google Scholar]
Tucha L, Tucha O, Laufkoetter R, Walitza S, Klein HE, Lange KW. Neuropsychological assessment of attention in adults with different subtypes of attention-deficit/hyperactivity disorder. J Neural Transm. 2008;115:269–278. doi: 10.1007/s00702-007-0836-z. [PubMed] [CrossRef] [Google Scholar]
Tucha L, Tucha O, Walitza S, Sontag TA, Laufkoetter R, Linder M, Lange KW. Vigilance and sustained attention in children and adults with ADHD. J Atten Disord. 2009;12:410–421. doi: 10.1177/1087054708315065. [PubMed] [CrossRef] [Google Scholar]
Por Maria Ramim
No campo da neurorreabilitação, uma abordagem que ganhou destaque nos últimos anos é o uso da música como uma ferramenta terapêutica eficaz e adaptativa para pacientes que enfrentam condições clínicas relacionadas ao envelhecimento, como o Acidente Vascular Encefálico (AVE) e as demências. Este avanço está alinhado com as descobertas apresentadas no artigo de referência de Särkämö et al. publicado " Cognitive, emotional, and neural benefits of musical leisure activities in aging and neurological rehabilitation: A critical review".
De acordo com o artigo de Särkämö et al., a música é uma ferramenta terapêutica importante devido à sua capacidade de envolvimento de funções auditivas, cognitivas, motoras e emocionais nas regiões corticais e subcorticais do cérebro. Além disso, o processamento de estímulos musicais é relativamente preservado durante o processo de envelhecimento e nas fases iniciais das demências, tornando-a um aliado no fortalecimento de habilidades na reabilitação de doenças neurológicas associadas ao envelhecimento, como o AVE e a doença de Alzheimer.
Um dos principais benefícios destacados pelo estudo é que a música pode ser uma ferramenta terapêutica agradável e eficaz no cuidado diário dos pacientes. Além das sessões formais de musicoterapia, as atividades de lazer musical, como ouvir música e cantar, podem ser realizadas pelos pacientes individualmente ou com o auxílio de um cuidador. Essas atividades não apenas modulam as funções cognitivas associadas ao processamento sensorial de um estímulos com conteúdo de codificação implícita, mas também promovem o bem-estar psicológico durante o processo de envelhecimento e reabilitação neurológica.
A importância desse enfoque baseado na música é ainda mais significativa à medida que a população envelhece e a incidência e prevalência de condições neurológicas relacionadas ao envelhecimento aumentam rapidamente. A música fornece uma forma não invasiva e agradável de melhorar a qualidade de vida dos pacientes, ajudando a mitigar os sintomas associados a essas condições, como déficits cognitivos, depressão e ansiedade.
Além disso, a música pode ser personalizada para atender às necessidades individuais de cada paciente. Isso significa que as escolhas musicais podem ser adaptadas com base nas preferências e no histórico musical de cada pessoa, tornando o tratamento mais eficaz e envolvente.
Em resumo, o estudo de Särkämö et al. destaca a música como uma ferramenta promissora na neurorreabilitação de doenças neurológicas relacionadas ao envelhecimento. À medida que continuamos a enfrentar as dificuldades atreladas ao envelhecimento da população e o aumento nas incidências dessas condições, é fundamental que exploremos e aproveitemos o poder da música para melhorar a qualidade de vida e o bem-estar dos pacientes. A música não é apenas uma terapia, mas também uma fonte de alegria e conexão para aqueles que enfrentam desafios neurológicos, oferecendo esperança e alívio em sua jornada de reabilitação. A música ameniza as barreiras pessoais e mitiga algumas incapacidades na execução de tarefas e restrições na participação.
Fonte:
Särkämö T. Cognitive, emotional, and neural benefits of musical leisure activities in aging and neurological rehabilitation: A critical review. Ann Phys Rehabil Med. 2018 Nov;61(6):414-418. doi: 10.1016/j.rehab.2017.03.006. Epub 2017 Apr 29. PMID: 28461128.
A necessidade de se fazer uma crítica ao excesso de diagnósticos duplos nos transtornos neuropsiquiátricos e neurológicos é uma preocupação que merece nossa atenção. No campo da saúde mental, muitas vezes nos deparamos com agrupamentos de sintomas que fazem interseção com outros transtornos clínicos, levando à emissão de diagnósticos duplos que podem, muitas vezes, ser equivocados. Esse cenário, apesar de fundamentado em trabalhos publicados, carece de uma análise crítica mais aprofundada.
É crucial compreender que a comorbidade clínica, embora exista, é rara e geralmente associada a quadros graves. O que observamos, entretanto, é uma tendência alarmante dos profissionais de saúde em rotular pacientes com diagnósticos duplos de forma casual, sem considerar adequadamente a semiologia das doenças. Esse problema está relacionado, em parte, à falta de preparo na leitura crítica de artigos científicos, uma habilidade essencial para uma prática clínica responsável, mas que muitas vezes é negligenciada na formação dos estudantes da área da saúde.
Uma solução para enfrentar esse desafio é promover o incentivo à leitura crítica de artigos científicos desde a formação acadêmica. Recomendamos o livro "Medicina Baseada em Evidências: Seguindo os Passos de Sherlock Holmes" de Jorgen Nordenstrom, como um guia acessível para aprender a analisar trabalhos científicos de forma crítica.
Um exemplo do problema em questão é o excesso de diagnósticos duplos associados ao Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), muitas vezes em conjunto com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e Deficiência Intelectual (DI). Essas associações, quando examinadas de forma mais aprofundada, parecem casuais e até mesmo estranhas.
Por exemplo, o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) é definido pelo DSM-V por meio de obsessões e compulsões. As obsessões são pensamentos, impulsos ou imagens repetitivas, indesejadas e intrusivas que geralmente causam ansiedade ou angústia. As compulsões são atos mentais repetitivos ou evidentes que visam prevenir ou reduzir a ansiedade ou angústia. No entanto, já testemunhamos clínicos diagnosticando TEA como TOC devido a comportamentos repetitivos, ou confundindo as compulsões com Transtornos de Humor (TH). Consequentemente, é essencial considerar que esses sintomas não são exclusivos do TOC, e há pelo menos 14 outros transtornos comuns a esses critérios, como o Transtorno Dismórfico Corporal, a Tricotilomania, a Ansiedade Generalizada, os Transtornos Depressivos e de Dependência, entre outros, conforme o próprio DSM-5 nos alerta.
Portanto, é urgente que estabeleçamos uma abordagem mais precisa na definição de distúrbios clínicos, baseada em níveis cognitivos, fisiológicos, moleculares e genéticos, em vez de depender exclusivamente da fenotipagem. O National Institute of Mental Health (NIMH) divulgou seus próprios Critérios de Domínio de Pesquisa, conhecidos como RDoC, com base nessa visão. Uma abordagem promissora para esclarecer a neurobiologia dos transtornos psiquiátricos é identificar estruturas internas entre os agentes causadores de baixo nível e as manifestações fenotípicas, conhecidas como endofenótipos.
Um endofenótipo deve possuir várias características, como associação com a doença, hereditariedade e presença em familiares não afetados com maior frequência do que na população em geral. Essa abordagem pode ajudar a evitar diagnósticos duplos imprecisos e contribuir para uma prática clínica mais embasada em evidências com melhor grau de recomendações para o diagnóstico.
Em resumo, a revisão crítica dos diagnósticos duplos é um passo crucial para a melhoria da qualidade dos cuidados de saúde mental. Devemos promover a formação adequada dos profissionais de saúde, cultivar a leitura crítica de artigos científicos e adotar uma abordagem mais fundamentada em evidências, focando em características cognitivas, fisiológicas e genéticas para uma compreensão mais precisa dos transtornos neuropsiquiátricos e neurológicos. Só assim poderemos proporcionar um tratamento mais eficaz e individualizado para aqueles que mais precisam.
Por Maria Ramim
O Modelo de Resposta à Intervenção (RTI) surge como uma alternativa diagnóstica paradigmática para situações clínicas complexas, onde os dados clínicos disponíveis não oferecem clareza suficiente para uma indicação diagnóstica precisa.
O RTI é um modelo que vai além do escopo dos Distúrbios Específicos de Aprendizagem, revelando-se especificações únicas em casos em que a avaliação inicial produz dados conflitantes que dificultam a identificação de uma condição clínica específica. Nestes cenários, torna-se imperativo adotar uma abordagem mais ampla e longitudinal, vinculando cuidadosamente a avaliação aos dados resultantes da intervenção.
Neste sentido o paciente deve se submeter a um período de intervenção meticulosamente direcionado ao quadro clínico mais provável conforme os indicadores aferidos na avaliação de linha de base, com a elaboração de relatórios que documentam o padrão comportamental manifestado ao longo desse período de intervenção. Simultaneamente, é prioritário que seja incluída uma avaliação de acompanhamento, visando aferir a resposta clínica aos aspectos sensoriais, cognitivos comportamentais (incluindo motores) envolvidos durante a intervenção. Posteriormente, após esse período de avaliação terapêutica, deve ser feito uma nova avaliação que considere os dados recomendados de todo o processo intervencionista, envolvendo a formulação de um diagnóstico clínico definitivo com dados mais robusto colhidos numa linha temporal e respaldado pela resposta ou não a intervenção direcionada.
É importante ressaltar que o Modelo RTI, habilmente adaptado ao contexto clínico, sinergiza processos de avaliação e intervenção clínica em um programa meticulosamente estruturado, ancorado nos déficits identificados em uma avaliação de linha de base. Este programa se desenvolve em três horizontes temporais distintos: a curto prazo, engloba estratégias destinadas a superar as deficiências percepcionais, atencionais (esboçados conforme a primeira unidade funcional de Luria) e na regulação das respostas motoras mais simples; a médio prazo, concentra-se nos desafios identificados na fase de elaboração (esboçados conforme a segunda unidade funcional de Luria) e atrelados às respostas motoras mais complexas; por fim, a longo prazo, concentra-se nas respostas que apresentam especificidades na saída (esboçados conforme a terceira unidade funcional de Luria) - em que resíduos motores simples e complexos ainda exibem déficits persistentes, bem como no âmbito comportamental.
Além disso, ao longo desse percurso terapêutico, devem ser abordadas estratégias destinadas a suprimir barreiras ambientais e pessoais na etapa de curto-prazo, mitigar restrições e limitações na participação e realização de tarefas na etapa de médio-prazo, e, em longo-prazo, reverter resquícios adaptativos associados a deficiências cognitivas.
A perspectiva do Modelo RTI, adaptada à clínica, coaduna-se com uma abordagem embasada em evidências, amalgamando a sabedoria diagnóstica e terapêutica em um todo coerente e progressivo, com vistas à melhoria da qualidade de vida do paciente.
A cognição humana, em sua intrincada e imponente natureza, frequentemente se mostra suscetível a perturbações, que podem ser originadas tanto por lesões, como um Acidente Vascular Encefálico - AVE, quanto por disfunções relacionadas ao neurodesenvolvimento. Nesses cenários de abalo do funcionamento adaptativo cerebral, a Reabilitação Cognitiva (RC) emerge como uma modalidade terapêutica que percorre minuciosamente o trajeto da modulação funcional e adaptativa das capacidades cognitivas.
Numa analogia muito rudimentar, o cérebro pode ser equiparado a um computador de alta complexidade, sujeito, no entanto, a "bugs" que interferem nos processos de raciocínio, memória e em outros domínios cognitivos. Nesses casos de disfunções ou lesões que afetam a cognição, a RC desempenha o papel de um habilidoso programador, dedicado a eliminar tais obstáculos com precisão cirúrgica, restaurando e/ou compensando o funcionamento adaptativo e funcional do aparato cognitivo. Ela realiza tal façanha por meio de métodos, técnicas, tarefas e estímulos altamente especializados, os quais reconfiguram o padrão funcional num viés positivo de neuroplasticidade (aprendizagem), otimizando-o para um desempenho mais eficiente, funcional e adaptativo.
O processo de reabilitação cognitiva é, por si só, um artefato intrincado de modulação da cognição. Sua instauração inicia-se com uma meticulosa avaliação conduzida por um terapeuta especializado, que identifica as áreas da cognição afetadas e a extensão de seu impacto na vida do indivíduo. Por exemplo, um paciente com dificuldades de retenção de informações será submetido a um plano terapêutico desenhado especificamente para modular os processos de memória, seguindo rigorosamente a hierarquia do processamento de informações, a teria motora da cognição e a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), visando garantir uma codificação eficaz para subsequente recuperação e reconhecimento. No estágio inicial, as tarefas prescritas são relativamente simples, porém, à medida que o indivíduo progride, são apresentados desafios progressivamente mais complexos.
No âmbito da RC, destacam-se dois enfoques primordiais: a reabilitação restaurativa, que busca recuperar funções cognitivas perdidas por meio de recursos cognitivos altamente especializados, e a reabilitação compensatória, que auxilia o indivíduo a desenvolver estratégias que contornem suas limitações, frequentemente fazendo uso de tecnologias assistivas.
Convém notar que a RC não se revela como uma panaceia instantânea, mas sim como um processo que demanda tempo, paciência e prática, assemelhando-se, por analogia, ao treinamento de um atleta de elite preparando-se para uma competição olímpica. No entanto, diversas narrativas de êxito clínico testemunham sua eficácia, resgatando habilidades que, a princípio, pareciam irremediavelmente perdidas.
A eficácia da RC constitui um tema de controvérsia científica, com estudos oscilando entre resultados positivos e perspectivas divergentes, variando conforme a natureza da lesão cerebral e a condição específica do paciente. Contudo, quando aplicada com rigor metodológico, a RC possui o potencial de engendrar um impacto substancial na recuperação e no aprimoramento das capacidades cognitivas.
A concepção moderna da RC remonta às teorias de Luria, que postulou que a recuperação funcional ocorre por meio do estabelecimento de novas conexões, adquiridas durante exercícios de modelagem cognitiva (neuroplasticidade positiva). Atualmente, a RC engloba uma abordagem pautada na minuciosa avaliação das funções cognitivas, no estabelecimento de metas terapêuticas e na aplicação de tarefas específicas voltadas para a otimização da função cognitiva.
Em síntese, a reabilitação cognitiva se erige como uma luz-guia para aqueles que enfrentam desafios cognitivos. À medida que esse campo prossegue seu desenvolvimento e aprimoramento, novas descobertas e abordagens estão delineando diretrizes clínicas que exploram o potencial inexplorado da cognição humana. Nesse esforço conjunto entre terapeutas e pacientes, a RC assume um papel de destaque como ferramenta crucial para modificar a intricada natureza da cognição humana e resgatar a funcionalidade cognitiva que outrora parecia perdida de forma irremediável.
Fontes:
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Hrabok, M., Kerns, K.A. (2011). Cognitive Rehabilitation. In: Kreutzer, J.S., DeLuca, J., Caplan, B. (eds) Encyclopedia of Clinical Neuropsychology. Springer, New York, NY. https://doi.org/10.1007/978-0-387-79948-3_1085
“Os déficits de atenção são fenótipos comportamentais chave de um número considerável de doenças neurológicas e genéticas caracterizadas por transtornos psiquiátricos complexos. Será que o erro reside em confundir tais déficits com os traços de atenção únicos e muito diferentes do autismo? Em outras palavras, as características de atenção dos transtornos são ignoradas através de uma generalização errônea?”
“As atenções observadas no TEA são intrínsecas a esse transtorno e não podem ser simplesmente atribuídas ao TDAH comórbido!”
Por Maria Ramim
Uma análise aprofundada do artigo "ASD and ADHD Comorbidity: What Are We Talking About?" publicado em 2022 na Frontiers Psychiatry revela questões prementes no campo da saúde mental: o diagnóstico duplo incorreto de Transtorno do Espectro Autista (TEA) e Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Este equívoco, embora frequente, não considera as notáveis diferenças que existem entre esses dois distúrbios clínicos.
É incontestável que há uma sobreposição de sintomas entre TEA e TDAH, incluindo até mesmo a disfunção sensorial, que, apesar de não ser o foco do artigo em questão quanto a argumentação, tem sido objeto de estudos independentes. No entanto, compartilhar alguns sintomas não justifica uma conclusão precipitada de diagnóstico duplo. Como o senso comum nos lembra, "nem tudo que tem bigode é gato", mas nem sempre isso se aplica a prática clínica, infelizmente.
Os estudos que indicam altas prevalências de comorbidade entre esses distúrbios podem, em parte, ser influenciados por um "preconceito" teórico pouco fundamentado, que abriga uma variedade de paradigmas experimentais que podem estar medindo diferentes fenômenos. De qualquer forma, o autismo e o TDAH têm características distintas e, também, sobrepostas em quatro domínios neurocognitivos: processamento de atenção, monitoramento de desempenho, processamento facial e processamento sensorial.
No entanto, é crucial destacar que as especificidades das atenções observadas no TEA são intrínsecas a esse transtorno e não podem ser simplesmente atribuídas ao TDAH comórbido. Por exemplo, no TEA, a atenção sustentada e seletiva é notavelmente mais intensa, assim como a busca visual, embora esta última reflita mais a qualidade do processamento perceptivo do que a atenção em si. Além disso, a capacidade de direcionar a atenção para estímulos sociais é deficiente em pacientes com TEA.
A atenção conjunta, uma habilidade social importante, também parece estar ausente em indivíduos com TEA, contribuindo para dificuldades na comunicação social. A disfunção amigdalar desempenha um papel fundamental na interação entre processamento sensorial e atenção no TEA, modulando como os eventos emocionais são percebidos. Portanto, entender os mecanismos neurais por trás das atenções é essencial para uma avaliação precisa.
Além disso, a hiper-reatividade sensorial, característica do TEA, está associada a uma atenção superseletiva e superfocada, comportamentos perseverantes e estereotipados, e excelentes capacidades de memória, mas também a déficits sociais significativos. Essa atenção excessiva, mas estereotipada, pode ser confundida com desatenção típica do TDAH.
A agitação psicomotora no TEA, por sua vez, parece relacionar-se a sistemas de excitação atípicos e à hiperatividade dopaminérgica, com efeitos diferentes dos observados no TDAH. Essas complexidades neurocognitivas desafiam a generalização simplista de diagnóstico duplo.
Ao abordar a atenção, o TDAH tende a refletir dificuldades em detectar pistas que permitiriam a antecipação, enquanto o TEA está mais diretamente relacionado a uma capacidade perceptiva elevada e orientação menos flexível para novos estímulos. A inibição prejudicada, característica fisiopatológica central do TDAH, não foi estudada em pacientes com TEA, indicando uma diferença fundamental entre os dois transtornos.
A motivação também desempenha um papel crucial na atenção conjunta no TEA, e a avaliação precoce desses processos pode ser vital para o diagnóstico diferencial.
Em resumo, embora o TEA e o TDAH compartilhem alguns sintomas, suas especificidades de atenção e as complexidades neurocognitivas que as acompanham não podem ser subestimadas. Portanto, o diagnóstico de comorbidade deve ser abordado com extrema cautela, levando em consideração uma análise abrangente do quadro clínico. A complexidade envolvida na diferenciação entre TEA e TDAH enfatiza a urgência de desenvolver instrumentos clínicos e eletrofisiológicos mais refinados, a fim de realizar avaliações neuropsicológicas mais precisas. Isso é essencial para evitar a prática de rotular tantos gatos simplesmente com base em seus bigodes.
Em vez de uma abordagem simplista, devemos adotar uma visão mais ampla e crítica, considerando os múltiplos aspectos que diferenciam esses transtornos e explorando as nuances que a pesquisa científica continua a revelar. Afinal, não podemos permitir que a sobreposição de sintomas obscureça a singularidade e a complexidade dessas condições.
Fonte:
Hours C, Recasens C, Baleyte JM. ASD and ADHD Comorbidity: What Are We Talking About? Front Psychiatry. 2022 Feb 28;13:837424. doi: 10.3389/fpsyt.2022.837424. PMID: 35295773; PMCID: PMC8918663.
Por Maria Ramim
A aprendizagem de uma criança pode ser afetada por diversos fatores, e é importante considerar tanto as características intrínsecas da criança quanto o ambiente ao seu redor. No caso de crianças com Distúrbio Específico de Linguagem (DEL) de tipo compensado, várias influências podem estar contribuindo para suas dificuldades acadêmicas e emocionais.
Primeiramente, é essencial destacar que crianças com DEL de tipo compensado enfrentam desafios específicos no desempenho educacional. O DEL é um distúrbio linguístico heterogêneo que afeta a compreensão e expressão da linguagem. No caso do DEL de tipo compensado, as crianças possuem a habilidade de implementar estratégias para mitigar os impactos de suas dificuldades linguísticas, tornando os déficits menos evidentes em termos de manifestações clínicas.
É importante esclarecer o conceito de "tipo compensado," que se refere à capacidade das crianças de lidar de forma adaptativa com suas dificuldades linguísticas. No entanto, essa compensação pode não ser suficiente para superar todos os obstáculos, e é aqui que os desafios surgem.
Pesquisas indicam que crianças com DEL de tipo compensado frequentemente enfrentam desafios na consciência pragmática, que envolve a interpretação eficiente do conteúdo pragmático da linguagem. Isso pode levar a sobrecarga de recursos cognitivos e demanda excessiva de memória, afetando o desempenho acadêmico.
Além disso, essas crianças também podem apresentar dificuldades na compreensão de leitura, especialmente no que diz respeito ao vocabulário receptivo e à compreensão de histórias. Essas limitações linguísticas podem ser atenuadas por um vocabulário sólido de tipo expressivo, mas ainda podem se refletir em sua capacidade de produzir frases faladas de forma ágil e flexível.
No contexto do DEL de tipo compensado, as dificuldades em associar os sons das palavras com suas representações escritas podem levar a problemas na expressão oral. No entanto, é importante ressalvar mais uma vez que o vocabulário oral/expressivo dessas crianças pode ser preservado, indicando que elas podem estar compensando suas dificuldades de forma verbal, mas enfrentam desafios na compreensão e produção escrita.
Essas dificuldades linguísticas não se limitam ao aspecto acadêmico; elas têm repercussões na esfera emocional das crianças. Muitas vezes, crianças com DEL de tipo compensado podem desenvolver transtornos emocionais ainda mais graves, como ansiedade generalizada e estados depressivos, devido à tentativa de compensar suas dificuldades linguísticas de forma disfuncional, sobrecarregando o sistema emocional.
É comum que essas crianças enfrentem desafios na regulação emocional e comportamental, e suas ansiedades e inseguranças são sintomas dessas dificuldades emocionais relacionadas à linguagem.
Para abordar eficazmente as dificuldades das crianças com DEL de tipo compensado, é crucial adotar uma abordagem multidisciplinar. Isso inclui intervenções específicas para melhorar a consciência fonêmica e o vocabulário receptivo, juntamente com suporte emocional para lidar com a ansiedade e a insegurança. Somente assim essas crianças poderão superar as barreiras pessoais e ambientais que afetam seu desempenho escolar e emocional.
Em resumo, o DEL de tipo compensado é um desafio complexo que afeta não apenas a linguagem, mas também a emocionalidade das crianças. Com uma abordagem integrada e apoio adequado, podemos amenizar as barreiras dessas crianças quanto ao potencial acadêmico e emocional.
Fontes:
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Por Maria Ramim
As deficiências cognitivas que acompanham a demência podem comprometer significativamente a capacidade funcional e a qualidade de vida das pessoas afetadas. Diante dessa realidade, a Reabilitação Cognitiva (RC) emerge como uma abordagem terapeutica para auxiliar indivíduos com demência leve a moderada a lidar com os desafios do dia a dia, promovendo independência e funcionalidade. O recente artigo "Cognitive rehabilitation for people with mild to moderate dementia," publicado por Kudlicka et al. na Cochrane Database of Systematic Reviews, investigou os efeitos da RC nesse contexto, examinando não apenas os impactos para os pacientes, mas também para seus cuidadores.
Historicamente, o campo da RC tem evoluído de maneira notável, encontrando suas raízes no século XIX, com exemplos notáveis como as práticas de reabilitação linguística conduzidas por Broca. Desde então, a RC passou por várias fases de desenvolvimento, moldadas por influências sociais e avanços científicos. Durante as guerras mundiais, pioneiros como Goldstein e Luria estabeleceram bases fundamentais para a prática contemporânea de reabilitação cognitiva.
A abordagem atual da RC envolve avaliação individualizada das funções cognitivas, estabelecimento de metas específicas e aplicação de estímulos cognitivos direcionados para melhorar as capacidades cognitivas afetadas. Dentro desse escopo, há dois enfoques principais: a Reabilitação Restauradora, que visa recuperar funções cognitivas prejudicadas, e a Reabilitação Compensatória, que busca desenvolver estratégias alternativas para contornar as limitações cognitivas.
Os resultados do estudo de Kudlicka et al. são expressivos para pacientes com demência. Ao analisar uma ampla gama de resultados, eles observaram que a RC teve efeitos significativamente positivos no alcance de metas, autoeficácia e funcionalidade geral em pacientes com demência leve a moderada. Além disso, os impactos positivos se estenderam para os parceiros de cuidados, aliviando aspectos ambientais da qualidade de vida. Contudo, deve-se fazer uma ressalva em relação aos efeitos menores, porém adversos, identificados em áreas como a depressão. Esse resultado ressalta a necessidade de uma abordagem flexível e sensível que compreenda as complexas dimensões emocionais enfrentadas por pacientes com demência, incluindo as manifestações neuropsiquiátricas. Esses aspectos exigem uma atenção clínica cuidadosa, visando à melhoria global da qualidade de vida dos pacientes.
Os participantes do estudo, em sua maioria diagnosticados com doença de Alzheimer, demonstraram melhorias consistentes após a aplicação da RC, indicando que essa abordagem pode ser uma peça fundamental no quebra-cabeça do cuidado à demência. Entretanto, algumas questões permanecem em aberto, apontando para a necessidade de mais pesquisas, especialmente aquelas que avaliem processos e identifiquem estratégias para maximizar os benefícios da RC e ampliar seu impacto na funcionalidade e bem-estar.
Em suma, a Reabilitação Cognitiva representa um avanço notável no cuidado de pessoas com demência leve a moderada. Seu potencial para aprimorar as capacidades cognitivas e funcionais, tanto para os pacientes quanto para seus cuidadores, oferece uma esperança renovada em meio aos desafios que a demência impõe. À medida que a pesquisa continua a iluminar os caminhos a seguir, a RC se consolida como uma ferramenta essencial no arsenal de estratégias para enfrentar essa complexa condição.
Fonte: Kudlicka A, Martyr A, Bahar-Fuchs A, Sabates J, Woods B, Clare L. Cognitive rehabilitation for people with mild to moderate dementia. Cochrane Database Syst Rev. 2023 Jun 29;6(6):CD013388. doi: 10.1002/14651858.CD013388.pub2. PMID: 37389428; PMCID: PMC10310315.
Por Maria Ramim
No complexo cenário do Transtorno do Espectro Autista (TEA), uma preocupante disparidade vem à tona: o diagnóstico tardio e negligência no manejo clínico das mulheres afetadas por essa condição. O estudo de Bargiela et. al. (2016) “The Experiences of Late-diagnosed Women with Autism Spectrum Conditions: An Investigation of the Female Autism Phenotype” , focado nas experiências de 14 mulheres jovens com TEA, expôs as dificuldades que elas enfrentam em busca de um diagnóstico preciso e nas estratégias que desenvolvem para se ajustarem a um mundo que muitas vezes parece não entender suas necessidades.
Os quatro principais temas que emergiram desse estudo de julgamentos estereotipados heteropercebidos e autopercebidos quanto ao sofrimento dessas mulheres foram: "Você não é autista", "Fingir ser normal", "Passivo para assertivo" e "Forjando uma identidade como uma jovem mulher com TEA" são reveladores de uma luta diária que muitas mulheres com autismo enfrentam, e destacam a necessidade urgente de uma mudança no paradigma de diagnóstico e tratamento.
O primeiro tema, "Você não é autista", expõe as barreiras significativas que as mulheres enfrentam ao buscar um diagnóstico. Muitas vezes, elas são mal compreendidas ou até mesmo ignoradas por profissionais de saúde. A falta de conhecimento sobre como o autismo pode se manifestar de forma diferente em mulheres, combinada com estereótipos ultrapassados, frequentemente leva a diagnósticos equivocados, como depressão ou ansiedade.
O segundo tema, "Fingir ser normal", revela uma estratégia de adaptação adotada por muitas mulheres com TEA para se encaixarem socialmente. Esse mascaramento de traços autistas é frequentemente desgastante e pode levar à perda de identidade e ao isolamento emocional.
O terceiro tema, "Passivo para assertivo", destaca as dificuldades que as mulheres com autismo enfrentam em relacionamentos devido a uma tendência percebida de passividade. Essa submissão pode levar a situações prejudiciais, e muitas mulheres, com o tempo, aprendem a se tornar mais assertivas, desenvolvendo habilidades para identificar manipulação e estabelecer limites saudáveis.
O último tema, "Forjando uma identidade como uma jovem mulher com TEA", explora como as expectativas sociais baseadas em estereótipos de gênero afetam as mulheres com TEA. Elas frequentemente enfrentam o desafio de se encaixar em papéis tradicionais, enquanto também buscam expressar sua identidade única. Plataformas online fornecem um espaço valioso para compartilhar experiências e estabelecer conexões com outras mulheres com autismo.
Abaixo o detalhamento feitos pelos autores do estudos desses 4 principais temas emergidos dessas 14 mulheres com TEA:
"Você não é autista":
Muitas mulheres jovens com TEA relataram dificuldades para obter um diagnóstico autista, sendo frequentemente ignoradas ou mal compreendidas por profissionais de saúde.
Barreiras comuns para o diagnóstico incluíam o desconhecimento de como o autismo se manifesta em mulheres, estereótipos equivocados e a crença de que elas não podiam ser autistas devido a habilidades sociais superficiais.
Profissionais de saúde, professores e outros também frequentemente diagnosticavam erroneamente problemas diferentes, como depressão, ansiedade ou transtorno de personalidade múltipla, em vez de TEA.
"Fingir ser normal":
Muitas mulheres jovens adotaram estratégias de "mascarar" ou imitar comportamentos neurotípicos para se adaptarem socialmente.
Essas estratégias incluíram o uso de uma "máscara" social, imitação de comportamentos e aprendizado de expressões faciais e linguagem corporal de fontes de mídia.
O mascaramento frequentemente resultou em exaustão, perda de identidade e dificuldade em reconhecer seus próprios sentimentos.
"Passivo para assertivo":
Muitas mulheres relataram experiências de vitimização e dificuldades em relacionamentos devido a sua passividade percebida.
Alguns participantes se sentiam pressionados a agradar aos outros, evitar conflitos e ceder a demandas indesejadas.
Com o tempo, várias mulheres se tornaram mais assertivas e desenvolveram habilidades para identificar manipulação e situações prejudiciais.
"Forjando uma identidade como uma jovem mulher com TEA":
As mulheres jovens enfrentaram expectativas sociais baseadas em estereótipos de gênero, muitas vezes tentando se adequar a papéis tradicionais, mas também rejeitando-os.
A formação de amizades foi desafiadora devido à dificuldade em entender as interações sociais e ao conflito entre as amizades masculinas e femininas.
Plataformas online forneceram um espaço para criar amizades e compartilhar experiências com outras mulheres com TEA.
A identidade muitas vezes foi moldada por interesses especiais, que proporcionaram um senso de propósito, realização e uma forma alternativa de definir a si mesmas.
Além desses temas, os resultados do estudo também enfocam a camuflagem – a prática de imitar comportamentos neurotípicos para se ajustar socialmente. Esse esforço muitas vezes exaustivo para ser "normal" foi um traço marcante nas experiências das participantes. O estudo revelou que essa camuflagem é frequentemente autodidata e inconsciente, destacando a complexidade dessa estratégia de adaptação.
As conclusões da pesquisa também revelaram um diagnóstico tardio como uma preocupação central. A camuflagem, juntamente com características específicas do autismo feminino, contribui para diagnósticos equivocados ou negligência por parte dos profissionais de saúde. Essa falha tem um impacto significativo na saúde mental das mulheres afetadas, exacerbando problemas como a ansiedade.
Apesar dos desafios, o estudo também destacou o impacto positivo que um diagnóstico tardio pode ter. A maioria das participantes sentiu um senso de pertencimento e compreensão após receberem o diagnóstico, contrastando com o estigma negativo que muitas vezes prevalece na ausência de diagnóstico.
Abaixo as 10 características essenciais do TEA feminino, elencadas no estudo:
Camuflagem e esforços para ser "normal": Muitas participantes relataram camuflar seus traços autistas, adotando comportamentos sociais "neurotípicos". Isso envolve esforços conscientes para aprender habilidades sociais e comportar-se de maneira mais típica. Esses esforços foram frequentemente descritos como "colocar uma máscara".
Autodidatismo para camuflagem: O desenvolvimento dessas personas neurotípicas exigiu aprendizado contínuo e autodidata, incluindo observação cuidadosa, leitura de psicologia, imitação de personagens fictícios e aprendizado por tentativa e erro em situações sociais.
Elementos inconscientes de camuflagem: Algumas mulheres copiavam comportamentos sociais sem perceber que estavam imitando, ressaltando a complexidade da camuflagem.
Desvantagens da camuflagem: A camuflagem estava associada a exaustão, confusão sobre identidade pessoal e problemas nas relações interpessoais devido a uma priorização excessiva da adaptação.
Pressões de gênero e papéis tradicionais: Algumas participantes sentiram conflito entre a pressão para se conformar a papéis de gênero tradicionais e o desejo de aceitar sua identidade autista.
Dificuldades na interação com pares femininos: A dificuldade de comunicação social autista dificultava a participação em grupos de pares femininos, considerados mais sutis e menos tolerantes a erros.
Identidade de gênero: Embora ninguém no estudo discordasse do gênero atribuído ao nascimento, o conflito entre identidade feminina e autista sugeria uma possível influência nas taxas elevadas de disforia de gênero.
Diagnóstico tardio: O estudo destacou o preconceito contra o diagnóstico de TEA feminino, indicando que a camuflagem e características específicas do fenótipo feminino contribuem para diagnósticos tardios ou negligência.
Desafios de saúde mental: Mulheres com TEA geralmente enfrentavam problemas de saúde mental, como ansiedade, destacando a importância do diagnóstico para o acesso a apoio adequado.
Impacto positivo do diagnóstico: A maioria das participantes considerou o diagnóstico tardio como benéfico, proporcionando um senso de pertencimento e compreensão, embora a falta de diagnóstico tenha resultado em rotulagem negativa.
Em última análise, esse estudo importante para a aplicação clínica destaca a necessidade urgente de uma abordagem mais sensível e informada sobre gênero no diagnóstico e manejo do TEA. Profissionais de saúde devem ser capacitados para reconhecer as nuances do autismo feminino e oferecer intervenções adequadas. Romper as barreiras que impedem um diagnóstico e tratamento adequados é essencial para garantir a saúde e o bem-estar de mulheres com autismo, permitindo que elas alcancem todo o seu potencial funcional e adaptativo.
Fonte: Bargiela S, Steward R, Mandy W. The Experiences of Late-diagnosed Women with Autism Spectrum Conditions: An Investigation of the Female Autism Phenotype. J Autism Dev Disord. 2016 Oct;46(10):3281-94. doi: 10.1007/s10803-016-2872-8. PMID: 27457364; PMCID: PMC5040731.
O traumatismo cranioencefálico leve (TCE leve) é caracterizado por lesões na cabeça com perda de consciência de até 30 minutos, amnésia pós-traumática e alteração de consciência por até 24 horas, sem evidências visíveis em exames. Recentemente, a atenção para o TCE leve cresceu, devido a lesões esportivas, acidentes e de combate amplamente divulgadas. Contudo, muitos casos passam despercebidos, levando a sintomas não reconhecidos e deficiências crônicas, como déficits de atenção, dores de cabeça, fadiga, estresse pós-traumático e problemas no funcionamento executivo.
Aproximadamente 70% dos casos de lesão cerebral traumática são considerados TCE leve e frequentemente são diagnosticados com base nas queixas do indivíduo, sem evidências objetivas após a lesão. Os sintomas do TCE leve podem ser confundidos com outros estressores, como dor, estresse pós-traumático, ansiedade e depressão.
Muitos indivíduos relatam sintomas cognitivos, físicos e psicológicos meses ou anos após o TCE leve, incluindo comprometimento do funcionamento executivo, afetando a atenção, memória, organização e planejamento. Isso pode impactar negativamente a capacidade de manter um emprego devido aos déficits no funcionamento executivo.
A conscientização das sequelas cognitivas de longo prazo do TCE leve levou ao desenvolvimento de protocolos de treinamento e reabilitação cognitiva. Diversos programas foram criados com foco na melhoria das funções cognitivas e adaptando-se às demandas diárias e funcionais do indivíduo. Alguns desses programas incluem:
1. Treinamento de Memória Estratégica e Raciocínio (SMART)
O treinamento SMART utiliza abordagens estratégicas de cima para baixo para aprimorar o controle cognitivo, como atenção estratégica, raciocínio integrativo e inovação. Seu foco é alcançar funcionalidade adaptativa nas áreas de educação e trabalho, direcionando-se para modular os domínios de atenção e funções executivas. Descobriu-se que o SMART melhora funções executivas, como raciocínio, inibição e habilidades do dia a dia.
2. Treinamento de Gerenciamento de Metas (GMT)
O GMT emprega estratégias metacognitivas para melhorar a capacidade dos pacientes de definir e atingir metas em situações da vida real. O objetivo é alcançar funcionalidade adaptativa em educação e organização de tarefas, com foco na modulação dos domínios de metacognição e funções executivas. Observou-se melhoria na função executiva cognitiva autorelatada na vida diária e melhor desempenho em tarefas que requerem atenção.
3. Terapia de Reabilitação Cognitiva (TRC)
A TRC tem como objetivo permitir que pacientes voltem, dentro do possível, a uma vida normal, por meio da reconstrução ou compensação de funções perdidas. Concentra-se na funcionalidade adaptativa em autoconsciência, com foco na modulação dos domínios de atenção e autocontrole. Embora tenha efeitos ao longo da terapia, não se observou transferência significativa de capacidade para a vida diária.
4. Gerenciamento de Sintomas Cognitivos e Terapia de Reabilitação (CogSMART)
O CogSMART é uma intervenção de treinamento cognitivo compensatório multimodal, enfatizando o aprendizado de hábitos e estratégias compensatórias na memória prospectiva, atenção, aprendizado, memória e funções executivas. Seu foco é a funcionalidade adaptativa em educação (aprendizado) e hábitos, com o objetivo de modular vários domínios cognitivos. Houve reduções significativas nos sintomas pós-concussivos autorrelatados e melhorias na qualidade de vida, memória prospectiva no mundo real e funcionamento diário.
5. Treinamento de Estratégia Cognitiva (CST)
O CST visa ensinar estratégias individuais que permitam aos pacientes contornar seus déficits cognitivos. Concentra-se na funcionalidade adaptativa em educação, estratégias de estilo de vida e rotina, com modulação dos domínios de memória, atenção e funções executivas. A CST mostrou utilidade percebida de estratégias de compensação cognitiva, redução da depressão e melhoria na satisfação com a vida.
6. Treinamento Cognitivo Compensatório
Este treinamento é realizado em grupo, com apresentações didáticas interativas, discussões em sala de aula e atividades práticas. Ele visa melhorar habilidades de gerenciamento de tempo, organização, memória e atenção. Observou-se que os participantes enfrentaram menos dificuldades cognitivas e de memória após esse treinamento, além de um maior uso de estratégias cognitivas. Também facilitou mudanças comportamentais e melhorias subjetivas/objetivas em domínios cognitivos específicos.
7. Autorregulação da Atenção Orientada a Objetivos (OBJETIVOS)
O programa OBJETIVOS é um treinamento de reabilitação cognitiva que foca nas funções de controle executivo, ensinando estratégias de regulação da atenção e gerenciamento de metas baseadas na atenção plena. Ele visa a funcionalidade adaptativa nas áreas de habilidades e objetivos em ambientes da vida real, modulando os domínios de atenção, memória e funções executivas. As melhorias obtidas através deste programa se estendem para a cognição, regulação emocional e funcionamento diário.
8. Treinamento de Atenção
O treinamento de atenção engloba desde tarefas simples, como o uso de flashcards, até atividades mais complexas para aprimorar a atenção complexa e a memória de trabalho. As evidências indicam melhorias significativas nas habilidades de atenção, incluindo atenção focada, sustentada, seletiva, alternada e dividida, bem como na memória.
9. Treinamento de Comunicação Funcional/Cognitiva
Esse programa é voltado para a reabilitação da comunicação, permitindo que os pacientes pratiquem suas habilidades em situações contextuais relevantes para suas vidas. O foco é alcançar funcionalidade adaptativa nas áreas de audição, fala, escrita, leitura, conversação e interação social. Embora não seja um programa completo, enfatiza a importância de medir resultados significativos para a pessoa no contexto da participação social.
10. Programas Específicos para Retorno ao Trabalho (RTW)
As intervenções cognitivas do programa RTW visam aprimorar a memória, reduzir sintomas pós-concussivos e melhorar o funcionamento neuropsicológico. Estratégias cognitivas compensatórias, especialmente aquelas apoiadas por dispositivos de suporte, demonstraram ser mais eficazes para facilitar o retorno ao trabalho e a integração comunitária após o traumatismo cranioencefálico.
11. Técnicas Baseadas em Tecnologia: Realidade Virtual (RV), Treinamento com Inteligência Artificial (AIVTS) e Programas Computadorizados
Logo, os resultados gerais indicam melhorias não apenas nas áreas moduladas, mas também em áreas não diretamente moduladas. Desta forma, a modulação cognitiva pode resultar em aprimoramentos funcionais. Além disso, ressalta-se a importância dos padrões de desempenho, hábitos e rotinas, assim como a necessidade de medir resultados significativos para a pessoa no contexto social. Enfatiza-se que o TCE leve é uma condição crônica, suas sequelas cognitivas podem piorar sem intervenções adequadas ao longo do tempo.
Fonte: Vas A, Luedtke A, Ortiz E, Mackie N, Gonzalez S. Cognitive Rehabilitation: Mild Traumatic Brain Injury and Relevance of OTPF. Occup Ther Int. 2023 May 29;2023:8135592. doi: 10.1155/2023/8135592. PMID: 37283959; PMCID: PMC10241584.
A esquizofrenia é uma doença mental complexa que afeta milhões de pessoas em todo o mundo. Um recente artigo saído do forno e intitulado "Cognitive Rehabilitation for Patients with Schizophrenia: A Narrative Review of Moderating Factors, Strategies, and Outcomes" apresenta dados sobre a neurorreabilitação cognitiva para pacientes que enfrentam os desafios dessa condição. A pesquisa destaca fatores cruciais que influenciam os resultados positivos, estratégias eficazes e as mais recentes evidências em relação aos tratamentos.
Conduzido por Skokou et al. e publicado no periódico "Advances in Experimental Medicine and Biology" em 2023, o estudo fornece uma visão abrangente sobre a reabilitação cognitiva na esquizofrenia, oferecendo informações fundamentais para profissionais de saúde que trabalham com pacientes afetados por essa condição complexa.
O estudo identificou diversos fatores que contribuem para resultados favoráveis na neurorreabilitação cognitiva em pacientes com esquizofrenia. Estes incluem a idade jovem, a fase inicial da doença, o controle dos sintomas de hostilidade e desorganização conceitual, a ausência de sintomas negativos, o manejo dos efeitos colaterais dos medicamentos e a reserva cognitiva e cortical. Além disso, a pesquisa destaca que certos tratamentos medicamentosos, como antipsicóticos atípicos, clozapina, aripiprazol, memantina, modafinil, d-serina e cicloserina, podem ter efeitos pro-cognitivos, trazendo efeitos clínicos positivos para pacientes e sendo um recurso clínico importante para profissionais de saúde.
O estudo também explora o impacto do polimorfismo Val/Val do gene COMT, que parece estar associado a um pior prognóstico para os pacientes. Isso ressalta a importância de considerar fatores genéticos individuais ao desenvolver abordagens de neurorreabilitação.
Em termos de estratégias práticas, diversos modelos de intervenções têm mostrado eficácia na neurorreabilitação cognitiva de pacientes com esquizofrenia. Programas como a Terapia de Aprimoramento Cognitivo (CET), o Treinamento de Adaptação Cognitiva (CAT) e o Software de Terapia Cognitiva RehaCom são mencionados como exemplos. Esses programas utilizam uma variedade de técnicas que vão desde métodos tradicionais com papel e lápis até abordagens assistidas por computador, proporcionando uma ampla gama de opções para personalizar os tratamentos de acordo com as necessidades individuais dos pacientes.
Um aspecto fundamental ressaltado pelo estudo é que os sintomas cognitivos da esquizofrenia estão diretamente ligados ao comprometimento funcional dos pacientes. Portanto, as estratégias de neurorreabilitação cognitiva continuam sendo uma abordagem terapêutica vital, uma vez que são as únicas capazes de promover melhorias cognitivas para pacientes que enfrentam dificuldades em sua recuperação.
Em um panorama onde a esquizofrenia continua a desafiar pacientes, familiares e profissionais de saúde, a pesquisa proporciona critérios norteadores, destacando que avanços significativos estão sendo feitos na neurorreabilitação cognitiva. A colaboração entre a pesquisa científica e a prática clínica desempenha um papel crucial na melhoria da qualidade de vida dos pacientes com esquizofrenia, fornecendo esperança e oportunidades reais de recuperação.
Fonte: Skokou M, Messinis L, Nasios G, Gourzis P, Dardiotis E. Cognitive Rehabilitation for Patients with Schizophrenia: A Narrative Review of Moderating Factors, Strategies, and Outcomes. Adv Exp Med Biol. 2023;1423:193-199. doi: 10.1007/978-3-031-31978-5_17. PMID: 37525044.
A partir de uma publicação no Instagram que traz à tona um debate fundamental sobre o diagnóstico tardio do Transtorno do Espectro Autista (TEA) em mulheres e adolescentes do sexo feminino, esse texto foi escrito para posicionamento sobre alguns pontos interessantes que a publicação incitou. Um médico questionou o uso do termo "leve" no diagnóstico tardio de TEA da paciente citada por ele, aos 17 anos, apesar das dificuldades que ela enfrentava desde os 8 anos, conforme relatado. É certo que essas dificuldades já estivessem presentes antes dessa idade. Entretanto, no início de sua adolescência, quando as interações sociais começaram a ficar mais complexas e a rede de apoio mais escassa, iniciou-se aos 12 anos a busca por tratamento e recebeu os diagnósticos de desatenção e depressão. No entanto, sem resposta clínica, a condição só se agravava, incluindo as tentativas de suicídio cada vez mais frequentes, e só aos 17 anos ela finalmente foi diagnosticada com TEA, de nível leve.
Desta forma, gostaria de ampliar o importante debate e divergir que o problema levantado pelo médico não reside no grau "leve" do autismo, mas sim na falta de um diagnóstico adequado no momento apropriado.
Os termos "leve", "moderado" ou "grave" referem-se apenas ao nível de suporte necessário quanto ao funcionamento adaptativo por parte do indivíduo, com base na premissa da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) da OMS. No entanto, esses termos não refletem em sua classificação os efeitos adversos do TEA, as conhecidas co-ocorrências que podem ser profundamente prejudiciais, tanto para os indivíduos afetados, quanto para o seu contexto, especialmente, quando existe falta de tratamento para o quadro, como foi o caso da paciente citada pelo médico.
A desatenção associada ao TEA muitas vezes é confundida com outros transtornos, como o TDAH, apesar de a literatura científica indicar que a comorbidade entre eles é mínima e numa análise ampliada apresentarem características diagnósticas distintas. O que frequentemente ocorre são erros de diagnóstico. De fato, a desatenção no TEA é resultado de falhas sensoriais nos canais visual, auditivo e sinestésico, bem como nos sistemas proprioceptivo e vestibular (lembrem-se que podem ser hiper-receptivos, hipo-receptivos e/ou mistos), afetando a iniciativa e resposta de atenção compartilhada, a atenção conjunta e a motivação social.
É importante ressaltar que a mera identificação e compartilhamento de sintomas não constituem um diagnóstico. Devemos considerar o quadro clínico por meio de um diagnóstico diferencial, análise comparativa - raciocínio analógico e pensamento crítico (pensamento de ordem superior) direcionado ao diagnóstico, permitindo-nos ir além das diretrizes e acompanhar as atualizações da literatura científica, que são tão necessárias.
A motivação desempenha um papel crucial nos mecanismos subjacentes à atenção conjunta no TEA. A medição dos processos de atenção conjunta, da regulação visual e do desengajamento atencional desde tenra idade pode ajudar no diagnóstico e consequentemente, na intervenção precoce. Estudos demonstram que a motivação modula a regulação visual em relação à atenção conjunta e que o desengajamento atencional também está relacionado a ela.
Infelizmente, é esperado que ocorram co-ocorrências como depressão, ansiedade e tentativas de suicídio no contexto do TEA, em especial na ausência de tratamento, e a literatura científica explica as razões por trás desses quadros associados ao diagnóstico tardio. Histórias como a da paciente desse médico são comuns em consultórios que lidam com a avaliação de TEA tardio, especialmente em relação às mulheres.
O diagnóstico na idade adulta passou a ser reconhecido como uma questão clínica importante devido ao aumento da conscientização sobre o autismo, à ampliação dos critérios diagnósticos e à compreensão do espectro autista. Isso levou à identificação de uma geração de pessoas que anteriormente eram excluídas de um diagnóstico de autismo clássico. Entretanto, muitos clínicos ainda estão míopes sobre essas mudanças.
Ao avaliar e diferenciar diagnósticos, é fundamental considerar comorbidades reais, comportamentos sobrepostos a outros transtornos psiquiátricos e diferenças no fenótipo feminino. As mulheres e meninas autistas apresentam perfis de sintomas distintos em áreas como interação social, comunicação e padrões restritos e repetitivos de comportamento e interesses.
No entanto, erros nos diagnósticos anteriores de meninas e mulheres com TEA são uma questão séria e preocupante. Frequentemente, essas mulheres desenvolvem estratégias de "camuflagem" para ocultar suas dificuldades e se adaptar às normas sociais. Isso pode levar a diagnósticos equivocados, uma vez que os sinais típicos do autismo podem ser menos óbvios nelas.
Além disto, as ferramentas de diagnóstico existentes, incluindo as consideradas como padrão ouro, como a Autism Diagnostic Interview-Revised (ADI-R) e a Autism Diagnostic Observation Schedule (ADOS-2), bem como escalas autoperceptivas e heteroperceptivas, podem não ser suficientemente sensíveis para identificar adequadamente o autismo em mulheres. Essas ferramentas foram desenvolvidas sem levar em consideração as diferenças de sexo, o que pode resultar na subestimação dos sintomas e na exclusão de mulheres autistas.
É crucial que os profissionais de saúde e pesquisadores estejam cientes dessas diferenças clínicas de sexo e sejam sensíveis às manifestações únicas do autismo em mulheres. Isso permitirá um diagnóstico precoce e preciso, garantindo que as mulheres com autismo recebam o apoio e tratamento adequados.
A conscientização sobre as características fenotípicas distintas do autismo no sexo feminino está crescendo, e é necessário que essa compreensão se reflita na prática clínica e nas diretrizes de diagnóstico. A identificação correta das mulheres autistas é crucial para que elas possam acessar os serviços e intervenções necessárias, além de ajudá-las a compreender a si mesmas e encontrar apoio em suas jornadas.
É importante destacar mais uma vez que o problema não está no grau de severidade do TEA, mas sim na ausência de um diagnóstico adequado no momento certo. O diagnóstico tardio pode resultar em sofrimento prolongado, dificuldades emocionais e até mesmo tentativas de suicídio, como mencionado no relato do médico. Portanto, é fundamental que os profissionais de saúde estejam atentos aos sinais de autismo em todas as idades e em ambos os sexos, a fim de garantir que ninguém seja deixado para trás sem o suporte adequado.
A ciência continua a avançar e a nos fornecer uma compreensão mais profunda do autismo, incluindo suas manifestações específicas em mulheres e adolescentes do sexo feminino. À medida que essa compreensão se expande, é nosso dever como profissionais de saúde e pesquisadores atualizar nossas práticas e diretrizes de diagnóstico para garantir que ninguém seja negligenciado ou diagnosticado erroneamente.
Para alcançar isso, é necessário um esforço conjunto de profissionais de saúde, pesquisadores, educadores e sociedade em geral. Devemos promover a educação e a conscientização sobre o autismo, especialmente no que se refere às suas características fenotípicas distintas em mulheres. Também é crucial desenvolver instrumentos de avaliação sensíveis ao sexo, que possam capturar adequadamente os sinais de autismo em mulheres e adolescentes do sexo feminino.
Além disso, é importante ouvir e valorizar as experiências daqueles que vivenciam o autismo em primeira mão, bem como de suas famílias. Suas histórias e perspectivas podem fornecer insights preciosos que nos ajudam a aprimorar nossas práticas e políticas em relação ao diagnóstico e tratamento do autismo.
Acredito firmemente que, com uma abordagem sensível ao sexo e uma maior conscientização, podemos garantir que todas as pessoas, independentemente de seu sexo, recebam o suporte e tratamento adequados desde cedo. Ninguém deve passar por décadas de dificuldades antes de receber um diagnóstico preciso e o apoio necessário.
Vamos trabalhar juntos para construir um futuro em que todas as pessoas com autismo, sejam elas mulheres, homens ou indivíduos de outros gêneros, tenham suas necessidades reconhecidas, sejam compreendidas e possam alcançar seu pleno potencial. Juntos, podemos garantir que ninguém seja deixado para trás no caminho em direção à redução de barreiras oriundas da neurodiversidade e em prol do bem-estar.
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Estudo liderado pelos pesquisadores Gendron e Scott Pletcher, da Universidade de Michigan, demonstrou o impacto do estresse agudo na longevidade de insetos. Os resultados podem trazer insights valiosos para profissionais da área da saúde!
Os pesquisadores identificaram uma população neural específica nas moscas que desempenha um papel fundamental na transmissão de informações sensoriais sobre a presença de indivíduos mortos. Essa percepção afeta diretamente o tempo de vida das moscas.
Componentes da via de sinalização da insulina, como o fator de transcrição Foxo e os peptídeos semelhantes à insulina Dilp3 e Dilp5, também foram identificados como elementos essenciais para mediar os efeitos da percepção da morte na longevidade.
Essas descobertas levantam questões sobre como os circuitos neurais podem interferir nos mecanismos de envelhecimento e fornecem pistas sobre possíveis estratégias terapêuticas. O estudo sugere que intervenções farmacológicas ou psicoterapias para modular os sistemas de recompensa podem retardar o envelhecimento.
Este estudo estimula a busca de uma compreensão mais profunda dos circuitos neurais e dos sistemas de sinalização envolvidos, abrindo caminho para futuras pesquisas na área da longevidade e saúde mental.
Fonte: " Ring neurons in the Drosophila central complex act as a rheostat for sensory modulation of aging" por Christi M. Gendro, Tuhin S. Chakraborty, Cathryn Duran, Thomas Dono,Scott D. Pletcher, PLOS Biology, Universidade de Michigan.
Link para o estudo completo https://journals.plos.org/plosbiology/article?id=10.1371/journal.pbio.3002149
Ser emocionalmente negligenciado pode ser uma experiência devastadora. Esse trauma não apenas pode afetar o senso de identidade do indivíduo, sua capacidade de confiar e construir relacionamentos saudáveis, mas também pode afetar as condições de saúde.
Quantas vezes nos deparamos com uma realidade dicotômica em que o desenvolvimento cognitivo, visto como apartado da emoção, recebe toda a atenção e os recursos necessários, enquanto o desenvolvimento emocional é negligenciado? É triste constatar que a sociedade muitas vezes prioriza o preparo das habilidades para o trabalho, mas esquece-se de oferecer suporte adequado para o crescimento emocional dos indivíduos.
A família, a escola e até mesmo os sistemas de proteção, como as leis e o Estado, estão direcionados ao cumprimento de metas voltadas para a formação de profissionais capacitados. No entanto, deixamos de lado a importância fundamental de promover um ambiente saudável para o desenvolvimento emocional. E é justamente na vida adulta que sentimos o impacto dessa discrepância, quando as exigências emocionais se tornam equânimes, apesar de termos sido preparados de forma desproporcional.
As consequências de curto prazo da negligência são alarmantes. Estudos revelam um aumento no risco de comportamentos de internalização e externalização, além de atrasos no desenvolvimento cognitivo não desacoplado do emocional. Quando uma criança percebe que está sendo negligenciada emocionalmente, ela tem duas vezes mais chances de desenvolver transtornos psiquiátricos aos 15 anos, incluindo o desenvolvimento de Depressão, Transtorno Bipolar, Ansiedade, Transtorno do Pânico, Fobias e Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT).
Adolescentes que tiveram suas emoções negligenciadas na infância são mais propensos a ter baixo desempenho acadêmico, abuso de substâncias, atividade sexual de risco e tentativas de suicídio. Esses dados nos fazem refletir profundamente sobre as consequências que a falta de atenção ao desenvolvimento emocional pode acarretar em nossas vidas e na sociedade como um todo.
É hora de mudarmos essa realidade! É fundamental que a educação e a saúde emocional sejam prioridades desde cedo, integradas ao currículo escolar e oferecidas nos mais diversos contextos sociais. É necessário criar espaços de acolhimento, nos quais as pessoas possam expressar seus sentimentos e aprender a lidar com eles de forma saudável.
Vamos lembrar que somos seres complexos, e que tanto o desenvolvimento cognitivo quanto o emocional são essenciais para uma vida funcional/adaptada e saudável. Precisamos reconhecer que cuidar das nossas emoções é tão importante quanto desenvolver habilidades profissionais.
É necessário que a família, a escola e toda a sociedade se unam nesse propósito. Os pais devem estar atentos às emoções de seus filhos, proporcionando um ambiente seguro e acolhedor para que eles possam expressar seus sentimentos sem medo de julgamento.
As escolas têm um papel fundamental nessa transformação. É imprescindível que incluam programas de educação emocional em seus currículos, proporcionando ferramentas e conhecimentos que ajudem os alunos a entenderem suas emoções, a lidarem com o estresse e a desenvolverem habilidades sociais.
Além disso, é importante que os sistemas de proteção, como os serviços de assistência social e de saúde, também estejam comprometidos em promover o desenvolvimento emocional. Devemos garantir que haja profissionais capacitados e recursos adequados disponíveis para auxiliar aqueles que estão enfrentando dificuldades emocionais.
Ao investirmos no desenvolvimento emocional, estamos investindo em pessoas mais resilientes, capazes de lidar com os desafios da vida de forma saudável e adaptadas as experiências dolorosas que os ciclos existenciais no impõem. Estamos construindo uma sociedade mais empática, onde a compreensão e o apoio mútuo são valorizados.
Não podemos mais negligenciar a importância do desenvolvimento emocional. Precisamos romper com a ideia de que apenas o intelecto é relevante e reconhecer que cuidar de nossas emoções é a base para uma vida plena e satisfatória.
Então, é primordial que tenhamos uma sociedade que valorize a integração entre o cognitivo e o emocional, reconhecendo que ambos são aspectos intrínsecos da nossa cognição e influenciam nossa forma de compreender o mundo e lidar com as situações desafiadoras e muitas delas inevitáveis no ciclo de uma existência.
Vamos falar de sistemas de compensações comportamentais eficientes para disfunções neurológicas e/ou neuropsiquiatrias
Hoje, Joe Biden fará o seu discurso anual no Congresso Americano direcionado especialmente para o seu povo. Verão uma fala fluente e ritmada, mas talvez o que muitos ignoram é que por trás desse discurso tem muita disciplina e técnicas implementadas para compensar a sua gagueira.
No dia 06/02/2023 o The New York Times publicou a matéria escrita por Katie Rogers “Biden’s State of the Union Prep: No acronyms and Tricks to Conquer a Stutter”, que julguei muito instigante quanto ao relato de preparação do Presidente Americano para o discurso que ele fará hoje (07/02/2023) à nação e suas técnicas para amenizar os efeitos da sua gagueira.
Segundo a autora da matéria, Biden é o primeiro presidente moderno com gagueira, problema que ele enfrenta desde a infância e que aumenta em condições de fortes emoções.
A reportagem traz um tom muito humano sobre um dos homens mais poderosos na arena política mundial para lidar com algo tão perturbador na comunicação para várias pessoas que passam por condição análoga.
Faço antes de continuar no tema um parêntese, para melhor entendimento do leitor no foco quanto a fundamentação sobre ser adaptado. É que atualmente, não uso nas minhas explanações o termo inclusão. Motivo? acho que ele trás no seu cerne o estigma da exclusão e não é propositivo no sentido de resolver os problemas que provocam as barreiras ambientais e pessoais, as limitações para a execução de atividades de vida diária e instrumentais em seu sentido mais amplo, bem as restrições de participação e o aspecto estrutural de uma deficiência quanto a função e estrutura do corpo. Portanto, hoje em dia sugiro reportar a Classificação Internacional de Funcionalidade Incapacidade e Saúde – CIF para se referir a ações para tornar a vida dessas pessoas mais funcionais e adaptativas e evitar o termo inclusão que em nada inclui sem tirar as barreiras e incapacidades que vivem pessoas com algum tipo de deficiência.
Então, voltando ao tema, antes de um discurso, Biden faz vários treinos de leituras do discurso. Ele prática na frente de teleprompters atentado para que a sua fala seja compreensiva e clara, ou seja, funcional para quem ouve. Assim, ele passa semanas trabalhando em cada discurso com seus redatores, lendo repetidamente, na íntegra e em voz alta.
Outra estratégia, é marcar o discurso com linhas e travessões sutis que a muito tempo ele usa como sinal para respirar, fazer uma pausa entre suas palavras ou orientar—se numa transição complicada. Essa manobra de controle respiratório para falhas na fluência é sem dúvida muito eficiente. A respiração é o nosso melhor regulador emocional, via componente fisiológico (um dos fatores foco de intervenção para pacientes com gagueira) e, por isto, no caso de pessoas que sofrem de gagueira se mostra eficiente a harmonização do fluxo da fala expressiva.
Segundo assessores, o Presidente Joe Biden não faz anotações para controlar sua gagueira em todos os discursos, mas o fez em alguns de seus discursos mais importantes e em reuniões com líderes estrangeiros no Salão Oval. Ele comentou com um ex-assessor que uma das coisas mais difíceis para um gago executar é fazer comentários em pé – o que venha a ser o seu trabalho diário.
Outras observações de seus assessores, em relação a sua estratégia compensatória, é a de que parece que Biden está marcando uma peça musical enquanto a prepara. E é isto mesmo, suas marcações se tornam notas de partitura para orientar a sua fluência harmônica em conjunto com o controle respiratório, como se fossem um compasso musical, e a tática é extremamente funcional.
Essa sua estratégia compensatória de apropriação do ritmo da fala por meio de um feedback métrico, visto em poemas e músicas por exemplo, se espraia para a imagética mental. Quando Biden ao saber do menino chamado Brayden Harrington que sofria de gagueira em uma campanha de 2020, ele o chamou para conversar nos bastidores e o recomendou um de seus poetas favoritos, o irlandês William Butler Yeats, para ajudá-lo a visualizar a fala, como um poema. Ele também mostrou ao menino as anotações que usou para o discurso do dia. “Depois de cada duas linhas ou palavras, ele desenhava uma linha reta, um espaço em branco entre as palavras, e isso indicava que ele precisa respirar” disse, Brayden em entrevista.
E a frase mais libertadora dita por Biden a essa criança, quando vemos os problemas pelo prisma da funcionalidade é, “Ah cara, suas imperfeições são seus dons”. Biden costuma referenciar a sua luta contra a gagueira como sendo algo do passado, mas costuma sugerir que seus primeiros anos – nos quais ele foi intimidado por colegas e um professor, até que sua mãe interveio – foram experiências formativas para moldar a resiliência e a empatia, a sua marca política, que lhe rendeu a presidência aos 77 anos.
“Aprendi muito tendo que lidar com a gagueira” disse Biden em um discurso de 2016 no Amercian Institute for Stuttering. “Isto me deu uma visão sobre a dor de outras pessoas.”
Como presidente, Biden frequentemente descreve sua gagueira como parte de um passado doloroso ao qual ele não retornará. Afirma “isto não pode definir você. Não vai definir você. Ponto final”, disse essas frases após visualizar numa campanha alguém segurando uma placa que dizia: “obrigado por gaguejar”!
Fonte: https://www.nytimes.com/2023/02/06/us/politics/biden-state-of-the-union-preparation.html
Isolamento social e solidão têm sido relacionados a problemas de saúde. Entretanto, é necessária uma compreensão clara de suas implicações para morbidade e mortalidade para avaliar a extensão do desafio de saúde pública associado e o benefício potencial da intervenção.
De qualquer forma, já temos um arcabouço de evidências consistentes que ligam o isolamento social e a solidão a piores resultados cardiovasculares e de saúde mental. Essa condição de saúde incorpora 18 fatores discretos implicados na associação entre solidão, isolamento social e mortalidade. Esses fatores podem ser categorizados em sociais ou individuais e subcategorizados em biológicos, comportamentais e psicológicos.
A tempo, recomenda-se que os formuladores de políticas devem considerar o isolamento social e a solidão como fatores importantes que afetam a morbidade e a mortalidade devido a seus efeitos na saúde cardiovascular e mental.
As estratégias de prevenção devem, portanto, ser desenvolvidas nos setores público e privado, usando uma abordagem baseada em ativos com desenvolvimento de intervenções mais holísticas, visando muitos dos fatores interdependentes que contribuem para resultados ruins para pessoas solitárias e socialmente isoladas.
Decerto, a amizade pode ser um fator importante no bem-estar, enquanto a solidão e o isolamento social – condições distintas, mas relacionadas – podem estar associados a um risco aumentado de condições como depressão e ansiedade ou doenças cardíacas e acidente vascular cerebral – AVE.
Portanto, como incluimos diretrizes e recomendações para a quantidade de sono que temos e o quão fisicamente ativos somos, ter uma quantidade de amigos é relevante para a saúde, algo entre três e seis amigos íntimos pode ser o ponto ideal. Entretanto, sua personalidade e as características de sua vida vão fazer a diferença, nesses números.
Fontes:
Leigh-Hunt N, Bagguley D, Bash K, Turner V, Turnbull S, Valtorta N, Caan W. An overview of systematic reviews on the public health consequences of social isolation and loneliness. Public Health. 2017 Nov;152:157-171. doi: 10.1016/j.puhe.2017.07.035. Epub 2017 Sep 12. PMID: 28915435.
Hodgson S, Watts I, Fraser S, Roderick P, Dambha-Miller H. Loneliness, social isolation, cardiovascular disease and mortality: a synthesis of the literature and conceptual framework. J R Soc Med. 2020 May;113(5):185-192. doi: 10.1177/0141076820918236. PMID: 32407646; PMCID: PMC7366328.
Pearson, Catherine. How Many Friends Do You Really Need? https://www.nytimes.com/2022/05/07/well/live/adult-friendships-number.html
A evidência de que mulheres e homens são diferentes é indiscutivelmente tão antiga quanto a vida humana, mas estudos básicos de pesquisa são realizados exclusivamente em animais machos e as mulheres são amplamente excluídas dos ensaios clínicos. Além do sexo, o gênero é ainda mais negligenciado como determinante da saúde humana (Marra et al., 2018).
Acrescenta-se que, sexo e gênero são termos usados de forma intercambiável, apesar de seus significados diferentes (Marra et al., 2018). Sexo, na pesquisa médica, refere-se a diferenças biológicas e fisiológicas entre mulheres e homens, com cromossomos sexuais (XX vs. XY) e hormônios gonadais contribuindo, principalmente, para essas diferenças no nível celular, órgão e sistemas. Já gênero refere-se a uma combinação de influências ambientais, sociais e culturais sobre os fatores biológicos em mulheres e homens. O gênero está enraizado na biologia e moldado pelo ambiente e pela experiência. Há evidências crescentes para apoiar que tanto o sexo quanto o gênero afetam a etiologia, a apresentação e os resultados do tratamento de muitas doenças (Koch-Gromus & Gromus, 2014; Marra et al., 2018; Nebel et al., 2018).
Por isso, sexo e gênero moldam nosso estado de saúde por meio de interação dinâmica. Uma melhor integração de sexo e gênero na pesquisa e na abordagem clínica é obrigatória, pois leva a uma medicina personalizada e à igualdade nos cuidados de saúde (Marra et al., 2018). Logo, para maximizar o desenvolvimento de tratamentos e intervenções atuais e futuros em todo o espectro do autismo, as diferenças de sexo e gênero devem ser melhor compreendidas e medidas.
Em especial, o Transtorno do Espectro Autista - TEA muitas vezes não é reconhecido, especialmente na sua apresentação no nível leve em mulheres sem déficit de linguagem/intelectual.
Uma das hipóteses é que as mulheres camuflam mais os sintomas de TEA do que os homens, contribuindo potencialmente para a diferença na prevalência. Essa camuflagem pode ocorrer na forma de modificar a expressão social externa de alguém, como forçar-se a exibir expressões faciais e contato visual apropriados ou até mesmo representar um personagem ou papel para parecer mais típico ou suprimir comportamentos inapropriados e idiossincráticos. Além disso, a camuflagem foi positivamente correlacionada com a gravidade dos sintomas de humor em homens com TEA e com o funcionamento executivo em mulheres com TEA. Isso sugere que o mesmo fenômeno relacionado ao TEA, camuflado neste caso, pode se manifestar de maneira diferente em homens e mulheres, resultando em um potencial risco diferencial de psicopatologia. Aliás, o fenótipo apresentado por mulheres com TEA pode não refletir necessariamente como elas vivenciam o mundo (Schuck et al., 2019).
Do mesmo modo, em comparação com homens, as mulheres apresentam um atraso significativamente maior no encaminhamento para serviços de saúde mental e uma idade significativamente maior no diagnóstico de TEA. Por exemplo, as mulheres são menos propensas a serem diagnosticadas corretamente e mais propensas a serem diagnosticadas erroneamente na primeira avaliação do que os homens. As mulheres relatam pontuações significativamente mais altas do que os homens no domínio Hiper/Hiporreatividade à entrada sensorial, apenas entre os indivíduos que foram diagnosticados erroneamente (Gesi et al., 2021).
Em resumo, pesquisas crescentes apoiam a especificidade de gênero na apresentação dos sintomas do TEA. Acredita-se que fenótipos diferentes, comorbidades psiquiátricas e nível de "camuflagem" (estratégias comportamentais de enfrentamento para ocultar os sintomas para uso em situações sociais) contribuam ainda mais para a discrepância nas taxas de prevalência e erros de diagnóstico resultantes ou diagnóstico tardio em indivíduos do sexo feminino. Ambos os fatores nosológicos e culturais parecem estar contribuindo para diferenças no diagnóstico de TEA em mulheres. Essas diferenças na apresentação têm implicações importantes para o diagnóstico tardio, o tratamento do TEA e a qualidade de vida das mulheres com autismo (Green et al., 2019).
FONTES:
Gesi, C., Migliarese, G., Torriero, S., Capellazzi, M., Omboni, A. C., Cerveri, G., & Mencacci, C. (2021). Gender Differences in Misdiagnosis and Delayed Diagnosis among Adults with Autism Spectrum Disorder with No Language or Intellectual Disability. Brain Sciences, 11(7), 912. https://doi.org/10.3390/brainsci11070912
Green, R. M., Travers, A. M., Howe, Y., & McDougle, C. J. (2019). Women and Autism Spectrum Disorder: Diagnosis and Implications for Treatment of Adolescents and Adults. Current Psychiatry Reports, 21(4), 22. https://doi.org/10.1007/s11920-019-1006-3
Koch-Gromus, U., & Gromus, B. (2014). Gesundheit und Geschlecht. Bundesgesundheitsblatt - Gesundheitsforschung - Gesundheitsschutz, 57(9), 1019–1021. https://doi.org/10.1007/s00103-014-2024-2
Marra, A. M., Biskup, E., & Raparelli, V. (2018). The Internal Medicine and Assessment of Gender Differences in Europe (IMAGINE): The new European Federation of Internal Medicine initiative on sex and gender medicine. European Journal of Internal Medicine, 51, e30–e32. https://doi.org/10.1016/j.ejim.2018.02.003
Nebel, R. A., Aggarwal, N. T., Barnes, L. L., Gallagher, A., Goldstein, J. M., Kantarci, K., Mallampalli, M. P., Mormino, E. C., Scott, L., Yu, W. H., Maki, P. M., & Mielke, M. M. (2018). Understanding the impact of sex and gender in Alzheimer’s disease: A call to action. Alzheimer’s & Dementia, 14(9), 1171–1183. https://doi.org/10.1016/j.jalz.2018.04.008
Schuck, R. K., Flores, R. E., & Fung, L. K. (2019). Brief Report: Sex/Gender Differences in Symptomology and Camouflaging in Adults with Autism Spectrum Disorder. Journal of Autism and Developmental Disorders, 49(6), 2597–2604. https://doi.org/10.1007/s10803-019-03998-y
O termo retardo mental (RM) ainda é usado em muitos contextos, inclusive por alguns médicos, e é encontrado em políticas legais e públicas que determinam a elegibilidade para apoio; no entanto, o uso do termo deficiência intelectual como substituto direto do retardo mental está aumentando. A American Association on Mental Retardation foi renomeada para American Association on Intellectual and Developmental Disabilities (AAIDD), enfatizando que a definição de DI é exatamente a mesma que para RM (Shea, 2012).
A principal razão para a mudança é que o termo retardo mental é percebido como pejorativo; essa mudança semântica não reflete uma ressignificação da condição (Shea, 2012).
O diagnóstico se baseia em três características coexistentes: (1) funcionamento intelectual significativamente abaixo da média acompanhado por (2) déficits ou deficiências nas habilidades adaptativas com (3) início antes dos 18 anos de idade (Shea, 2012).
Por convenção, para todos os níveis de DI, o QI reduzido deve ser acompanhado por déficits nas funções adaptativas, que incluem habilidades conceituais, sociais e práticas. Habilidades conceituais incluem linguagem, alfabetização e aquisição de numeramento, bem como compreensão de tempo e dinheiro. As habilidades sociais incluem julgamento social, habilidades interpessoais e resolução de problemas sociais. Habilidades práticas incluem cuidados pessoais e outras atividades da vida diária, habilidades ocupacionais, capacidade de negociar o mundo com segurança e acesso ao transporte, e assim por diante (Shea, 2012).
A DI é uma condição permanente, caracterizada por comprometimento significativo do desenvolvimento cognitivo e adaptativo devido a anormalidades da estrutura ou função cerebral. Assim, a DI não é uma entidade única, mas sim um sintoma geral de uma disfunção neurológica (Shea, 2012).
Entretanto, os clínicos variam com relação à aplicação do termo DI, dependendo da idade do indivíduo. Alguns preferem usar o termo atraso no desenvolvimento ou atraso no desenvolvimento global para crianças menores de 5 anos e reservam DI para crianças mais velhas. Para alguns, esse uso parece ser uma questão de convenção, enquanto para outros é um reflexo da necessidade de ter confiança na trajetória de desenvolvimento de uma criança antes de aplicar os últimos termos.
Graus da DI são descritos no DSM-IV. Os adjetivos correlatos (leve, moderado, severo, profundo) costumam ser usados para resumir os resultados dos testes, e é útil entender o que eles representam. Dentro do DSM, os intervalos são dados como números de quociente de inteligência (QI), que se baseiam no QI médio da população de 100, e 1 DP equivale a 15 pontos em avaliações comumente usadas. Uma pontuação inferior a 70 pontos, ou seja, mais de 2 DPs abaixo da média, representa DI. A DI leve é definida quando o QI cai 2 a 3 DPs abaixo da média (55 a 70). Na DI moderada, o QI está 3 a 4 DPs abaixo da média (40 a 55); na DI grave, o QI está 4 a 5 DPs abaixo da média (25 a 40); e na DI profunda o QI está mais de 5 SDs abaixo da média (abaixo de 25). (Shea, 2012).
Fonte: Shea, S. E. (2012). Intellectual Disability (Mental Retardation). Pediatrics in Review, 33(3), 110–121. https://doi.org/10.1542/pir.33-3-110
Pessoas com DI podem precisar de tecnologia assistiva para manter e melhorar seus níveis de funcionamento e independência (Resta et al., 2021).
A DI é uma condição permanente, caracterizada por comprometimento significativo do desenvolvimento cognitivo e adaptativo devido a anormalidades da estrutura ou função cerebral. Assim, a DI não é uma entidade única, mas sim um sintoma geral de uma disfunção neurológica (Shea, 2012).
As pessoas acometidas de DI podem deixar de iniciar as atividades de forma independente e esperar por lembretes da equipe ou cuidadores, ou podem não as iniciar no momento apropriado. Além disso, podem não se lembrar de parte ou de muitas das etapas envolvidas nas atividades e/ou da sequência correta dessas etapas.
Devido à capacidade prejudicada de lidar com as tarefas diárias, os indivíduos com DI enfrentam barreiras pessoais e do contexto e em função disto, geralmente precisam de algum tipo de serviço de longo prazo.
Smartphone: um sistema de baixo custo que pode ser usado para melhorar a independência de pessoas com DI. Esses dispositivos de tecnologia podem ser programados para apresentar instruções pictóricas simples, breves videoclipes (prompts de vídeo), instruções verbais ou combinações de formas de instrução visual e verbal (Resta et al., 2021).
VANTAGENS: são mais acessíveis, pois podem ser facilmente personalizados de acordo com as características e preferências do usuário, bem como mais fáceis de transportar de um ambiente para outro e mais aceito socialmente (Resta et al., 2021).
O sistema baseado em smartphone para lembrar o usuário de iniciar atividades diárias funcionais (por exemplo, preparar uma mesa para o almoço) e realizá-las sem o apoio de um cuidador (Resta et al., 2021).
MATERIAL: smartphone Samsung Galaxy A3 equipado com o aplicativo Easy Alarm, YouTube e arquivos de áudio apresentando os lembretes verbais para o início das atividades e as instruções referentes às etapas das atividades. O smartphone deve ter a funções padrão, como conexão Bluetooth e alarme. (Resta et al., 2021).
NÚMERO DE ATIVIDADES PLANEJADAS DIÁRIAS: 8 a 14 (Média = 10)
NÚMERO DE PASSOS INCLUÍDOS NESSAS ATIVIDADES: 12 e 21 (Média = 15)
AVALIAÇÃO DE SEGUIMENTO DA TAREFA: Durante a primeira linha de base, registrar o número de atividades programadas para o dia em que os pacientes começaram de forma independente. Durante a segunda linha de base e a intervenção, as medidas registradas dizem respeito ao número de atividades iniciadas independentemente, bem como ao número de etapas da atividade realizadas independentemente. Posteriormente, registrar as atividades iniciadas independentemente e etapas da atividade executadas corretamente/independentemente.
O alarme serve para lembrar ao participante de realizar uma atividade planejada, por exemplo, alertar sobre o horário de qualquer atividade específica programada para o dia e que deverá ser iniciada e, em seguida, é fornecido as instruções verbais para as etapas individuais dessa atividade. No caso, desse lembrete, o smartphone apresenta cada uma das instruções de passo predefinidas para a atividade. De fato, a apresentação automática libera o DI do fardo de lembrar de buscar cada instrução e de possuir habilidades motoras adequadas para ativar ícones ou rolar na tela de um smartphone (Resta et al., 2021). Por exemplo, obter cada uma das instruções de as atividades programadas (por exemplo, fazer um sanduíche).
As instruções devem ser apresentadas automaticamente pelo smartphone em intervalos predefinidos. Essa estratégia de apresentação de instruções é considerada vantajosa em comparação com uma estratégia que exige que o DI forneça uma entrada (por exemplo, toque).
As atividades devem ser tipicamente selecionadas e preparadas para os pacientes de forma individual; ou seja, diferentes atividades podem estar disponíveis para diferentes pacientes. Além disso, o número e os tipos de etapas envolvidas nas atividades disponíveis para diferentes pacientes podem variar entre eles (Resta et al., 2021).
Para cada uma das atividades disponibilizadas, deverá ser utilizado um arquivo de áudio. O profissional responsável pelo planejamento diário deverá definir o horário para a realização de cada uma das atividades programadas para aquele dia. Para cada atividade, um arquivo de áudio específico apresentando as instruções deve ser vinculado ao alarme do smartphone. No momento em que a atividade é agendada para o dia, o smartphone emitirá um lembrete verbal solicitando que o paciente realize tal atividade. Após o lembrete, que poderá ser repetido, o smartphone apresenta cada uma das instruções de passo-a-passo predefinidas para a atividade.
Essas atividades podem envolver a rotina matinal do banheiro, vestir-se, higiene dental, rotina do café da manhã, preparação de alimentos, aulas de culinária (cada uma consistindo em fazer um tipo específico de comida), exercícios, preparação para ir para casa, limpeza do quarto, trabalho no jardim e operar um computador para ver slides ou material de livro (Resta et al., 2021).
EFEITO CLÍNICO:
A) aumento estatisticamente significativo no número de atividades iniciadas independentemente desde o início até ao final da intervenção para todos os participantes (Resta et al., 2021).
B) aumento significativo no número de etapas das atividades executadas corretamente quando apoiadas pelo smartphone (Resta et al., 2021).
Fontes:
Resta, E., Brunone, L., D’Amico, F., & Desideri, L. (2021). Evaluating a Low-Cost Technology to Enable People with Intellectual Disability or Psychiatric Disorders to Initiate and Perform Functional Daily Activities. International Journal of Environmental Research and Public Health, 18(18), 9659. https://doi.org/10.3390/ijerph18189659
Shea, S. E. (2012). Intellectual Disability (Mental Retardation). Pediatrics in Review, 33(3), 110–121. https://doi.org/10.1542/pir.33-3-110
A motivação social, a nível neurofisiológico, é modulada pelos circuitos cerebrais relacionados ao sistema de recompensa. Em indivíduos com Transtorno do Espetro Autista – TEA há uma ativação atípica desse sistema durante as interações sociais.
Desta forma, o olhar é uma sugestão social que parece ser particularmente gratificante em indivíduos típicos. Especificamente, ver um rosto atraente fazendo contato visual envolve sistemas cerebrais ligados à recompensa. Por exemplo, um adulto típico, considera o olhar direto mais gratificante do que o olhar desviado, e ainda mais para objetos. No entanto, aqueles com TEA podem ser indiferentes.
Isto é, no caso do TEA, esse grupo difere de indivíduos com desenvolvimento típico quanto a motivação para se envolver ou se afiliar a outras pessoas. Essas alterações refletem indiferença ou mesmo respostas negativas de excitação ao olhar direto.
Desta forma, a motivação social pode ser aferida em termos de orientação social, busca visual e manutenção social.
Com efeito, a orientação social é definida como a conduta de dar prioridade de atenção a pistas sociais ou informações sociais. No caso de indivíduos com TEA, eles olham menos para rostos e estímulos sociais do que indivíduos típicos.
Já a manutenção social, é descrita como o desejo dos indivíduos de se envolver com os outros durante um período prolongado. E neste parâmetro, indivíduos com TEA não envolvem em gerenciamento de reputação; não tentam conectar com pessoas, e não ficam lisonjeados com outras pessoas.
Em relação a busca social, é um conceito que normalmente é entendido como gostar de um estímulo (obter prazer hedônico com ele) e desejá-lo (fazer esforço para obtê-lo). Essa motivação, via esforço, é muito reduzida no grupo com TEA.
Em resumo, em estudos de autorrelatos, nos grupos clínicos com TEA, sugerem que eles experimentam menos prazer com contatos sociais e não expressam solidão, apesar de relatarem menor companheirismo e reciprocidade em suas redes de pares. Por tudo isso, indivíduos com TEA demonstram motivação social reduzida.
Logo, uma indiferença mais específica em relação ao olhar direto é relatada. Em contraposição a uma preferência por estímulos não sociais. Eles não valorizam os estímulos sociais com o olhar direto, porém podem olhar, desde que não exija mais esforço do que uma outra opção.
Consequentemente, o olhar direto no TEA pode ser imotivado mais pela falta de interesse na interação social do que pela aversão dos olhos.
Fonte: Dubey, I., Ropar, D. & de C Hamilton, A.F. Measuring the value of social engagement in adults with and without autism. Molecular Autism 6, 35 (2015). https://doi.org/10.1186/s13229-015-0031-2
A obesidade não é uma falha pessoal, segundo um seleto grupo dos principais pesquisadores do mundo que estudam a obesidade, em reunião recentemente na Royal Society, a academia de ciências de Isaac Newton e Charles Darwin.
Na reunião de encerramento do encontro, algumas conclusões importantes filtradas por Belluz, J (2022):
1)Não há consenso algum sobre qual é a causa da obesidade.
2)Preguiça, gula e descuido não foram referidos como atores da obesidade. Em total contraste com a visão social predominante da obesidade, que assume que as pessoas têm controle total sobre seu tamanho corporal, eles não culpam os indivíduos por sua condição, da mesma forma que não culpamos as pessoas que sofrem os efeitos da desnutrição, como atrofia.
3)A obesidade é uma condição crônica complexa, existem lacunas para entender por que os humanos, coletivamente, engordaram mais ao longo do último meio século.
4)Enquanto tratarmos a obesidade como uma questão de responsabilidade pessoal, é improvável que sua prevalência diminua.
Várias visões sobre o problema dos carboidratos:
1)Biólogo nutricional: os carboidratos e gorduras em nossa alimentação hoje diluem a proteína de que nosso corpo precisa, levando-nos a ingerir mais calorias para compensar a discrepância.
2)Endocrinologista: os padrões alimentares ricos em carboidratos promovem exclusivamente a gordura ao abordar a dieta com baixo teor de carboidratos.
3)Antropólogo evolucionário: argumentou que muitas sociedades de caçadores-coletores magros comiam muitos carboidratos, com uma afinidade especial pelo mel.
Outras opiniões sobre os carboidratos: o problema são os alimentos ultraprocessados, e não os carboidratos em si, neste caso:
4)Fisiologista: as pessoas comem mais calorias e ganham mais peso em dietas ultraprocessadas, em comparação com dietas de alimentos integrais, com a mesma composição de nutrientes. Mas ainda não está claro por que esses alimentos levam as pessoas a comer mais.
5)Bioquímico: O mistério pode ser explicado pelas milhares de substâncias tóxicas que os alimentos ultraprocessados podem carregar na forma de fertilizantes, inseticidas, plásticos e aditivos.
6)Etóloga: escassez de comida, consumo reduzido de calorias, levam passarinhos a ganhar mais peso. Estudos em humanos também encontraram uma associação “robusta” entre insegurança alimentar e obesidade.
Além desses pontos, acredita-se que a obesidade surja devido a interações gene-ambiente ainda obscuras.
Conclusões:
1)Existe uma profunda lacuna entre os argumentos dos palestrantes na reunião e as conversas de peso que acontecem em nossa cultura sobre a obesidade.
2)Nenhum cientista falou sobre qualquer das supostas soluções que enchem os livros de dieta e as prateleiras das lojas, com exceção da discussão sobre carboidratos.
3)Não houve diálogo sério sobre desintoxicação, aplicativos de dieta ou jejum intermitente.
4)Ninguém sugeriu que os suplementos pudessem ajudar as pessoas a perder peso ou que o metabolismo precisasse ser estimulado.
5)O único pesquisador sobre o microbioma intestinal argumentou que os testes em humanos sobre obesidade, até o momento, foram decepcionantes.
Além do mais, existe avanços importantes e eficazes na medicina no tratamento de pacientes com obesidade, como os medicamentos e cirurgias. Entretanto, esses recursos não foram discutidos como soluções definitivas para a crise de saúde pública.
Logo, a obesidade deve ser tratada como um desafio social, e não pelo viés de escolha individual, que domina.
Fonte: Belluz, B. Scientists Don’t Agree on What Causes Obesity, but They Know What Doesn’t - https://www.nytimes.com/2022/11/21/opinion/obesity-cause.html
O tratamento de uma condição clínica que muda a nossa engenharia comportamental, de forma disfuncional e nos causando sofrimento e prejuízos diários, nos exige uma postura de gigante para a mudança desses padrões que compõem esse modo de funcionamento. Consequentemente, é como trabalhar para mudar a engrenagem de uma máquina. Assim, a força motriz, muitas vezes até ausente, é absurdamente desafiadora e fundamental para a alteração do processo.
E, por isto, gostaria de abordar sobre a depressão junto com o hábito. Por exemplo, para mudar algumas coisas em seu comportamento, é necessário que você faça isso repetidamente. Como disse Aristóteles, “nós somos o que fazemos repetidamente”. Logo, nenhuma modulação comportamental pode se abdicar dessa premissa básica, caso contrário, estará fadada a ser direcionada por padrões disfuncionais da doença (neuroplasticidade negativa).
Junto a isso, o processo de modulação comportamental é lento. De modo que, os pequenos passos são muitas vezes imperceptíveis pelos pacientes e por sua rede de suporte e por este motivo, eles devem ser sinalizados com instrumentos de medidas capazes de capturar essas alterações e permitir um feedback para o paciente e seu entorno. Esse espectro é importante para mostrar a evolução desses pequenos, mas basilares passos em prol da modificação positiva do comportamento em relação ao quadro clínico. Desta forma, não se iluda em pensar que mudar seus hábitos será uma tarefa rápida e fácil, pois nada é mais difícil do que mudar um hábito. Uma vez que, o sistema operacional do seu cérebro é fiel. Ele o levará de volta aos mesmos padrões de comportamento que você costuma enfatizar, mesmo que geradores de muito sofrimento. Isso é plasticidade negativa, uma rota automatizada, que nesta situação é guiada pelo hábito disfuncional. E para isto, novos hábitos devem ser implementados e treinados com processos controlados cognitivos, até que esses se tornem hábitos funcionais automatizados.
O psicólogo William James historiou em 1887, quando escreveu Habit – um breve tratado sobre como nossos padrões de comportamento moldam quem nós somos e, ao que frequentemente, nos referimos como caráter e personalidade. James começa com um relato estritamente científico e fisiológico do cérebro e de nossos grupos de padrões de informação arraigados, explorando a noção de neuroplasticidade um século antes de se tornar um termo da moderna neurociência popular e oferecer essa definição elegante (Popova, M. 2012):
“Plasticidade... no sentido amplo da palavra, significa a posse de uma estrutura suficientemente fraca para ceder a uma influência, mas suficientemente forte para não ceder de uma só vez.”
Em seguida, William James faz a ponte entre o corpo e a mente para esclarecer como os “loops de hábitos” dominam nossas vidas (Popova, M. 2012):
“O que é tão claramente verdadeiro do aparato nervoso da vida animal dificilmente pode ser diferente do que é ministrado à atividade automática da mente (…) Qualquer sequência de ação mental que tenha sido repetida, frequentemente, tende a se perpetuar; de modo que nos sentimos automaticamente impelidos a pensar, sentir ou fazer o que antes estávamos acostumados a pensar, sentir ou fazer, sob circunstâncias semelhantes, sem qualquer propósito conscientemente formado ou antecipação de resultados”
Logo, se você tem uma doença como a depressão, (re)introduzir padrões positivos de tarefas é a mudança comportamental do seu tratamento. Não há outra saída. A transformação e excelência, então, não é um ato, mas um hábito cotidianamente lapidado para uma direção, seja ela em prol de neuroplasticidade neutra, positiva ou negativa. E, na visão clínica, a condução terapêutica é em prol da modulação positiva. Primeiro, pela via medicamentosa, uma vez que os medicamentos, pelo menos em parte, atuam no cérebro para formar novas conexões entre as células. A saber, em função de que uma das hipóteses da depressão, está relacionada ao estresse crônico e, esse leva a perda de conexões - chamadas sinapses - entre as células do hipocampo e outras partes do cérebro, potencialmente levando à depressão. O segundo ponto, é a intervenção comportamental, ou seja, condutas direcionadas as modificações dos hábitos disfuncionais.
Enfim, esse processo pode exigir muitas tentativas e erros pelos pontos dinâmicos abordados no texto, mas é importante lembrar que você tem opções. E, não desista, lembre-se dos pequenos, mas importantes passos!
Fontes:
Smith, Dana G. (2022). Antidepressants Don’t Work the Way Many People Think. https://www.nytimes.com/2022/11/08/well/mind/antidepressants-effects-alternatives.html
Podova, M. (2012) William James on the Psychology of Habit. https://www.themarginalian.org/2012/09/25/william-james-on-habit/
A psicoeducação no Transtorno Bipolar (TB) é definida como treinamento comportamental baseado em informações, com o objetivo de ajustar o estilo de vida para lidar com o TB. Os componentes incluem aumentar a conscientização sobre a doença, adesão ao tratamento, detecção precoce de recaídas e evitar possíveis desencadeadores, como drogas ilícitas e privação de sono (Sarkhel et al., 2020).
A psicoeducação na fase de mania, num quadro de TB, tem efeitos de uma redução significativa na recorrência da mania, mas não na recorrência depressiva. Entretanto, na fase na mania os efeitos incluem o aumento do tempo de remissão, taxas mais baixas de reinternação, desde que com tratamento ativo (Chen et al., 2019).
Avaliação de seguimento em T0: linha de base; T1: 4ª sessão e T2: 8ª sessão.
Instrumentos para a avaliação de seguimento (Chen et al., 2019):
a) Escala de Avaliação Hamilton para depressão
b) Escala de Avaliação de Mania para Jovens
c) Escala de Gravidade de Impressão Clínica Global e a Classificação Internacional de Saúde, Incapacidade e Funcionalidade – CIF da OMS para aferição do funcionamento global
AS SESSÕES INCLUEM OS SEGUINTES TÓPICOS (Chen et al., 2019):
SESSÃO 1: introdução sobre o TB para conhecimento da etiologia biológica, epidemiologia e conceitos
A maioria dos pacientes com TB tem uma visão pobre de sua condição. Se o paciente não compreender sua condição, é improvável que se interesse pelas sessões subsequentes de psicoeducação. Enfatizar o modelo médico da doença ajuda a reduzir o estigma relacionado à doença. Também é ensinado que a doença tem origem biológica, embora os fatores desencadeantes possam ser biológicos ou psicológicos (Sarkhel et al., 2020).
Os assuntos abordados abrangem as seguintes áreas (Sarkhel et al., 2020):
· Introdução
· O que é Transtorno Bipolar?
· Etiologias e fatores desencadeantes
· Sintomas de mania e hipomania
· Sintomas de depressão e episódio misto
· Curso e resultado do transtorno bipolar.
SESSÃO 2: Definição de mania e hipomania (estado misto), depressão e sintomas psicóticos
Os assuntos abordados abrangem as seguintes áreas (Sarkhel et al., 2020):
· Sintomas de mania e hipomania
· Sintomas de depressão e episódio misto
· Curso e resultado do transtorno bipolar.
Sessão 3: Ritmos biológicos e episódio maníaco/depressivo
SESSÃO 4: O papel do tratamento farmacológico e dos diferentes tipos de medicamentos
Quase metade dos pacientes com TB descontinua o tratamento abruptamente e sem supervisão em algum momento de suas vidas. Quase todos os pacientes com TB pensam em interromper a medicação em algum momento durante o curso da doença. Isso ocorre muito comumente durante a fase eutímica ou naqueles com comorbidade de abuso de substâncias ou transtorno de personalidade. As áreas que precisam ser cobertas visando uma melhor adesão ao tratamento são as seguintes (Sarkhel et al., 2020):
1. estabilizadores de humor
2. agentes antimaníacos
3. antidepressivos
4. níveis séricos de lítio, carbamazepina e valproato
5. gravidez e aconselhamento genético
6. psicofarmacologia versus terapias alternativas
7. riscos associados à retirada do tratamento.
SESSÃO 5: Adesão e monitoramento medicamentoso, terapia eletroconvulsiva e psicoterapia
Uma discussão detalhada sobre os efeitos colaterais dos medicamentos comumente usados e as formas de manuseá-los é essencial para acabar com vários mitos entre os pacientes em relação aos medicamentos. O medo de se tornar “dependente para o resto da vida” desses medicamentos ou “perder a nitidez da mente” são alguns dos equívocos bem divulgados em relação aos psicotrópicos que forçam os pacientes a interromper abruptamente os medicamentos. Tais mitos devem ser gradualmente dissipados por uma discussão cuidadosa (Sarkhel et al., 2020).
SESSÃO 6: Gerenciamento de estresse, estratégias de enfretamento de problemas e relacionamentos interpessoais
Incluindo nesta etapa, procedimentos disfuncionais como o abuso de substâncias. Neste grupo clínico, mais da metade dos pacientes com TB têm abuso de substâncias comórbidas. O álcool é a droga mais frequentemente utilizada de forma abusiva entre os pacientes bipolares. Isso está associado a mais episódios depressivos, maiores problemas de adesão e má recuperação. Às vezes, o uso de substâncias pode desencadear um episódio afetivo completo. A psicoeducação deve envolver o conhecimento sobre o álcool e outras drogas e seus efeitos nocivos em pacientes com TB (Sarkhel et al., 2020).
SESSÃO 7: Sintomas recorrentes, detecção precoce de episódios e como procurar suporte na rede de apoio pessoal e clínica
Detectar os primeiros sinais de alerta é um passo muito importante para prevenir um episódio completo. É muito importante enfatizar que um episódio hipomaníaco precisa ser identificado e tratado rapidamente, pois pode evoluir rapidamente para um estado maníaco. Também precisa ser abordado que muitos pacientes apreciam a elevação inicial do humor do episódio hipomaníaco e, portanto, tendem a não relatar os sintomas aos familiares ou psiquiatras. Também é importante dar ao paciente e familiares um plano de emergência do que deve ser feito em caso de recaída.
SESSÃO 8: revisão e avaliação, criação de um plano de manejo e como monitorar o humor diário.
Os hábitos regulares, incluindo hábitos de sono adequados e estruturação de atividades, são enfatizados. A necessidade de 7 a 9 horas de sono noturno é enfatizada e é ensinado a evitar cochilos durante o dia. O papel da privação do sono no desencadeamento de episódios maníacos também é destacado. Os pacientes também são ensinados sobre a necessidade de exercícios físicos regulares. Técnicas de gerenciamento de estresse também são ensinadas, seguidas de habilidades simples de resolução de problemas que podem ser úteis no dia a dia.
MODALIDADE DO PROGRAMA: em grupo para 8-12 pacientes ou individual
DOSAGEM TERAPÊUTICA PARA INÍCIO DE EFEITO CLÍNICO:
DURAÇÃO: 2 meses
FREQUÊNCIA: 8 sessões
INTENSIDADE: 40-60 minutos
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
Anderson, C. M., Hogarty, G. E., & Reiss, D. J. (1980). Family Treatment of Adult Schizophrenic Patients: A Psycho-educational Approach. Schizophrenia Bulletin, 6(3), 490–505. https://doi.org/10.1093/schbul/6.3.490
Chen, R., Zhu, X., Capitão, L. P., Zhang, H., Luo, J., Wang, X., Xi, Y., Song, X., Feng, Y., Cao, L., & Malhi, G. S. (2019). Psychoeducation for psychiatric inpatients following remission of a manic episode in bipolar I disorder: A randomized controlled trial. Bipolar Disorders, 21(1), 76–85. https://doi.org/10.1111/bdi.12642
Sarkhel, S., Singh, O., & Arora, M. (2020). Clinical Practice Guidelines for Psychoeducation in Psychiatric Disorders General Principles of Psychoeducation. Indian Journal of Psychiatry, 62(8), 319. https://doi.org/10.4103/psychiatry.IndianJPsychiatry_780_19
Os ataques de pânicos giram em torno do terror e de uma constelação de sintomas, tanto físicos quanto cognitivos.
O cérebro da pessoa em crise é tomado pelo medo, o seu corpo responde, e pode ser difícil entender tudo isso.
Em termos neurofisiológicos, o do ataque de pânico é irrompido quando o cérebro não é capaz de enviar mensagens entre o córtex pré-frontal, que está associado à lógica e ao raciocínio, e a amígdala, que ativa a urgência da regulação emocional. Durante um ataque de pânico, a amígdala é hiper-reativa, como num quarto pegando fogo na saída de uma tomada, enquanto o córtex pré-frontal é menos responsivo, ou seja, ele não consegue ativar o sistema gerenciamento e inibição de incêndio do prédio, levando o quarto a um incêndio com capacidade para queimar todo o apto ou o prédio.
Ele tem início súbito, acompanhado de um medo intenso, em oposição a uma condição de ansiedade generalizada, que geralmente se manifesta como uma preocupação quase constante.
Os sintomas podem variar de pessoa para pessoa, mas geralmente, seguem os seguintes sintomas:
· Palpitações cardíacas
· Dificuldade de respirar
· Formigamento em membros superiores e inferiores
· Enjoos
· Sensação de compreensão no peito e/ou sufocamentos
· Calor, suor e/ou calafrios
· Medo agitado e desestabilizador
No auge do ataque de pânico, há pensamentos como:
· Percepção de estado de loucura, perda do controle cognitivo e das reações fisiológicas
· Percepção de que estaria tendo um ataque cardíaco
· Sensação de pré-morte
Importante salientar que, a maioria das pessoas que experimenta um ataque de pânico não apresenta todos esses sintomas acima, mas pode ter muito deles.
Um pequeno grupo de pessoas que sofrem de ataques de pânico, no entanto, apresentam sintomas limitados, nos quais encontram três ou menos dos listados acima.
E, quase tão repentinamente os ataques de pânicos irrompem, eles geralmente se dissipam. Os sintomas aumentam ao longo de dez minutos e, geralmente, desaparecem em meia hora, embora algumas pessoas possam sentir efeitos prolongados.
Por ser uma experiência traumática, esse grupo clínico pode começar a temer sensações que os lembram de seus sintomas. Consequentemente, começam a evitar qualquer coisa que os lembrem do episódico, por exemplo, os locais em que os eventos se desencadearam, estourando outro transtorno conhecido como agorafobia.
O desencadeamento do ataque de pânico se relaciona a um conjunto diversificado de estressores – como eventos traumáticos; preocupações financeiras; tarefas do cotidiano, como falar em público; ou até mesmo não ter nenhum gatilho discernível.
Dicas para autocuidado durante um ataque de pânico:
· Feche os olhos e converse com você mesmo, lembrando do seguinte ponto: você já passou pela experiência antes, embora muito assustadora, o pânico em si não é perigoso.
· Ligue para alguém de sua confiança: falar com alguém sobre o que você está experimentando e nomear as sensações dissipadas pelo seu corpo colabora para amenizar e estabilizar os sintomas no momento.
· Exercício de aterramento: conte e nomeie as cores ao seu redor. Diga cada uma em voz alta, ou apenas anote-as em sua mente. Esse recurso, e um descolamento perceptivo e atencional para pontos neutros e não ameaçadores que seu corpo está ativando em si.
· Regulação da atenção para o presente, pela via sensorial tátil: coloque um pano úmido e frio sobre o pulso. Isto ajuda também a aliviar o calor desconfortável e a transpiração que algumas pessoas sentem durante os seus ataques de pânico.
· Regulação da respiração: sair do padrão de hiperventilação, comum num ataque, para um padrão de respiração diafragmática, ou seja, respirar como um bebê, concentrando-se em expandir o abdômen. Isso pode retardar e aprofundar a respiração, inundando o cérebro com oxigênio e acionado o sistema nervoso parassimpático, que ajuda a sinalizar que não precisamos lutar e reduz os níveis de angústia.
Entretanto, essas dicas são temporárias. E, no caso de um transtorno, são necessárias condutas clínicas para intervenção, via medicamento e psicoterapia, para que num ambiente controlado possa ser modulado os medos e as sensações experimentadas durante um ataque de pânico.
Por exemplo, o EMDR - Eye Movement Desensitization and Reprocessing (Dessensibilização e Reprocessamento por meio de Movimentos Oculares) é uma técnica toda atrelada a regulação da neurobiologia do medo, incluindo os parâmetros de nível cognitivo, quanto as crenças disfuncionais e as memórias traumáticas associadas aos sintomas. Assim como, a Terapia Cognitiva Comportamental -TCC.
Lembre-se por mais desconcertante que um ataque de pânico possa ser, é importante lembrar que eles são altamente tratáveis e que, tão repentinamente quanto podem surgir, eles começam a desaparecer.
Fonte: Blum, Dani. The anatomy of a panic attack. https://www.nytimes.com/interactive/2022/11/10/well/mind/panic-attack-symptoms-causes.html
“Nossos cérebros evoluíram para serem sociais: precisamos de interação e conversas frequentes para manter a sanidade” (Suzanne Dikker, neurocientista cognitiva e linguista da Universidade de Nova York).
“A conversa é nossa maior ferramenta para alinhar mentes. Não pensamos no vácuo, mas com outras pessoas.” (Thalia Wheatley, neurocientista social do Dartmouth College).
Em momentos de fortes divisões de opiniões, como as que estamos vivendo na área política atual, relativas a temas sociais importantes, é possível o alinhamento de crenças por meio do diálogo?
A resposta é sim. No entanto, desde que o grupo de discussões esteja livre de fanfarrões, desses que só desejam lacrar (palavra cafona da moda nas redes sociais).
As discussões em grupo para resolver problemas comuns é um dos empreendimentos mais importantes nas sociedades humanas, mas chegar a um consenso, como sabemos, pode ser muito aflitivo.
Apesar das pessoas perceberem fatos de maneiras diferentes e terem relatos também diferentes sobre um acontecimento, é possível chegar a um consenso e termos modulações cognitivas, após uma discussão pujante.
Uma conversa robusta que resulta de um consenso, sincroniza os cérebros dos falantes não apenas quando se pensa no tópico que foi explicitamente discutido, mas em situações relacionadas que não foram alvo da conversa, posteriormente.
Entretanto, a BARREIRA para este padrão de saúde cognitiva, por meio de uma discussão em prol do acordo, é ter um membro do grupo cujas opiniões estridentes afetam a todos os outros.
Em contrapartida, após uma discussão alentada, temos maior alinhamento sobre um fato ao ser reanalisado pelos canais auditivos e visuais e, pelos domínios atencionais, mnemônicos, linguísticos e outros, e com sincronia de ativação cerebral do grupo participante da conversa e mesmo para novos pontos que são vistos individualmente. Logo, só atingimos uma dimensão ampliada sobre um tema, após uma conversa sem empecilhos individuais (crenças enrijecidas) de todos os presentes no grupo em prol do diálogo e com condutas de mediação.
Pontos importantes:
· Pessoas que compartilham crenças tendem a compartilhar ativações cerebrais semelhantes. Por exemplo, indivíduos que vêm uma imagem de notícias, a atividade cerebral daqueles com concepções conservadoras se pareciam mais com a de outros conservadores e vice-versa, conforme estudos.
· Traços de personalidade e dinâmicas de conversação, como reversar, podem afetar a dinâmica de um bate-papo, para ativar ou inibir a sincronia promovida pela comunicação.
Desta forma, o grau de similaridade nas respostas cerebrais depende não apenas das predisposições inerentes das pessoas, mas também do terreno comum criado por uma conversa.
Agora, o comportamento de um indivíduo pode influenciar drasticamente uma decisão de grupo. Por exemplo, num viés da divergência com condutas persuasivas de fanfarronice, dando ordens e executando conversas pontuais, não com o grupo, mas isoladamente com outros indivíduos para desagregar. Em compensação, num viés de mediação, a presença de condutas para leitura do contexto pelos participantes da discussão e tentativas de encontro de um terreno comum facilitam o diálogo.
Portanto, só existe alinhamento no processamento cognitivo em temas divergentes, mas em prol do consenso, via diálogo, se entrarmos numa discussão dispostos a mudar de ideia e não rígidos em nossas crenças, a tal ponto de agirmos apenas com imposições de visões individuais.
Fonte: Hughes, Virginia. How to Change Minds? A Study Makes the Case for Talking It Out. The New York Times. https://www.nytimes.com/2022/09/16/science/group-consensus-persuasion-brain-alignment.html
Inúmeros fatores podem contribuir para o fracasso de uma criança em aprender.
Consequentemente, as razões para o fracasso escolar de uma criança não devem ser consideradas isoladamente, mas sim no contexto das circunstâncias sociais e ambientais.
Assim, é possível categorizar 3 causas mais expressivas do fracasso escolar de crianças:
1. Características intrínsecas da criança: que são os transtornos do neurodesenvolvimento, como o Transtorno do Desenvolvimento da Linguagem – TDL, Distúrbios Específicos de Aprendizagem - DEA, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade – TDAH, Deficiência Intelectual - DI, Deficiência Sensorial, e as doenças crônicas, etc.
2. Características do ambiente da criança: disfunções familiares, problemas sociais e escolarização ineficaz.
3. Consequências da interação entre a criança e seu ambiente: disfunção temperamental, falhas de atenção e transtornos emocionais
Por conseguinte, a avaliação neuropsicológica deve considerar a miríade dessas razões para insucesso escolar de uma criança e ser um exame de captura dessas causas por meio de dados quantitativos e qualitativos devidamente tratados e analisados.
E só diante desse rastreio, é possível:
a) executar a intervenção com as condições clínicas subjacentes especificadas e dimensionadas,
b) implementar aconselhamentos adequados,
c) promover a comunicação com os serviços e recursos médicos, educacionais e familiar necessários para a crianças,
d) coordenar os procedimentos de seguimento do tratamento, e
e) realizar os encaminhamentos adicionais.
Fonte: Dworkin PH. School failure. Pediatr Rev. 1989 Apr;10(10):301-12. doi: 10.1542/pir.10-10-301. PMID: 2704665.
Com o desenvolvimento contínuo da sociedade moderna, tem potencializado as experiências das pessoas com vidas tensas e ocupadas e enfrentando todos os tipos de pressões diárias. Quando os indivíduos têm dificuldade em se ajustar às pressões da vida, eles são propensos à depressão.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde - OMS, no ano de 2017 cerca de 5,8% da população brasileira sofria de depressão – um total de 11,5 milhões de casos. Sendo o maior índice na América Latina. Já em pesquisa Vigitel de 2021, esse percentual subiu para 11,3%. Tendo a maior frequência entre as mulheres (14,7%) em comparação com os homens (7,3%).
Entretanto, apesar da existência de tratamentos efetivos para a depressão, menos da metade das pessoas afetadas no mundo – e, em alguns países, menos de 10% dos casos – recebem ajuda clínica. As barreiras incluem falta de recursos, falta de profissionais capacitados e o estigma social associado aos transtornos mentais, além de falhas no diagnóstico.
Uma das facetas emocionais desses pacientes, é que muitas vezes eles sentem que suas vidas não têm sentido e valor, às vezes acompanhadas de pensamentos e tentativas de suicídio. Em contraposição, uma vida significativa é uma variável importante para a prevenção e cuidado do suicídio. Portanto, os recursos de prevenção ao suicídio devem incluir componentes relacionados ao sentido da vida.
Desta forma, os profissionais de saúde podem intervir para que os pacientes com depressão explorem seu significado de vida, enquanto esses suportam e transformam a dor emocional que acompanha a depressão. Portanto, diminuindo suas ideações suicidas.
Um dos recursos é a Terapia do Significado, criada por Victor Frankl (1946). Nessa modalidade terapêutica, Vitor Frankl apresentou três fontes únicas onde as pessoas desvendam e descobrem os significados da vida:
1) O valor da criatividade (o sentido do trabalho): neste caso, os indivíduos são incentivados a investir em um novo objetivo de vida. Quando os indivíduos se dedicam ao trabalho ou, à criação, experimentam o sentido da vida e sentem o valor da autoexistência.
2) O valor da experiência (o significado do amor): nesta etapa, os indivíduos são incentivados a experimentar a dimensão deste afeto consigo mesmo, família, amizade, comunidade, na sua concepção religiosa, e para toda a humanidade em todo o mundo, bem como, com o próprio planeta Terra.
3) O valor das atitudes (o significado do sofrimento): aqui, visa ampliar a percepção de que os seres humanos estão fadados a sofrer dores inevitáveis em suas vidas. No entanto, como afirma V. Frankl que, na dor, os indivíduos podem manter a liberdade de escolher como enfrentá-la, mudar suas atitudes em relação ao sofrimento, tratar o sofrimento como uma experiência vivida e compreender o significado do sofrimento como fundido com a própria vida. Se os indivíduos acreditam que o sofrimento tem significado, eles podem optar por suportá-lo e trabalhá-lo.
Fonte: Zeng YY, Long A, Chiang CY, Chiu NM, Sun FK. Exploring the meaning of life from the perspective of patients with depression: A phenomenological study. Arch Psychiatr Nurs. 2021 Oct;35(5):427-433. doi: 10.1016/j.apnu.2021.06.004. Epub 2021 Jun 22. PMID: 34561055.
Segundo a Dra. Lauren, professora de psiquiatria da Universidade de Michigan, o objetivo da avaliação é tentar evitar a prescrição de medicamentos sem um cálculo das causas subjacentes.
Ela argumenta que conhecer as causas subjacentes dos sintomas comportamentais e psicológicos da demência, realmente ajudará a direcionar adequadamente o tratamento. Uma vez que a gestão de quadros de infecções e psicose, ou problemas com cuidadores e com o meio ambiente devem ser abordados de maneira muito diferente neste grupo clínico. E sem conhecer as causas, como tratar?
No entanto, discorre ela, “na prática clínica do mundo real, as pessoas com demência geralmente recebem medicamentos psicotrópicos, como antipsicóticos, apesar da evidência de um efeito de evolução modesto. Embora os antipsicóticos tenham as melhores evidências para o tratamento dos sintomas comportamentais e psicológicos na demência, eles estão associados a um risco significativo, incluindo aumento da mortalidade, quedas, confusão, sedação e efeitos colaterais motores”.
E no mais, a avaliação permite a individualização da gestão clínica da condição de saúde. Por exemplo, recentemente a Clarivate publicou o relatório sobre o impacto de condutas orientadas para o paciente a partir de tratamentos de dados que visam realmente fornecer tomadas de decisões clínicas individualizadas.
Na atualidade, as condutas clínicas passam pela tipificação individualizada das disfunções cognitivas e deficiências do corpo, das limitações na execução de atividades e restrições de participação, e das barreias individuais e ambientais para a condução adequada da intervenção. Esses dados permitem a gestão abrangente da intervenção e a redução de efeitos clínicos adversos.
Fonte: Lauren Gerlach, MD, professora assistente de psiquiatria na Divisão de Psiquiatria Geriátrica da Universidade de Michigan para o Psychopharmacology Institute.
A robótica é uma importante tecnologia que trouxe avanços no campo da neurorreabilitação assistida por robô (Tieri et al., 2018).
O objetivo do uso dessa tecnologia é proporcionar um treino intensivo, repetitivo e orientado para tarefas, principalmente para membros superiores ou inferiores, o que representa um aspecto importante para a neurorreabilitação quanto ao controle das variáveis intensidade e frequência da dosagem terapêutica efetiva clinicamente. Além do feedback necessário para a execução correta da tarefa em lesões e/ou disfunções que afetam a memória operacional (esboço visuoespacial) e impedem o sequenciamento correto do movimento, por exemplo (Tieri et al., 2018).
Atualmente, existem muitos dispositivos-robôs que têm sido utilizados na neurorreabilitação. A título de exemplo, as tecnologias robóticas que foram combinadas com ambientes virtuais para reabilitação da marcha e os seus efeitos potencializados com a combinação de técnicas tradicionais da fisioterapia, RV e robôs (Tieri et al., 2018):
a. Os efeitos em pacientes com Acidente Vascular Encefálico – AVE com o sistema de reabilitação de tornozelo Rutgers, por meio de robô + RV: os pacientes submetidos apresentaram melhor evolução na capacidade de caminhar (ou seja, velocidade e distância percorrida). Ainda, efeitos positivos da RV na marcha também foram obtidos por meio do treinamento de marcha assistida por robô, onde foi utilizada a versão moderna Lokomat (Lokomat-Pro, (Hocoma Inc., Volketswil, Suíça), ou seja, um dispositivo robótico composto por (i) uma órtese motorizada capaz de guiar os movimentos do joelho e tornozelo, enquanto o paciente caminha em uma esteira, combinada com (ii) uma tela para exibição de um ambiente virtual não imersivo capaz de fornecer feedback interativo e direto ao paciente durante a caminhada (Tieri et al., 2018).
b. Os efeitos em pacientes com esclerose múltipla com deficiência de locomoção: Os pacientes submetidos ao treinamento de marcha assistida por robô tiveram bons resultados funcionais, mas aqueles que realizam RV tiveram melhores resultados, incluindo evolução do equilíbrio (Tieri et al., 2018).
c. Os efeitos em pacientes com hemiparesia crônica: Evidências mostraram que a RV induziu uma evolução na marcha e no equilíbrio e, mais importante, os resultados do Eletroencefalografia-EEG mostraram que o uso da RV sugeriu melhorar o desempenho motor ativando áreas fronto-parieto-occipitais do cérebro envolvidas no planejamento motor e aprendizado (Tieri et al., 2018).
Assim, essas evidências sugerem que o uso de feedback 2D VR desempenha um papel fundamental na dinamização do tratamento. Além de permitir o recrutamento da abordagem top-down e aumentar a participação ativa do paciente que é um facilitador do resultado positivo da neurorreabilitação. Finalmente, outra aplicação promissora que merece ser mencionada vem da pesquisa robótica desenvolvida pelo Laboratório PERCRO de Pisa que implementou e investigou a combinação de um protótipo de exoesqueleto com VR para reabilitação de membros superiores (para mais informações, ver referencias abaixo).
Fonte do texto: Tieri, G., Morone, G., Paolucci, S., & Iosa, M. (2018). Virtual reality in cognitive and motor rehabilitation: facts, fiction and fallacies. Expert Review of Medical Devices, 15(2), 107–117. https://doi.org/10.1080/17434440.2018.1425613
Fonte dos estudos sobre o tema no Laboratório PERCRO de Pisa:
Frisoli A, Borelli L, Montagner A, et al. Arm rehabilitation with a robotic exoskeleleton in virtual reality. 2007 IEEE 10th Int. Conf. Rehabil. Robot. ICORR’07; 2007. p. 631–642.
Frisoli A, Salsedo F, Bergamasco M, et al. A force-feedback exoskeleton for upper-limb rehabilitation in virtual reality. Applied Bionics Biomech. 2009;6:115–126
O hiperfoco é um fenômeno que reflete a completa absorção de uma pessoa numa tarefa, a tal ponto que a pessoa parece ignorar completamente ou 'desligar' todo o resto. Sendo que na literatura psiquiátrica o termo frequentemente utilizado é o hiperfoco e na literatura relacionada ao campo da psicologia positiva o termo é fluxo, apesar da fenomenologia ser quase idêntica. Logo, a literatura de fluxo pode ser usada como uma estrutura para entender o hiperfoco.
Geralmente, o hiperfoco ocorre quando uma pessoa está engajada numa atividade particularmente divertida ou interessante. Um exemplo de hiperconcentração, é quando uma criança fica envolvida em um videogame a ponto de não ouvir os pais chamando pelo seu nome.
Embora, a maioria das pessoas neurotípicas relatem ter experimentado um estado semelhante ao hiperfoco, em algum momento de sua vida, ele é mais frequentemente mencionado em quadros clínicos de autismo, esquizofrenia e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade - condições que têm consequências nas habilidades de atenção.
Assim, em termos técnicos, a hiperfocalização se caracterizada por concentração intensa em atividades interessantes e não rotineiras acompanhada por percepção temporariamente diminuída do ambiente.
Por certo, há quatro características gerais ou critérios de hiperfoco que são relatados de forma consistente:
I. O hiperfoco é caracterizado por um intenso estado de concentração/foco.
II. Quando as pessoas estão envolvidas tarefas de hiperfoco, estímulos externos não relacionados não parecem ser percebidos conscientemente; às vezes relatado como uma percepção diminuída do ambiente.
III. Para se engajar no hiperfoco, a tarefa deve ser divertida ou interessante.
IV. Durante um estado de hiperfoco, o desempenho da tarefa melhora.
Por sua vez, as condições para entrar no hiperfoco incluem:
· desafios percebidos, ou oportunidades de ação, que aumentam, mas não superam as habilidades existentes;
· objetivos proximais claros e feedback imediato sobre o progresso que está sendo feito.
Nessas condições, a experiência se desdobra perfeitamente de momento a momento e a pessoa entra num estado subjetivo com as seguintes características:
· concentração intensa e focada no momento presente;
· fusão de ação e consciência;
· perda de autoconsciência reflexiva (isto é, perda de consciência de si mesmo como ator social);
· uma sensação de que se pode controlar as próprias ações; isto é, a sensação de que podemos, em princípio, lidar com a situação porque sabemos como responder a tudo o que acontece a seguir;
· distorção da experiência temporal (normalmente uma sensação de que o tempo passou mais rápido do que o normal);
· a experiência da atividade como intrinsecamente gratificante, de forma que muitas vezes o objetivo final é apenas uma desculpa para o processo.
Portanto, o fluxo indica ser mais alto quando há igualdade entre a dificuldade e a habilidade percebida da tarefa pelos executores (denominado compatibilidade habilidades-demanda). Neste caso, um exemplo numa tarefa de baixa importância e capaz de levar ao fluxo é o videogame pac-man para alguns indivíduos. Desta maneira, o fluxo alto se manifesta em tarefas fáceis e com compatibilidade de demanda de habilidades, em comparação de quando a tarefa é difícil. Já no quesito motivação para realização de uma tarefa, é comum que as pessoas motivadas por sua 'esperança de sucesso', em comparação às com 'medo do fracasso’, as primeiras tendem a potencializar o fluxo durante a tarefa.
Assim, o aumento da importância percebida da tarefa tem potencial de aumentar a motivação do sujeito para se engajar nela e, subsequentemente, moderar as condições sob as quais o fluxo foi alcançado.
Em termos de fluxo, a “experiência da atividade como intrinsecamente gratificante”, pode ser um dos critérios para entrar em um estado de fluxo, ao invés de um efeito desses estados. Isso sugere que envolver o hiperfoco requer o envolvimento de tarefas, o que seria simplesmente mais comum durante tarefas divertidas ou interessantes.
Em relação ao desempenho, o fluxo produz uma execução inerentemente alta. Por exemplo, na execução de uma tarefa em três condições experimentais distintas: tédio, ajuste e sobrecarga, foi visto que na condição de ajuste, observou-se um estado de fluxo, enquanto na condição de sobrecarga e tédio não. Por exemplo:
a) Na condição de tédio, foram feitas perguntas muito fáceis ao longo dos blocos.
b) Na condição de ajuste (ou adaptativo), as dificuldades das questões foram adaptadas com base no desempenho (quando se acertava uma questão, a próxima era mais difícil; quando errava, a próxima era mais fácil).
c) E na condição de sobrecarga, a dificuldade das questões foram consistentemente muito difíceis para os sujeitos ao longo dos blocos.
E o mais interessante, visto neste experimento, é que foi apurado um aumento do estresse na condição de sobrecarga, já que os indivíduos estavam lutando para ter sucesso, mas também na condição de ajuste, com os mesmos valores da condição de sobrecarga. Desta maneira, as experiências de fluxo podem ser consideradas como envolvendo tensão excessiva e carga mental de uma perspectiva fisiológica.
Resumindo, a definição operacional para quatro características distintas e testáveis do hiperfoco são:
(1) o hiperfoco é induzido pelo engajamento da tarefa;
(2) o hiperfoco é caracterizado por um estado intenso de atenção sustentada ou seletiva;
(3) durante um estado de hiperfoco, há uma percepção diminuída de estímulos não relevantes para a tarefa; e
(4) durante um estado de hiperfoco, o desempenho da tarefa melhora.
Fonte: Ashinoff, B. K., & Abu-Akel, A. (2021). Hyperfocus: the forgotten frontier of attention. Psychological research, 85(1), 1–19. https://doi.org/10.1007/s00426-019-01245-8
Por Juno DeMelo
Pelo New York Times
A discussão sobre os fatores emocionais no desencadeamento da dor crônica não é nova. Recentemente, o jornal New York Times discutiu o assunto, por meio da reportagem de Juno DeMelo. Ele conta a sua história na busca de um tratamento para uma dor crônica em dois momentos e entrelaça essa experiência com as discussões no universo científico sobre o tema.
Ele inicia a discussão com o livro Free Yourself From Back Pain, um best-seller de 1991, que afirma que, para distrair um sofredor de ansiedade reprimida, raiva ou sentimentos de inferioridade, o cérebro cria dores no pescoço, ombros, costas e nádegas, diminuindo assim o fluxo sanguíneo para os músculos e nervos. O autor do livro, John Sarno, era um médico em reabilitação da Universidade de Nova York.
De acordo com Sarno, quase todas as dores crônicas são causadas por emoções reprimidas. E ao fazer psicoterapia ou escrever sobre essas dores, as pessoas seriam curadas sem medicação, cirurgia ou exercícios especiais.
Consequentemente, pela lógica metódica da teoria de Sarno, a dor emocional causa dor física. E, embora, a dor não se originasse de um andar peculiar ou de uma posição inadequada ao dormir, ela seria real. Entretanto, ninguém na comunidade médica pareceu concordar com Sarno, já que ele não tinha estudos para demonstrar os efeitos clínicos de seu programa. Contudo, não podiam também negar que funcionava para alguns de seus pacientes ou conhecedores de seu livro. Esses, depois de exorcizar num diário os seus sentimentos negativos, por um tempo, apareciam curados.
A DOR GERALMENTE COMEÇA NO CÉREBRO
"A ideia de que uma proporção substancial de pessoas pode ser ajudada repensando as causas de sua dor é agora prevalente", segundo Tor Wager, professor de neurociência no Dartmouth College e diretor de seu Laboratório de Neurociência Cognitiva e Afetiva. "Entretanto, isso é diferente da ideia de que seu relacionamento não resolvido com sua mãe se manifesta como dor." Desta forma, a maioria dos cientistas agora acreditam que a dor nem sempre é algo que começa no corpo e, seja percebida pelo cérebro. Assim, pode não ser uma doença em si, ou seja, de origem biológica.
Uma vez que, cerca de 85% das dores nas costas e 78% das dores de cabeça não têm um gatilho identificável, embora a maioria dos cientistas não afirmem que toda a dor crônica seja puramente psicológica. Já que existem também razões sociais e biológicas para a dor. Logo, para a maioria das pessoas, a dor é uma confluência dos três, conforme argumenta Daniel Clauw, professor de anestesiologia, medicina e psiquiatria da Universidade de Michigan e diretor de Centro para Dor Crônica e Pesquisa de Fadiga. Ademais, para Clauw, há muitas pessoas para as quais o método de Sarno não iria funcionar.
Atualmente, uma abordagem semelhante ao método de Sarno é a teoria da consciência e da expressão emocional, na qual os pacientes identificam e expressam as emoções que têm evitado. Essa teria não apenas demonstrou reduzir significativamente a dor em pessoas com fibromialgia e dor musculoesquelética crônica , como também é considerada pelo Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA como uma das melhores práticas para o tratamento da dor crônica (junto com massagem e terapia cognitivo-comportamental )
A DOR PODE TER VIDA PRÓPRIA
Contudo, como o cérebro causa dor crônica em primeiro lugar? A teoria de Sarno de que nosso cérebro usa a dor para nos distrair das emoções negativas, cortando o fluxo sanguíneo para os músculos, não é apoiada pela ciência, de acordo com Wager. Em vez do fluxo sanguíneo, os cientistas agora olham para o sistema nervoso para entender a dor crônica que não é causada por danos nos nervos ou tecidos. Basicamente, nesses casos, os circuitos cerebrais funcionam mal, prolongando, amplificando e até criando a dor.
SEIS DICAS PARA TRATAR A DOR CRÔNICA
1. Compreenda: para quem a experimenta cronicamente, a dor é sua própria doença, não apenas um sintoma. Os estudos indicam que pode ser causada pelo desequilíbrio das células nervosas especializadas.
2. O exercício físico ajuda: se você tem dor crônica, pode continuar se exercitando. E, em muitos casos, pode ajudar a reduzir a sensação de desconforto e aumentar o limiar de dor.
3. Controle a dor desde a fonte: embora a dor crônica seja uma doença, você tem muito poder sobre ela e pode voltar para sua mente para começar a encontrar alívio. O que pode lhe ajudar? Mantenha um diário para expressar seus sentimentos.
4. Reformule seus pensamentos: os especialistas estão descobrindo que os psicólogos da dor podem ajudá-lo a mudar a maneira como o cérebro processa a dor .
5. Use uma linguagem descritiva útil: usar metáforas ou outras linguagens para falar sobre sua dor pode realmente mudar o quanto você sente . Por exemplo, falar abertamente do desconforto que sua dor lhe provoca pode ser mais benéfico do que usar palavras substitutas.
6. Encontre uma equipe: em um mundo ideal, os médicos saberiam como tratar doenças crônicas como a dor. No mundo real, você pode ter que procurar ativamente a equipe de atendimento para você.
Na prática, Wager diz que não entendemos totalmente os mecanismos disso, mas "sabemos que os estressores podem promover inflamação na medula espinhal e no cérebro, que estão ligados ao aumento das sensações de dor." As adversidades iniciais, como abuso infantil, dificuldades financeiras, violência e negligência, também foram associadas à dor crônica.
Além do mais, para complicar ainda mais as coisas: a dor pode gerar mais dor. Por exemplo, uma lesão pode aumentar o volume de sua resposta à dor a lesões futuras. O estresse pode fazer com que a dor se prolongue por muito tempo após a cicatrização da lesão. E se suas costas doem e você começa a imaginar todas as maneiras como isso poderia piorar, esse medo pode aumentar sua dor, o que pode levá-lo a evitar atividades físicas, tornando a dor ainda pior. Os especialistas chamam isso de ciclo da dor.
Nesse caso, a ideia de Sarno de que o cérebro provoca dor estava parcialmente correta. A pesquisa mostra que a catastrofização pode transformar a dor aguda em dor crônica e aumentar a atividade em áreas do cérebro relacionadas à antecipação e atenção à dor. Essa é uma das razões pelas quais os médicos estão começando a tratar os distúrbios dolorosos de maneira semelhante, por exemplo, aos distúrbios de ansiedade, incentivando os pacientes a se exercitarem para que possam superar o medo de se movimentarem. Enquanto um paciente com ansiedade social pode dar pequenos passos para falar com estranhos, por exemplo, um paciente com dor nas costas pode começar a correr ou andar de bicicleta.
VOCÊ PODE ENCONTRAR O INTERRUPTOR DE ELIMINAÇÃO
O resultado final, de acordo com Howard Schubiner, um aprendiz de Sarno, é que "toda dor é real e toda dor é gerada pelo cérebro". Schubiner é atualmente diretor do Programa de Medicina do Corpo Mente em Southfield, Michigan, e professor clínico da Faculdade de Medicina Humana da Universidade Estadual de Michigan.
Qualquer que seja, a dor desencadeada por estresse ou lesão física, o cérebro gera as sensações. E - este é um conceito incrível - você não apenas reflete o que sente, você decide se liga ou desliga a sua dor.
No final, Sarno acertou ao afirmar que os exercícios ajudam na recuperação quanto a relação entre a dor emocional e a física. Entretanto, errou por não considerar que nem toda dor crônica é psicológica. O tratamento Freudiano de Sarno está longe de ser o único que funciona. E, poucos cientistas diriam que nosso cérebro usa a dor para nos distrair das emoções negativas (e definitivamente jamais afirmariam algo do tipo como cortando o fluxo sanguíneo para os músculos).
O diagnóstico de câncer é um evento estressante e potencialmente traumático e, mesmo após o tratamento bem-sucedido, os efeitos relacionados podem continuar a ser uma fonte de sofrimento considerável.
Efetivamente, explorar e expressar pensamentos e sentimentos são considerados aspectos centrais da psicoterapia, e há evidências que sugerem que intervenções expressivas potencializam para que esses pacientes possam expressar seus pensamentos e emoções relacionados ao câncer. O efeito, que ainda carece de melhores estudos, é da melhora nos resultados da saúde física e psicológica.
Consequentemente, a vontade, a capacidade e a oportunidade de expressar preocupações e emoções relacionadas ao câncer - ou a falta delas - podem influenciar o prognóstico dos pacientes com estressores associados à doença e ao tratamento. Daí que tal situação pode ter consequências não apenas para a saúde psicológica do paciente, mas também nos resultados da sua saúde física, incluindo o prognóstico.
Por sua vez, um modo de expressão emocional ligada a resultados benéficos para a saúde é a escrita. Desse modo, as primeiras pesquisas de Pennebaker et al. (1986) demonstraram que para início de efeito clínico da escrita expressiva deverá ter intensidade de 15-20 minutos, com a frequência de 3 dias sobre emoções associadas a um evento traumático. Essa estratégia indica potencial clínico quanto à melhorias na saúde psicológica e biológica de pacientes oncológicos.
É importante ressaltar que não são todos os pacientes que são elegíveis para se beneficiar com o uso da técnica. Por exemplo:
a) os efeitos da expressão emocional são dependentes do contexto, ou seja, há efeitos diferentes entre pacientes, dependendo da disponibilidade percebida de suporte emocional por eles. Para tanto, os pontos abaixo são fundamentais para a indicação ou não da técnica:
a flexibilidade expressiva, ou seja, a capacidade de regular a amplitude da emoção, uma vez que essa regulação é indicada como associada ao ajustamento psicológico de longo-prazo.
indivíduos de forma geral gerenciam suas emoções de maneiras diferentes, dependendo do nível de intensidade, isso sugere que pode ser adaptativo para envolver e se desligar das emoções, dependendo do contexto.
por exemplo, os pacientes com baixos níveis de suporte emocional ou altos níveis de restrições sociais experimentadas são mais propensos a se beneficiar da escrita expressiva do que pacientes com altos níveis de suporte emocional.
a escrita expressiva é relativamente eficaz para participantes com baixo índice de evitação, enquanto uma redação mais positiva com foco na descoberta de benefícios indica ser mais eficaz para mulheres com alto índice de evitação.
a escrita expressiva, em comparação com a escrita neutra, teve sucesso em induzir os breves aumentos no humor negativo, geralmente associados à revelação emocional
Embora a escrita expressiva não pareça funcionar bem para todos os pacientes oncológicos, dado ser uma intervenção muito prática e barata, mesmo com pequenos efeitos em subgrupos de pacientes, ela é indicada ser clinicamente relevante. Uma vez que há vestígios em estudos de efeitos para níveis de angústia pré-intervenção e fatores dependentes do contexto, como suporte emocional.
A associação da escrita expressiva com outras abordagens, por exemplo, instrução aos participantes a se concentrarem na descoberta de benefícios, intervenções multimodais combinando 'expressões saudáveis' verbais e escritas ou ajudando os outros, também são necessárias.
Fontes:
Pennebaker JW, Beall SK. Confronting a traumatic event: toward an understanding of inhibition and disease. J Abnorm Psychol 1986;95(3):274–281.
Zachariae, R., & O'Toole, M. S. (2015). The effect of expressive writing intervention on psychological and physical health outcomes in cancer patients--a systematic review and meta-analysis. Psycho-oncology, 24(11), 1349–1359. https://doi.org/10.1002/pon.3802
Uma das correntes em desenvolvimento de pensamento, pesquisa e prática no campo da superdotação é a exploração da co-ocorrência, distribuição e etiologia de dons (talentos) e deficiências. Cresce a consciência de que existe um grupo substancial de crianças que preenchem as qualificações para serem “duas vezes excepcionais” (2e), nomeadamente, crescer com capacidades e deficiências excepcionais em simultâneo (Grigorenko, 2020).
Para ficar dentro do contexto 2e, existe um subgrupo com transtornos de desenvolvimento do comportamento e um subgrupo com dons (talentos), e que esses grupos podem se sobrepor. Como esse grupo de co-ocorrência não foi bem pesquisado, a maioria das fontes de evidências que confirmam sua existência são complementares (Grigorenko, 2020).
Embora tenha havido um fluxo consistente de relatos sobre a co-ocorrência de dons (talentos) e deficiências em crianças com necessidades especiais, que remonta à cristalização dos diagnósticos relevantes, só recentemente ficou claro que essas co-ocorrências não se limitam a um transtorno do neurodesenvolvimento particular, como o Transtorno do Espectro do Autismo ou Distúrbios de Aprendizagem Específicas, mas são fenômenos que foram observados em deficiências de desenvolvimento em geral (Grigorenko, 2020).
No entanto, em grande parte devido às trajetórias de desenvolvimento paralelas, em vez de entrelaçadas, dos campos de estudos sobre dons (talentos) e deficiências de desenvolvimento, os relatórios publicados dessas co-ocorrências não foram volumosos (Grigorenko, 2020).
No século XXI, essas trajetórias têm se tornado mais próximas e mais conectadas, especialmente após a re-autorização de 2004 da Lei de Melhoria da Educação de Indivíduos com Deficiências nos EUA, IDEIA (Lei de Melhoria da Educação de Indivíduos com Deficiências, 2004), que reconheceu formalmente os alunos 2e (Grigorenko, 2020).
Ainda, o mais importante, não existe uma definição única de status 2e. Ao contrário, há muita discussão na literatura sobre como essa condição deve ser definida. Uma definição de trabalho alcançou um consenso substancial, entre as 26 organizações que apoiam as necessidades de pesquisa e educação dos alunos 2e: “Indivíduos duas vezes excepcionais evidenciam capacidade e deficiência excepcionais, o que resulta em um conjunto único de circunstâncias. Sua habilidade excepcional pode dominar, escondendo sua deficiência; sua deficiência pode dominar, escondendo sua habilidade excepcional; cada uma pode mascarar a outra para que nenhuma seja reconhecida ou diagnosticada” (Grigorenko, 2020).
A definição de superdotação (talento) utiliza a acepção desenvolvida pela National Association for Gifted Children, ou seja, “superdotados são aqueles que demonstram níveis excepcionais de aptidão (definido como uma capacidade excepcional de raciocinar e aprender) ou competência (desempenho ou realização documentada entre os 10% melhores da população geral) em um ou mais domínios. Os domínios incluem qualquer área estruturada de atividade que tenha seu próprio sistema de símbolos - por exemplo, matemática, música, linguagem) e/ou conjunto de habilidades sensório-motoras (por exemplo, pintura, dança, esportes (Grigorenko, 2020).
Fonte:
Grigorenko, E. L. (2020). Twice Exceptional Students: Gifts and Talents, the Performing Arts, and Juvenile Delinquency. New Directions for Child and Adolescent Development, 2020(169), 59–74. https://doi.org/10.1002/cad.20326
Em 1983, Bradley (1983) revisou os estudos israelenses e americanos para determinar algo parecido com o que discutimos em terminologias atuais quanto ao grau de evidência de recomendações do Programa de Enriquecimento Instrumento (PEI) quanto ao seu efeito clínico nas modificações de estruturas cognitivas de adolescentes com Deficiência Intelectual (DI). O autor argumenta que embora a pesquisa tenha produzido alguns resultados estatisticamente significativos em favor do grupo do PEI, a importância dessas descobertas seria questionada com base em falhas no projeto da pesquisa, na magnitude relativamente sem importância das diferenças médias que foram relatadas como significativas e, na deficiência quanto mudanças de pontuação em medidas de capacidade cognitiva para se refletir no desempenho escolar.
Consequentemente, ele conclui que as alegações de que a pesquisa leva "apoio substancial" à eficácia do PEI deveriam ser rejeitadas.
E foram rejeitadas já por quase 38 anos! E o instrumento jogado ao limbo do esquecimento! No seu lugar não foi incorporado nenhum outro produto com o seu potencial. A exceção são os trabalhos nos campos da inteligência e da deficiência intelectual de J.P. Das (Jagannath Prasad Das), esse também desconhecido pelos neuroreabilitadores atuais.
E adversamente, o foco nos últimos anos das pesquisas quanto a intervenção em DI se voltou para as questões motoras e funcionais, apesar de com problemas sérios também no desenho de pesquisa e preteriu os aspectos cognitivos primários da condição clínica, como o raciocínio, ou em especial a terceira unidade funcional de A. R. Luria (1973), acoplada com a etapa de elaboração de Feuerstein.
Com certeza, a posologia errada junto com designer de pesquisa desastroso não invalida inicialmente o recurso. As falhas apontadas por Bradley (1983) são sem dúvidas relevantes. Entretanto, a julgar a vanguarda de suas críticas ao instrumento, o mais sensato seria modificar e aprimorar a metodologia de pesquisa e, não desconsiderar o instrumento em si, conforme autor sinaliza em seu estudo quanto a necessidade de ajuste nas futuras investigações, mas não o seu abandono.
Efetivamente, o PEI despertou muita atenção e interesse nas últimas décadas do século passado, como um modelo para diagnosticar e intervir nos déficits cognitivos de crianças com DI. E atualmente, há uma urgência no seu resgaste com fundamentação empírica.
O PEI é um modelo criado por Reuven Feuerstein para avaliação dinâmica e instrução de desempenho aplicado, entre outras condições clínicas, em deficientes intelectuais. A atenção e o interesse são bem-merecidos porque, se as reivindicações feitas por esse modelo forem apoiadas por um corpo de pesquisas com designer adequado, as ramificações enviarão ondas de choque por todo o mundo da neuroreabilitação e da educação especial (Bradley, 1983).
Por exemplo, se os profissionais da saúde e educação podem avaliar a natureza dos déficits cognitivos específicos que prejudicam o funcionamento intelectual de uma criança; se essa avaliação leva a um programa eficaz de intervenção cognitiva e; se os efeitos desse programa corretivo são duráveis e generalizam-se para outras atividades de vida-diária e instrumental além do treinamento tarefas; não há dúvidas de que o campo da saúde cognitiva enfrentará a necessidade de mudanças perturbadoras (Bradley, 1983).
Em nossa clemência por aqueles a quem estamos comprometidos em tratar, todos queremos acreditar que o modelo de Feuerstein para modificabilidade cognitiva tem, ou irá, em breve adquirir aquele grau de suporte empírico necessário para recomendar sua adoção generalizada. (Bradley, 1983).
Fonte:
Bradley, T. B. (1983). REMEDIATION OF COGNITIVE DEFICITS: A CRITICAL APPRAISAL OF THE FEUERSTEIN MODEL*. Journal of Intellectual Disability Research, 27(2), 79–92. https://doi.org/10.1111/j.1365-2788.1983.tb00281.x
É comum, como sabe, no contexto escolar, algumas crianças, mesmo com ajustes nos recursos didáticos, não responderem adequadamente quanto ao desempenho escolar. Neste caso, a avaliação neuropsicológica é tida como o recurso mais adequado para identificação das causas e para direcionar a intervenção pedagógica, sendo que em alguns casos de transtornos, também nortear a intervenção clínica.
Como é um fato importante que foi conquistado pela inclusão, hoje a maioria das escolas abordam uma ampla gama de níveis de funcionamento, desde os portadores de transtornos neuropsiquiátricos e neurológicos de níveis leves, moderados e graves de desenvolvimento até os superdotados.
Consequentemente, para que os programas pedagógicos, nestas situações, funcionem com eficácia, a avaliação neuropsicológica deve identificar os pontos fortes e fracos de aprendizagem de cada criança, de modo que elas sejam assistidas com manejo pedagógico estruturado as suas necessidades cognitivas para atingir seu pleno potencial de aprendizagem. Quanto mais amplo for o repertório de ferramentas do neuropsicólogo, mais completa será a avaliação. E, quanto mais completa for a avaliação, mais adequada será a intervenção da criança no contexto escolar.
Pontos importantes (Parsons & Duffield, 2020):
a) DE uma ciência comportamental desintegrada e com poucos dados PARA uma ciência coesa e rica em dados que permita uma tradução melhorada da pesquisa de bancada para a clínica.
b) Os 4 principais avanços que influenciam as prioridades científicas de um plano estratégico recente do NIH Office of Behavioral and Social Sciences Research:
1. Integração da neurociência nas ciências comportamentais e sociais
2. Avanços transformacionais na ciência da medição
3. Plataformas de intervenção digital e coortes populacionais em grande escala
4. Integração de dados
c) A necessidade de desenvolvimento nessas áreas para neuropsicologia manter a sua relevância como uma disciplina científica e avançar no desenvolvimento científico.
d) Além disso, os efeitos de tais avanços requerem discussão e modificação do treinamento, bem como dos códigos éticos e legais para pesquisas e práticas neuropsicológicas.
Neuropsicólogos clínicos têm tradicionalmente desenvolvido e validado ferramentas de avaliação parcimoniosas usando tecnologias básicas (isto é, protocolos de lápis e papel, modelo linear geral). Avanços ocorreram predominantemente em padrões normativos expandidos ao longo da história desta profissão. Embora essas ferramentas de baixa dimensão sejam avaliações bem validadas de construtos cognitivos básicos, elas têm apresentação limitada (estímulos 2D estáticos) e recursos de registro (que requerem registro manual de respostas). Além disso, as abordagens de baixa dimensão limitam sua modelagem estatística (normalmente linear) a combinações de recursos relativos a um conjunto de pesos para prever o valor das variáveis de critério. Alguns neuropsicólogos podem argumentar que a parcimônia oferecida por ferramentas de baixa dimensão reflete a realidade de um déficit de dimensão muito superior. No entanto, ferramentas de baixa dimensão podem oferecer interpretações reduzidas de fenômenos complexos (Parsons & Duffield, 2020).
A preferência por ferramentas de baixa dimensão é aparente em pesquisas de avaliações usadas por neuropsicólogos. Este conservadorismo resultou em avaliações neuropsicológicas que quase não mudaram desde que as escalas originais foram estabelecidas no início de 1900. As ferramentas de avaliação neuropsicológica de baixa dimensão colocam o neuropsicólogo no mesmo nível do trabalho literário do século 19 sobre a natureza da percepção e da dimensionalidade. Para os neuropsicólogos, as tecnologias de baixa dimensão nos levaram a buscar explicações simplificadas de fenômenos complexos, o que limita nossa capacidade de desenvolver, validar, interpretar e comunicar modelos úteis da neuropsicologia humana. Recentemente, psicólogos cognitivos chamaram isso de falácia Flatland. Eles afirmam que a falácia Flatland pode ser superada formalizando teorias psicológicas como modelos computacionais que têm a capacidade de fazer previsões precisas sobre cognição e / ou comportamento (Parsons & Duffield, 2020).
Existem evidências de que está ocorrendo progresso na neuropsicologia; no entanto, mais trabalho precisa ser feito. Muito desse trabalho envolve a adoção, desenvolvimento e validação de novas tecnologias. Da mesma forma, há a necessidade de um sistema de classificação (baseado em pesquisas em neurociência e psicologia) que vá além das ênfases de baixa dimensão em construções cognitivas unitárias específicas para um suposto sistema funcional ou neuronal. Em termos mais básicos, os neuropsicólogos deveriam teorizar com verbos em vez de substantivos para servir ao progresso científico. Só então os neuropsicólogos podem integrar dados para desenvolver ontologias significativas e bases de conhecimento colaborativas de fenômenos neuropsicológicos de alta dimensão. A modelagem computacional é uma grande promessa para atingir esse objetivo (Parsons & Duffield, 2020).
A neuropsicologia de alta dimensão requer uma reforma substancial na maneira como a profissão conduz o treinamento. O treinamento de alta dimensão deve ser adicionado aos treinamentos atuais que enfatizam principalmente (em alguns programas pode ser apenas) testes neuropsicológicos de baixa dimensão (por exemplo, testes de papel e lápis) e métodos (introdução limitada à modelagem linear geral). Maior ênfase deve ser colocada no desenvolvimento de habilidades técnicas com tecnologias de alta dimensão e raciocínio inferencial baseado em dados. Os currículos dos programas de neuropsicologia devem ser expandidos para se adaptar aos recentes avanços tecnológicos que levaram ao crescimento exponencial nas outras ciências. Isso exigiria reimaginar o treinamento em programas de psicologia clínica. Se os neuropsicólogos do futuro devem trabalhar com grandes bases de conhecimento colaborativo e realizar modelagem computacional complicada de big data, então eles precisam de pelo menos treinamento básico em áreas tradicionalmente associadas com ciência da computação (por exemplo, programação de computadores) e informática (algoritmos e bancos de dados). Como tal, seu treinamento estatístico básico precisaria ser aprimorado para incluir manipulação de dados, geração de modelo preditivo, aprendizado de máquina, processamento de linguagem natural, teoria de gráfico e visualização. Uma maior ênfase no treinamento de habilidades técnicas e computacionais básicas melhorará a capacidade dos futuros neuropsicólogos de participar da ciência. programação de computadores) e informática (algoritmos e bases de dados). Como tal, seu treinamento estatístico básico precisaria ser aprimorado para incluir manipulação de dados, geração de modelo preditivo, aprendizado de máquina, processamento de linguagem natural, teoria de gráfico e visualização. Uma maior ênfase no treinamento de habilidades técnicas e computacionais básicas melhorará a capacidade dos futuros neuropsicólogos de participar da ciência. programação de computadores) e informática (algoritmos e bases de dados). Como tal, seu treinamento estatístico básico precisaria ser aprimorado para incluir manipulação de dados, geração de modelo preditivo, aprendizado de máquina, processamento de linguagem natural, teoria de gráfico e visualização. Uma maior ênfase no treinamento de habilidades técnicas e computacionais básicas melhorará a capacidade dos futuros neuropsicólogos de participar da ciência (Parsons & Duffield, 2020).
Uma nota final é a iniciativa BRAIN, que promove o uso de novas ferramentas e tecnologias importantes (Parsons & Duffield, 2020):
(1) tecnologias para monitorar a atividade do circuito neural e
(2) tecnologias que permitem a modulação dos circuitos neurais.
Como esperado, as preocupações éticas relacionadas ao uso médico e não médico de neurotecnologias por neuropsicólogos são profundas. A neuroética para neurotecnologias inclui uma combinação de abordagens éticas de princípio, deontológicas e consequentes para responder aos dilemas éticos. O treinamento em neuroética e o uso ético de tecnologias de alta dimensão permitirão que os neuropsicólogos forneçam cuidados aprimorados a seus pacientes (Parsons & Duffield, 2020).
Fonte:
Parsons, T., & Duffield, T. (2020). Paradigm Shift Toward Digital Neuropsychology and High-Dimensional Neuropsychological Assessments: Review. Journal of medical Internet research, 22(12), e23777. https://doi.org/10.2196/23777
Na verdade, atrasar o início das demências em apenas alguns anos poderia reduzir substancialmente sua prevalência e os encargos humanos e econômicos relacionados ao quadro clínico (KIVIPELTO et al., 2020).
Consequentemente, as intervenções preventivas nas demências são implementadas para (KIVIPELTO et al., 2020):
a) prevenir ou retardar o início
c) tratar efetivamente outros distúrbios que aumentam a incidência das demências
c) levar a um ciclo de progressão lenta da demência quando já irrompida.
E COMO PROCEDER NA PREVENÇÃO? Uma menor ocorrência de demência, em alguns países, estava relacionado as mudanças nos perfis de fatores de risco, incluindo melhorias nos tratamentos da hipertensão, diabetes e de doenças cardiovasculares, bem como, maiores oportunidades educacionais (KIVIPELTO et al., 2020).
Desta forma, os sete fatores elencados nos estudos quanto aos riscos potencialmente modificáveis na prevenção das demências, em especial na doença de Alzheimer - DA (KIVIPELTO et al., 2020):
a) Diabetes
b) Hipertensão da meia-idade
c) Obesidade na meia-idade
d) Sedentarismo
e) Depressão
f) Tabagismo
g) Baixo nível de escolaridade.
Assim, a intervenção no estilo de vida em múltiplos domínios pode melhorar a função cognitiva em adultos mais velhos. No geral, a população que está em alto risco de desenvolver demência (KIVIPELTO et al., 2020).
Porém, como fazer essas melhoras? Com aconselhamento dietético, exercícios físicos, treinamento cognitivo, e monitoramento de risco cardiovascular e metabólico (KIVIPELTO et al., 2020).
Corroborando as informações acima, a Comissão Lancet sobre Prevenção, Intervenção e Cuidado nas Demências propôs um modelo de risco de demência ao longo da vida que reflete como os fatores de estilo de vida implementados ao longo da vida contribuem para o risco de demência. Eles estimaram que as intervenções ao longo da vida poderiam teoricamente prevenir mais de um terço dos casos de demência (KIVIPELTO et al., 2020).
E de novo, nessa recomendação, as intervenções incluem o (KIVIPELTO et al., 2020):
a) aumento do acesso e da qualidade da educação na primeira infância;
b) tratar ou reduzir hipertensão e obesidade na meia-idade;
c) intervir na perda auditiva; e
d) reduzir o tabagismo, depressão, sedentarismo, isolamento social e diabetes na vida adulta.
A grande evidência quanto ao estilo de vida associado ao declínio cognitivo e demências vem do estudo de Intervenção Geriátrica Finlandesa para Prevenir disfunções Cognitiva e Incapacidades gerais (FINGER, ClinicalTrials.gov: NCT01041989). Esse trabalho representa o primeiro grande ensaio clínico controlado randomizado de longo-prazo (RCT) demonstrando que uma intervenção em estilo de vida de múltiplos domínios pode melhorar a função cognitiva em adultos mais velhos, grupo alvo que está em alto risco de desenvolver demências (KIVIPELTO et al., 2020).
Os participantes do estudo foram randomizados para um grupo que recebeu aconselhamento geral de saúde (grupo 1) e outro um grupo em que recebeu intervenção de múltiplos domínios por 2 anos (grupo 2) (KIVIPELTO et al., 2020).
A intervenção de múltiplos domínios incorporou aconselhamento dietético, exercícios físicos, treinamento cognitivo, e monitoramento de risco vascular e metabólico (KIVIPELTO et al., 2020).
Resultados: melhoria na cognição global após 24 meses, avaliado usando a bateria de teste neuropsicológico abrangente (pontuação total NTB), foi 25% maior no grupo de intervenção de múltiplos domínios do que no grupo de aconselhamento geral de saúde (P = 0,03). O desempenho foi melhorado em todos os subdomínios cognitivos, incluindo função executiva, velocidade de processamento e tarefas complexas de memória (KIVIPELTO et al., 2020).
Análises adicionais mostraram que a intervenção de vários domínios FINGER beneficiou a cognição, independentemente de fatores sociodemográficos e socioeconômicos ou outras características basais, apoiando os benefícios potenciais do modelo FINGER para grandes populações em risco.
Os indivíduos com suscetibilidade genética (portadores do gene da apolipoproteína E (APOE) ε4) mostraram benefícios cognitivos oriundos da intervenção. A intervenção FINGER também reduziu o risco de desenvolver novas doenças crônicas (KIVIPELTO et al., 2020).
Embora os resultados do estudo FINGER tenham sido encorajadores, dois outros grandes ECRs de múltiplos domínios - o French Multidmain Alzheimer Preventive Trial (MAPT) e o Dutch Prevention of Dementia by Intensive Vascular Care (PreDIVA) - relataram a falta de efeito sobre os resultados primários (KIVIPELTO et al., 2020).
Contudo, notavelmente, análises exploratórias de subgrupos em ambos os estudos forneceram evidências de que as intervenções produziram benefícios cognitivos em subpopulações de participantes com maior risco de demência, destacando a importância de questões metodológicas, como seleção de indivíduos em risco, tempo adequado e intensidade das intervenções, e seleção de ferramentas sensíveis apropriadas para detectar mudanças na cognição (KIVIPELTO et al., 2020).
Fonte:
KIVIPELTO, M. et al. World‐Wide FINGERS Network: A global approach to risk reduction and prevention of dementia. Alzheimer’s & Dementia, v. 16, n. 7, p. 1078–1094, 5 jul. 2020.
Neuropsicólogos acadêmicos e clínicos esclareceram a disfunção cognitiva em várias populações neuropsiquiátricas ao longo de muitos anos (RANDOLPH, 2018).
Por fim, agora temos um conhecimento oriundo de trabalhos sólidos das sequelas esperadas quanto à esclerose múltipla, acidente vascular encefálico, epilepsia, doença de Parkinson, lesões cerebrais de todos os níveis de gravidade e várias formas de demência (RANDOLPH, 2018).
No entanto, sabemos muito menos sobre indivíduos com condições que afetam o funcionamento neuropsicológico e que apresentam resultados positivos. Por exemplo, cerca de 50% das pessoas com esclerose múltipla apresentam alterações cognitivas; muito menos se sabe sobre os outros 50% que permanecem cognitivamente intactos. Alguns pacientes podem ser cognitivamente resilientes devido ao estilo de vida, fatores genéticos, disposicionais, entre outros (RANDOLPH, 2018).
Voltando ao exemplo acima, indivíduos com esclerose múltipla sem comprometimento cognitivo objetivo, sem queixas cognitivas subjetivas e falta de disfunção cognitiva diária confirmada por informante mostram menos sintomas de fadiga e labilidade de humor subclínica do que outros pacientes com esclerose múltipla. Outro fato clínico que nos chamam a atenção, quanto ao fator de envolvimento em atividades de estilo de vida e afeto positivo, por terem o potencial de reduzir a probabilidade de conversão de comprometimento cognitivo leve (CCL) em demência (RANDOLPH, 2018).
Efetivamente, não há dúvidas que os fatores atitudinais como determinação, otimismo disposicional, atitudes positivas e mudanças de perspectiva fazem parte dos resultados positivos quanto ao efeito clínico na cognição humana (RANDOLPH, 2018).
Do mesmo modo, atribuições de sintomas e conhecimento sobre lesão cerebral também desempenha papéis críticos na recuperação. Bem como, o senso de propósito de vida de uma pessoa como um fator potencialmente protetor contra o declínio cognitivo ou doenças neurológicas. De fato, um senso de propósito mais forte está associado à chance reduzida de infartos lacunares macroscópicos ou AVE de tipo hemorrágico e menor risco de desenvolver CCL ou demência. Este fator também vem sendo relatado para moderar o impacto da patologia da doença de Alzheimer na cognição. Além disso, há evidências de que alguns traços de personalidade, como consciência e abertura à experiência, conferem risco reduzido de declínio cognitivo em idosos (RANDOLPH, 2018).
De modo mais geral, os neuropsicólogos que adotam uma perspectiva de bem-estar cognitivo podem ajudar a maximizar a qualidade de vida e o funcionamento cognitivo daqueles com quem prestam os seus serviços clínicos (RANDOLPH, 2018).
Fonte:
Randolph JJ. Positive neuropsychology: The science and practice of promoting cognitive health. Appl Neuropsychol Adult. 2018 Jul-Aug;25(4):287-294. doi: 10.1080/23279095.2018.1457465. PMID: 29781728.
A comunidade científica biomédica está atualmente passando por uma expansão dramática na forma como os dados estão sendo usados para gerar novos conhecimentos, cumprir as metas de redução de doenças e deficiências e, melhoria da prestação de cuidados de saúde. Com efeito, são vários os fatores que contribuem para essa expansão dos dados. Os avanços em computação e tecnologia da informação, bioestatística, bioinformática, capacidade de uso da internet e tecnologia na nuvem tornaram possível analisar, armazenar, transferir e compartilhar digitalmente grandes conjuntos de dados em níveis que não eram imaginados alguns anos atrás (Ottenbacher et al., 2019).
Essas mudanças resultaram no surgimento de uma nova disciplina científica e acadêmica conhecida como ciência de dados. Um campo interdisciplinar de investigação em que abordagens quantitativas e analíticas, processos e sistemas são desenvolvidos e usados para extrair conhecimento e percepções de conjuntos de dados cada vez maiores e / ou complexos (Ottenbacher et al., 2019).
Consequentemente, mudanças de paradigma na área de saúde se tornaram a norma. Duas décadas atrás, a pesquisa translacional estava em sua infância. Agora, é o conceito central que sustenta a pesquisa na prática e nos resultados de saúde. Uma década atrás, a ideia da pesquisa de resultados centrada no paciente estava apenas sendo introduzida. Agora, incluir ativamente as partes interessadas no processo de pesquisa é a regra, e não a exceção. Da mesma forma, a pesquisa qualitativa foi considerada por muitos como ciência leve. Hoje, os métodos mistos são vistos como uma abordagem importante no estudo da saúde humana. O recente surgimento do big data e da ciência de dados provavelmente prenuncia a próxima série de mudanças transformadoras. E o seu foco está na pesquisa de eficácia comparativa (Ottenbacher et al., 2019).
O referido Big data é geralmente definido como conjuntos de dados com tamanhos além da capacidade das ferramentas de software tradicionais de capturar, limpar, gerenciar e processar as informações dentro de um período de tempo razoável. Por tudo isto, a análise de big data envolve novos métodos e tecnologias (por exemplo, aprendizado de máquina) que requerem novas formas de software e a integração de dados que são diversos, complexos e existem em grande escala (Ottenbacher et al., 2019).
Fonte:
Ottenbacher, K. J., Graham, J. E., & Fisher, S. R. (2019). Data Science in Physical Medicine and Rehabilitation. Physical Medicine and Rehabilitation Clinics of North America, 30(2), 459–471. https://doi.org/10.1016/j.pmr.2018.12.003
A base de evidências para intervenções em pessoas com Distúrbio Específico de Aprendizagem - DEA é forte, refletindo o acúmulo de evidências de grandes ensaios clínicos randomizados (Fletcher & Grigorenko, 2017).
Por sua vez, as intervenções acadêmicas são terapias cognitivas complexas que abrangem mais do que simplesmente encorajar as crianças a se envolverem na tarefa. Para aquelas que estão lutando para aprender a ler, escrever e compreender textos e cálculos, a instrução deve ser explícita. Isso significa que o professor, por exemplo, envolve propositalmente e intencionalmente o aluno no material a ser aprendido, com explicações diretas, modelagem de habilidades com estratégias e oportunidades de prática supervisionada (Fletcher & Grigorenko, 2017).
Quanto ao domínio da automatização das tarefas, a prática acelerada é melhor do que a prática não cronometrada, junto com o engajamento estruturado em experiências autênticas que apoiam a prática em leitura, matemática e escrita. E mais, as intervenções abrangentes que incorporam múltiplas práticas de ensino são mais eficazes do que as abordagens focadas em habilidades (Fletcher & Grigorenko, 2017).
Assim, as crianças com dificuldades no nível das palavras precisam de programas que não apenas ensinem a decodificação, mas também se concentrem na compreensão e na automatização das tarefas (Fletcher & Grigorenko, 2017).
Outro aspecto, as crianças aprendem tanto sobre fatos matemáticos se praticarem sistematicamente, por um curto período dentro do contexto de uma abordagem de resolução de problemas, quanto quando ensinadas como uma habilidade isolada. O segredo é que a instrução seja explícita, diferenciada e de acordo com os pontos fortes e fracos nos domínios acadêmicos, E treinadas com intensidade o suficiente em relação à gravidade do problema acadêmico. As intervenções mais eficazes também incorporam uma autorregulação dos componentes que trata da atenção e das dificuldades organizacionais experimentadas por muitos com DEA (Fletcher & Grigorenko, 2017).
Do mesmo modo, as intervenções ineficazes envolvem abordagens que não são explícitas, muitas vezes baseadas em abordagens construcionistas de descoberta. Além disso, a instrução deve se concentrar no conteúdo acadêmico. As intervenções que treinam habilidades isoladas, como memória operacional, processamento auditivo e visual de baixo nível ou outras intervenções não acadêmicas baseadas na modulação cerebral ou visual, não se generalizam para o domínio acadêmico (Fletcher & Grigorenko, 2017).
Um outro quesito apontado nos estudos neurobiológicos, é a extensão da plasticidade nas redes neurais que modulam a leitura e a matemática. Existem mais de 20 estudos que combinam neuroimagem funcional antes e depois da intervenção de leitura, e alguns estudos em matemática. Na leitura, os estudos mostram uma maleabilidade significativa em crianças que respondem à intervenção, com alterações essencialmente normalizadas refletindo o aumento da ativação dos sistemas dorsal e ventral dependendo da tarefa e (provavelmente) da intervenção. Essas mudanças são mantidas em acompanhamentos de 1 ano. Após a intervenção na matemática, ocorre ativação reduzida e uma rede neural melhor organizada, com redução da hiperconectividade (Fletcher & Grigorenko, 2017).
Essas indicações de plasticidade facilitam a interpretação de um achado fundamental da pesquisa de intervenção: os melhores resultados estão associados a intervenções precoces. Quando as crianças são identificadas com dificuldades básicas de leitura e matemática no início do desenvolvimento (antes da 3ª série), os esforços de intervenção levam a uma maior automaticidade. Com esforços corretivos posteriores, a automatização é difícil de alcançar, possivelmente porque os sistemas ventrais precisam de considerável exposição explícita para imprimir e processar padrões ortográficos rapidamente. Sem essa capacidade, a pessoa lê de forma lenta e ineficiente, com atenção excessiva à leitura de palavras, o que prejudica o acesso ao sentido do texto (Fletcher & Grigorenko, 2017).
Fonte:
Fletcher, J. M., & Grigorenko, E. L. (2017). Neuropsychology of Learning Disabilities: The Past and the Future. Journal of the International Neuropsychological Society, 23(9–10), 930–940. https://doi.org/10.1017/S1355617717001084
Sim, pois o estudo da função cerebral na saúde ou doença requer a integração de dados comportamentais e neurofisiológicos. Os exames de imagens fornecem os dados neurofisiológicos, mas não os comportamentais. Por esse motivo, a necessidade da avaliação neuropsicológica (ROALF; GUR, 2017). .
Clinicamente, o potencial é incomensurável para que a Imagem de Ressonância Magnética funcional - fMRI se torne parte integrante da prática clínica da neuropsicologia. Atualmente, a fMRI clínica tem duas aplicações principais(ROALF; GUR, 2017):
a) a geração de biomarcadores não invasivos da função cerebral para a classificação e monitoramento de pacientes neurológicos e psiquiátricos, e
b) planejamento pré-cirúrgico em cirurgias que podem afetar áreas motoras, de linguagem e de memória.
Outra contribuição entre esses dois exames é a incorporação da análise de rede na neuropsicologia via a fMRI. A cognição humana adulta é apoiada por sistemas de regiões cerebrais, ou módulos, que são funcionalmente coerentes em repouso e ativados coletivamente por requisitos de tarefas distintos. Várias redes fundamentais em estado de repouso foram descobertas pela junção desses campos, incluindo as redes somatossensoriais e redes de modo padrão. A elucidação das redes de estado de repouso envolvidas na atenção e cognição é talvez ainda mais relevante para a neuropsicologia. Isso inclui as redes de atenção dorsal e ventral; o primeiro envolvido no controle executivo da atenção, enquanto o último auxilia na detecção de pistas salientes. Além disso, a rede de controle frontoparietal e a rede cingulo-opercular parecem estar envolvidas em funções de ordem superior, como tomada de decisão e execução de tarefas direcionadas a objetivos, respectivamente (ROALF; GUR, 2017).
Consequentemente, as flutuações espontâneas na atividade cerebral aparentemente servem para organizar, coordenar e manter sistemas cerebrais funcionais e auxiliar no processamento de informações. Uma compreensão de como a formação desses módulos apoia a evolução das capacidades cognitivas pode ser alcançada aplicando métodos da teoria dos grafos, projetados para caracterizar padrões de conectividade. As regiões do cérebro são definidas como nós e as conexões entre elas como “bordas”. A teoria dos grafos pode usar qualquer medida que defina a força da conectividade entre os nós, como correlações de séries temporais de flutuações de sinal, para construir um modelo de conectividade geral e regional (ROALF; GUR, 2017).
Do mesmo modo, essa abordagem tem sido útil para medir a plasticidade dos sistemas cognitivos durante o treinamento cognitivo, estudando mudanças no desenvolvimento e relacionadas à idade nas redes neurais; e na diferenciação de indivíduos com distúrbios neurológicos e neuropsiquiátricos de indivíduos saudáveis (ROALF; GUR, 2017).
A melhoria no desempenho cognitivo é uma pedra angular da neuropsicologia e estudos recentes de rsfMRI, em que demonstraram que a experiência repetida com problemas de raciocínio altera a conectividade do cérebro. Especificamente, o treinamento durante um período de três meses alterou a conectividade funcional nos sistemas cerebrais frontoparietal e parietal-estriatal. Mais importante ainda, essas mudanças na conectividade do cérebro foram associadas a melhorias nos testes padronizados. Tal resultado sugere que as abordagens neuropsicológicas podem ter um impacto direto e significativo nos padrões cerebrais individualizados de rsfMRI (ROALF; GUR, 2017).
Num cérebro lesionado ou com disfunção em uma área específica requer a conjunção desses dois exames. No futuro, o profissional neuropsicólogo irá aplicar a sua bateria de testagem computadorizadas baseados na neurociência cognitiva moderna e validados com neuroimagem estrutural e funcional. Logo, esse neuropsicólogo clínico irá acompanhar a entrevista clínica e os exames com uma sessão de fMRI, supervisionada pelo neuropsicólogo, na qual uma bateria computadorizada de exames será administrada ao paciente no scanner. A leitura incluirá de forma mais rápida as informações sobre aberrações em parâmetros cerebrais e redes relacionadas a déficits comportamentais, que serão auxiliados por imagens e gráficos a serem interpretados pelo neuropsicólogo clínico (ROALF; GUR, 2017).
Fonte:
ROALF, D. R.; GUR, R. C. Functional brain imaging in neuropsychology over the past 25 years. Neuropsychology, v. 31, n. 8, p. 954–971, nov. 2017.
A neuroreabilitação das funções cognitivas em pessoas com Esclerose Múltipla – EM se baseia numa combinação de abordagens comportamentais (cognitivas e exercícios físicos) e farmacológicas. Entretanto, dada a atual falta de evidências de abordagens farmacológicas e de exercícios físicos, a neuroreabilitação cognitiva é a intervenção atual de escolha (Benedict et al., 2017).
Consequentemente, a neuroreabilitação é primordial, em função da frequência e gravidade das deficiências cognitivas na EM e do seu impacto na vida cotidiana. Por exemplo, na revisão da Cochrane realizada por das Nair, Martin, & Lincoln (2016), foi indicado o efeito clínico significativo da intervenção na memória de curto e longo-prazo, acompanhado de melhora substancial na qualidade de vida desses pacientes (Benedict et al., 2017).
Outro exemplo, essa de recomendação máxima (classe 1), é a Técnica de Memória de História modificada (mSMT). A técnica é projetada para melhorar a aquisição de novo aprendizado. Os resultados indicaram melhora considerável na aprendizagem, na memória e na vida cotidiana dos pacientes (Benedict et al., 2017).
Do mesmo modo, outras técnicas de modulação da memória têm se mostrado eficazes na melhoria da codificação, armazenamento e recuperação de conteúdo mnemônico: a aprendizagem espaçada, a aprendizagem autogerada e a prática de recuperação – ou o efeito de teste (Benedict et al., 2017).
Importante ressaltar que não é só o domínio mnemônico que são foco de intervenção efetivas. Outros recursos vêm sendo demonstrados como essenciais para modular a atenção, memória operacional e outros subnúcleos das funções executivas (Benedict et al., 2017).
Igualmente, numerosos estudos demonstraram que a reabilitação cognitiva não apenas melhora as funções cognitivas e a atividade da vida cotidiana, mas também promove mudanças adaptativas na atividade cerebral por meio da neuroplasticidade (Benedict et al., 2017).
Por exemplo, Chiaravalloti et al. demonstraram que as melhorias cognitivas e comportamentais observadas usando a intervenção comportamental mSMT foram associadas ao aumento da atividade em várias redes cerebrais, aumento da conectividade funcional no estado de repouso entre o hipocampo e outras estruturas cerebrais, e que esses efeitos foram mantidos no acompanhamento de longo prazo (Chiaravalloti et al., 2020).
Existem agora dezenas de estudos de pesquisa que mostram mudanças de plasticidade adaptativa semelhantes seguindo vários tipos e formas de reabilitação cognitiva em pessoas com EM (Benedict et al., 2017).
Em resumo, diante de resultados mistos, geralmente negativos, de intervenções farmacológicas para melhorar a memória e do exercício físico, embora promissor, seus efeitos definitivos na cognição aguardam novas pesquisas com projetos metodológicos aprimorados, até o momento, as intervenções de base cognitiva continuam sendo a abordagem mais eficaz para tratar o comprometimento cognitivo nesse grupo clínico (Benedict et al., 2017).
Fontes:
Benedict, R.H.B., DeLuca, J., Enzinger, C., Geurts, J.J.G., Krupp, L.B., Rao, S.M., 2017. Neuropsychology of Multiple Sclerosis: Looking Back and Moving Forward. J. Int. Neuropsychol. Soc. 23, 832–842. https://doi.org/10.1017/S1355617717000959
Chiaravalloti, N.D., Moore, N.B., DeLuca, J., 2020. The efficacy of the modified Story Memory Technique in progressive MS. Mult. Scler. J. 26, 354–362. https://doi.org/10.1177/1352458519826463
A Negligência Espacial é uma condição incapacitante que frequentemente apresenta dificuldades diagnósticas, mesmo para especialistas familiarizados com essa classe. Esta síndrome, classicamente, se apresenta como desorientação espacial não dominante (frequentemente do lado esquerdo) após um evento patológico no hemisfério cerebral direito, geralmente no córtex parietal posterior direito. Ela, além do comprometimento sensorial e motor, também pode afetar outros componentes como déficits perceptuais, representacionais, visuoespaciais, comportamentais, etc. O aspecto mais desafiador desta doença é a consciência anormal e frequente do paciente em relação ao seu déficit, denominado anosognosia e presença de disfunção emocional (SARWAR; EMMADY, 2021).
A negligência espacial afeta 50% dos sobreviventes de AVE agudo. Adversamente, impacta a recuperação desses pacientes levando-os a maiores despesas hospitalares e pós-hospitalares (BARRETT et al., 2013).
Os profissionais podem estimar a gravidade dessa negligência unilateral usando o Processo de Avaliação de Negligência da Fundação Kessler (KF-NAP) ou os escores da Escala de Conley (SARWAR; EMMADY, 2021).
A negligência é uma síndrome heterogênea devido as variações na localização e extensão do dano cerebral. Esse desequilíbrio inter-hemisférico faz com que o hemisfério esquerdo se torne mais ativo após a lesão do hemisfério direito, o que resulta em desvio de atenção e movimentos dos olhos para o lado direito. A presença de negligência espacial indica um prognóstico grave em termos de funcionamento independente a longo prazo do paciente (SARWAR; EMMADY, 2021).
Inicialmente, os tratamentos de negligência espacial tratavam principalmente da disfunção visual, embora os estudos na área das neurociências dissessem que, distinto dos erros visuoespaciais, as pessoas com negligência espacial cometem erros espaciais incapacitantes, baseados no corpo e na exploração motora. O equívoco de privilegiar apenas uma abordagem visual, é provavelmente em função dos designers dos estudos feitos no passado, que recrutavam indivíduos e avaliam os resultados de forma a evitar a detecção de melhorias na função motora espacial. Esse bloqueio translacional entre a neurociência e a pesquisa clínica pode ter confundido a conduta dos neuroreabilitadores (BARRETT et al., 2013).
A vantagem do treinamento de adaptação de prisma é que o recurso é simples e acessível, quando comparado com as terapias visuais comumente usadas. Outra vantagem é a posologia clínica de efeito inicial, uma vez que as sessões são curtas e frequentes, no caso do contexto hospitalar. Por exemplo, com as lentes de prisma convergente, com deslocamento para a direita de 20 dioptrias de 12,4° são geralmente usadas em 10 sessões curtas de treinamento motor intensivo (BARRETT et al., 2013).
Na referida intervenção, os pacientes apontam repetidamente para alvos ou realizam tarefas manuais contínuas, enquanto a visão dos próprios movimentos do braço é parcialmente bloqueada. Durante o treinamento, os participantes, inicialmente, apresentam erros para a direita, ou seja, na orientação do deslocamento óptico, mas conforme executam movimentos repetidos (geralmente por volta de 50 tentativas) muitos começam a apontar com precisão (BARRETT et al., 2013).
Dosagem de início terapêutico:
Duração:10 sessões de treinamento
Intensidade: 15-30 minutos.
Acrescenta-se que os prismas são usados apenas durante o treinamento, deixando o resto do dia livre para outras atividades ou reabilitação. Após o treinamento, com a remoção das lentes, os pacientes geralmente apresentam efeitos colaterais transitórios. Ou seja, erram os movimentos na direção oposta - para a esquerda (BARRETT et al., 2013).
Os resultados do procedimento em sobreviventes de AVE com negligência podem persistir por mais tempo do que em controles saudáveis e a melhoria do "direcionamento" motor espacial para a esquerda pode generalizar-se para melhorar a função da vida diária (BARRETT et al., 2013).
Do mesmo modo, melhorias significativas na independência foram relatadas em alguns pacientes, após o treinamento de adaptação do prisma. Isto é, eles começaram a andar por conta própria em uma cadeira de rodas para deslocamentos ou recuperaram a capacidade de se vestirem (BARRETT et al., 2013).
Portanto, os pontos de vantagens do treinamento de adaptação do prisma, quanto a sua eficácia que vem sendo demonstrada, é que a técnica:
a) primeiro, emprega princípios de aprendizagem motora, uma abordagem fundamental para apoiar a reabilitação funcional motora.
b) segundo, é dependente da experiência ou da atividade (cognição-motora, via regulação entre os polos percepção-ação) ao invés das estratégias puramente top-down.
c) terceiro, é um procedimento, em vez de um conjunto de instruções verbais ou objetivos conscientes a serem lembrados; ela fornece múltiplas oportunidades de aprendizagem e experiência direta com erro (BARRETT et al., 2013).
Fontes:
BARRETT, A. M. et al. Neurorehabilitation: Five new things. Neurology. Clinical practice, v. 3, n. 6, p. 484–492, dez. 2013.
SARWAR, A.; EMMADY, P. D. Spatial Neglect. 2021.
A neuroreabilitação desempenha um papel importante para a plasticidade neural e recuperação funcional após uma lesão ou disfunção neuropsiquiátrica (Fujiwara et al., 2017). Bem como, em sua aplicação clínica, é um novo arsenal de recursos clínicos que os profissionais da saúde têm para intervir em distúrbios cerebrais incapacitantes, como por exemplo, o Acidente Vascular Encefálico – AVE e a Lesão Cerebral Traumática (Barrett et al., 2013). Essa área é baseada na medicina de reabilitação, neurociência e neurofisiologia (Fujiwara et al., 2017).
Por exemplo, a neuroreabilitação usando a estimulação elétrica neuromuscular controlada por eletromiografia (EMG) para a função motora da extremidade superior, após o AVE, melhorou a função do braço e da mão e pode induzir alteração plástica no interneurônio intracortical e no interneurônio recíproco espinhal. Outro uso demonstrado, é na recuperação funcional induzida pelo exercício após lesão medular. O exercício terapêutico pode induzir a remodelação do músculo esquelético, alteração fisiológica do neurônio motor espinhal e remodelação do córtex motor (Fujiwara et al., 2017).
Do mesmo modo, estudos neurofisiológicos revelaram atividade neural relacionada à redução da velocidade da marcha na doença de Parkinson e recuperação funcional da hemiplegia após AVE (Fujiwara et al., 2017).
Em outras palavras, esse é um paradigma intelectual emergente para recuperação neurológica que inclui regeneração neural, reparo e reorganização dinâmica de sistemas neurais funcionais, bem como o aumento da consciência dos princípios comportamentais que podem modular o retorno e/ou compensação da funcionalidade. Ainda que timidamente, muitos profissionais já vêm ofertando aos sistemas de saúde e aos pacientes tratamentos baseados na aprendizagem dependente da experiência, estimulação neurofisiológica e uma combinação desses conceitos (Barrett et al., 2013).
As intervenções com a neuroreabilitação deflagraram-se a partir do ano 2000, em paralelo com uma mudança no paradigma dos cuidados neurológicos. Em meados do século XX, abandonamos a suposição de que o efeito de uma lesão cerebral, como um AVE; na função, atividade e participação – indicadores ancorados na Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, conhecida como CIF, seria permanente e nos tornamos cada vez mais conscientes do potencial regenerativo do cérebro, bem como da reorganização dinâmica dele, após meses e até muitos anos depois de um evento traumático. Cientistas de neuroreabilitação vêm mostrando por meio de pesquisas translacionais sob quais condições ocorrem as mudanças e a recuperação ideal do cérebro. Nesses casos, aparentemente, exigindo estimulação intensiva e controlada de redes cerebrais prejudicadas (Barrett et al., 2013).
Um dos principais recursos usados nas demonstrações da plasticidade neural induzida pela neuroreabilitação são as aferições via neuroimagem. Esses estudos vêm revelando novos achados de reorganização cortical após lesão da medula espinhal, paralisia do nervo facial, perda auditiva e exercícios aeróbicos em adultos mais velhos. Logo, as técnicas neurofisiológicas e de neuroimagem avançadas estão fornecendo novos insights sobre a recuperação funcional em distúrbios neurológicos (Fujiwara et al., 2017).
Fontes:
Barrett, A. M., Oh-Park, M., Chen, P., & Ifejika, N. L. (2013). Neurorehabilitation: Five new things. Neurology: Clinical Practice, 3(6), 484–492. https://doi.org/10.1212/01.CPJ.0000437088.98407.fa
Fujiwara, T., Paik, N.-J., & Platz, T. (2017). Neurorehabilitation: Neural Plasticity and Functional Recovery. Neural Plasticity, 2017, 1–1. https://doi.org/10.1155/2017/3764564
Este programa de fisioterapia convencional, conjugado com o console de Nintendo Wii demonstrou melhorar a funcionalidade, o equilíbrio e as atividades de vida diária dos pacientes que sofreram um AVE. O programa recorre a um método inovador, eficiente e acessível.
Recursos necessários:
Realidade virtual com Nintendo Wii (VRWiiG)
Treino de equilíbrio com Wii Balance Board
Exercícios de membros superiores com pacote Wii Sports
Somados a fisioterapia convencional
O estudo explica que os jogos de vídeo-game permitem aos fisioterapeutas projetarem os programas de reabilitação para otimizar os princípios de plasticidade cerebral. E não somente isso, o console dá respostas em tempo quanto ao desempenho e ao progresso, que permitem modular a resposta motora, além de aumentar a motivação, o divertimento e a aderência dos pacientes ao tratamento.
Os outros benefícios do Wii são que ele é fácil de usar; relativamente disponível; pode ser usado individualmente e, em casa. Esses atributos permitem aumentar a frequência de treinamento, tão importante para alcançar a neuroplasticidade positiva das habilidades alvo do treino.
Neste caso, quanto a neuroplasticidade, uma das ferramentas do Wii é o controle da distância, agregado a uma tabela de equilibrio que detecta a transferência do peso. Esses dados são refletidos num avatar na tela, que permite que o paciente observe seus próprios movimentos e gere uma reação positiva. Ao mesmo tempo, o feedback do seu movimento tem tempo real conduz a um reforço dos mecanismos de aprendizagem motora. Assim, quando o paciente observa os seus movimentos, as mudanças da plasticidade que dependem do uso das áreas sensoriais que pertencem ao sistema de neurônio espelho são reforçados.
Dosagem de início de efeito clínico:
Duração: 4 semanas
Intensidade: 50 minutos
Frequência: 2 vezes por semana
Avaliação de seguimento T1 (início da intervenção) e T2 (final da intervenção):
Timed up and go (TUG)
Tinetti Performance-Oriented Mobility Assessment (POMA)
Berg Balance Scale (BBS)
Avaliação Fugl-Meyer do Membro Superior, Índice de Barthel, Índice de Atividade de Frenchay (FAI)
Resultados: Foram promissores na funcionalidade, equilíbrio e atividades de vida diária ao adicionar a realidade virtual com Nintendo Wii à fisioterapia convencional em sobreviventes de AVE crônico, quando comparado ao grupo que recebeu apenas a fisioterapia convencional.
Fonte:
Marques-Sule E, Arnal-Gómez A, Buitrago-Jiménez G, Suso-Martí L, Cuenca-Martínez F, Espí-López GV. Effectiveness of Nintendo Wii and Physical Therapy in Functionality, Balance, and Daily Activities in Chronic Stroke Patients. J Am Med Dir Assoc. 2021 May;22(5):1073-1080. doi: 10.1016/j.jamda.2021.01.076. Epub 2021 Feb 24. PMID: 33639116.
Existem três categorias gerais de causas do declínio cognitivo associado ao envelhecimento:
desuso
doença e
envelhecimento per se.
Devido ao desuso, as pessoas tendem a usar prioritariamente certas habilidades em detrimento de outras com a idade e, portanto, essas habilidades que são colocadas em "stand-by" diminuem.
Quanto a doenças, principalmente a físicas, tendem a aumentar a incidência com a idade, o que potencializa o comprometimento do funcionamento cognitivo.
E por último, devido ao envelhecimento normotípico, existem mudanças neurobiológicas reais com a idade que contribuirão para a deterioração das habilidades cognitivas, conforme pode ser visualizado na figura acima, o auge da performance foi entre 18 e 21 anos e após esta faixa etária o desempenho começa a retroceder novamente. Esses dados foram retirados do teste de Aprendizagem Auditivo-Verbal de Rey (RAVLT), na etapa de recordação de palavras com o passar do tempo, em validação para a população brasileira.
A variabilidade de desempenho entre diferentes indivíduos dentro de uma faixa etária aumenta com a idade devido a cada um desses três principais fatores (desuso, doença e envelhecimento per se) que contribuem para o declínio da idade.
A melhor defesa contra a deterioração cognitiva relacionada à idade é a prática. Neste caso, a prática dever ser vista como o que disseram os pais da neuroplasticidade: “o cérebro encolhe com o empobrecimento e cresce em um ambiente enriquecido em qualquer idade” (Diamond et al., 1971 , 1984 ; Malkasian e Diamond, 1971) e para que ele tenha uma neuroplasticidade positiva, Diamond identificou cinco aspectos essenciais que o nutre no decorrer na vida: a novidade, o desafio, o exercício físico, a dieta e o amor (Shaffer J. 2016). Portanto, a prática desses 5 aspectos tende a mitigar os efeitos do envelhecimento, não permitindo que ocorra o desuso.
Além disso, a prática pode supercompensar os efeitos da idade ao construir uma “poupança” de reserva cognitiva maior para compensar quaisquer efeitos neurobiológicos reais da idade. A prática também pode levar a estratégias compensatórias nas quais são encontradas maneiras alternativas de manter os níveis de desempenho.
Logo, qualquer melhoria na função cognitiva agrega melhorias também na qualidade de vida e bem-estar, uma vez que a literatura sugere que as medidas de variáveis não cognitivas, como humor, funcionalidade, qualidade de vida percebida, estão associadas aos efeitos de interações cognitivas.
Fontes:
Shaffer J. (2016). Neuroplasticity and Clinical Practice: Building Brain Power for Health. Frontiers in psychology, 7, 1118. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2016.01118
ZEC, R. F. The neuropsychology of aging. Experimental Gerontology, v. 30, n. 3–4, p. 431–442, maio 1995.
O desempenho da leitura na hemianopia depende altamente de sua configuração: na divisão macular, metade do campo visual de leitura é coberto pelo escotoma e, consequentemente, é disfuncional. Em pacientes com preservação macular, o campo visual de leitura (amplitude de percepção durante uma fixação) pode ser totalmente poupado e a leitura não é prejudicada. Por outro lado, um pequeno escotoma homônimo paracentral pode cobrir metade do campo visual de leitura e levar a graves problemas de leitura.
O desempenho de leitura depende do lado em que se encontra a disfunção de campo, no que diz respeito à direção de leitura:
a) em idiomas que exigem mover os olhos da esquerda para a direita ao longo da linha, os pacientes são muito mais prejudicados por uma hemianopia direita, indicado por um aumento do número de sacadas, regressões e uma velocidade de leitura severamente reduzida.
b) Se houver hemianopsia esquerda, os pacientes têm o problema de encontrar o início da próxima linha, indicada por várias sacadas hipométricas durante a varredura de retorno.
MECANISMOS ADAPTATIVOS ESPONTÂNEOS PARA LEITURAUm mecanismo adaptativo promissor é a fixação excêntrica: uma minoria de pacientes (aproximadamente 20%) é capaz de usar um locus de fixação ligeiramente excêntrico, que muda sua borda do campo visual para o lado hemianópico e cria uma faixa estreita de visão ao longo da borda do campo vertical. Eles podem usar este mecanismo sacrificando um pouco da acuidade visual e ganhando um campo visual de leitura ligeiramente ampliado, o que leva à fixação excêntrica homônima.
Outro mecanismo adaptativo favorável é fazer sacadas preditivas, especialmente em pacientes com hemianopia esquerda. Esses podem aprender a aplicar uma única sacada preditiva hipermétrica para encontrar o início da nova linha.
EVIDÊNCIAS QUANTO A NEUROREABILITAÇÃO DO DISTÚRBIO HEMIANÓPICO DE LEITURAEm estudos controlados randomizados foi demonstrado que a leitura de texto guiado para hemianopia direita foi eficaz para melhorar a velocidade de leitura. Outra estratégia para melhorar a velocidade de leitura, é por meio da modulação via tarefa de busca em uma linha de palavras e com treinamento anti-sacádico.
Outras abordagens, baseadas na experiência clínica, são para potencializar a orientação na página por meio do uso de recursos visuais e táteis, por exemplo, o dedo indicador, uma régua ou uma régua de aumento ligeiramente vertical com uma linha guia vermelha. No entanto, transformar o texto em uma orientação vertical ou diagonal ainda não foi estudado sistematicamente.
Reafirmando, que para potencializar a reabilitação da hemianopia, apenas métodos compensatórios têm se mostrado eficazes em estudos baseados em evidências até o momento, via:
a) tarefas de busca visual e audiovisual,
b) treinamento de atenção e tarefas sacádicas / anti-sacádicas.
Para leitura:
a) texto guiado para hemianopia direita e tarefa de pesquisa em uma linha de palavras.
Fonte:Horton, J. C., Fahle, M., Mulder, T., & Trauzettel-Klosinski, S. (2017). Adaptation, perceptual learning, and plasticity of brain functions. Graefe's archive for clinical and experimental ophthalmology = Albrecht von Graefes Archiv fur klinische und experimentelle Ophthalmologie, 255(3), 435–447. https://doi.org/10.1007/s00417-016-3580-y
A base do manejo clínico convencional do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) tem sido as intervenções farmacológicas e comportamentais/psicológicas. Quanto aos exercícios físicos, incluindo o esporte estruturado, ainda é tímida a indicação na clínica como recurso complementar. Ainda que exista uma base sustentável quanto ao seu efeito clínico na modulação dos sintomas cognitivos/comportamentais e ser uma alternativa de tratamento para àqueles em que as intervenções tradicionais indicam baixa resposta clínica e/ou efeitos adversos, no caso do tratamento medicamentoso (Christiansen et al., 2019; Ng et al., 2017).
Claro, o campo de evidências quanto a recomendação do esporte nas doenças psiquiátricas e neurológicas é novo. A psiquiatria do esporte, contendo o tópico de tratamento de transtornos mentais com exercícios, surgiu a pouco menos de 3 décadas, em 1994. Logo, desde então é que a terapia esportiva de transtornos mentais vem recebendo base científica. A prevenção psiquiátrica otimizada, o tratamento de atletas e o suporte ideal relacionado ao esporte para indivíduos com transtornos mentais devem ser o principal objetivo para o futuro próximo. (Ströhle, 2019).
Consequentemente, voltando ao cerne da questão, nas instalações de treinamento esportivo, o modelo de diferença tem maior probabilidade de ser eficaz para pacientes com TDAH porque eles têm a oportunidade de se adaptar e mudar seus comportamentos, em vez de serem culpados e punidos por seus sintomas de TDAH. Nesse contexto, o treinador tem estratégias que leva o seu aluno a assumir o controle, administrar e se envolver com o ambiente para minimizar os sintomas de TDAH (Wolfe and Madden, 2016).
Em outras palavras, os treinadores esportivos são prestadores de cuidados de saúde valiosos e essenciais para pacientes com TDAH. Esses profissionais atuam de forma orientada para o desempenho no esporte via educação diretiva. No entanto, para que um paciente com TDAH tenha um resultado bem-sucedido em um ambiente de treinamento atlético movimentado, esses treinadores devem adaptar o ambiente de tratamento às necessidades desses pacientes. E, para tanto, eles podem se orientar nas “recomendações baseadas em evidências para treinadores esportivos que cuidam de pacientes com TDAH” de Wolfe and Madden (2016).
Consequentemente, o esporte individualizado é capaz de regular a parte motora, emocional e cognitivas de grupos clínicos com TDAH. Entretanto, sabemos que para isto ele não deve ser implementado eventualmente, e sem estratégias por parte do treinador. Na rotina de treinamento no esporte, para este grupo clínico, a frequência, a intensidade e a duração são alvos da variável de acompanhamento à curto, médio e longo prazo.
Por fim, o esporte tem sido sugerido como uma terapia adjuvante segura e de baixo custo para o TDAH e é relatado como sendo acompanhado por efeitos positivos em vários aspectos das funções cognitivas na população infantil em geral (Christiansen et al., 2019). Por exemplo, o estudo de Hattabi et al. (2019) investigou os efeitos de um programa de natação recreativa nas funções cognitivas de crianças tunisianas com TDAH. Os resultados indicaram que houve melhoria significativa na precisão da memória, atenção seletiva e processo de inibição. No pós-programa, as crianças experimentaram uma redução geral dos tempos de execução da tarefa com menos erros de omissões. Elas também cometeram menos erros em situações de interferência, sinalizando um melhor funcionamento cognitivo.
Portanto, o esporte estruturado é recomendado para pacientes com TDAH. Em pouco tempo de adesão, é possível aferir os efeitos benéficos em várias áreas da vida do paciente. Afinal, a intervenção é para melhorar o dia a dia das pessoas.
Fontes:Christiansen, L., Beck, M.M., Bilenberg, N., Wienecke, J., Astrup, A., Lundbye-Jensen, J., 2019. Effects of Exercise on Cognitive Performance in Children and Adolescents with ADHD: Potential Mechanisms and Evidence-based Recommendations. J. Clin. Med. 8, 841. https://doi.org/10.3390/jcm8060841
Hattabi, S., Bouallegue, M., Ben Yahya, H., Bouden, A., 2019. Rehabilitation of ADHD children by sport intervention: a Tunisian experience. Tunis. Med. 97, 874–881.
Ng, Q.X., Ho, C.Y.X., Chan, H.W., Yong, B.Z.J., Yeo, W.-S., 2017. Managing childhood and adolescent attention-deficit/hyperactivity disorder (ADHD) with exercise: A systematic review. Complement. Ther. Med. 34, 123–128. https://doi.org/10.1016/j.ctim.2017.08.018
Ströhle, A., 2019. Sports psychiatry: mental health and mental disorders in athletes and exercise treatment of mental disorders. Eur. Arch. Psychiatry Clin. Neurosci. 269, 485–498. https://doi.org/10.1007/s00406-018-0891-5
Wolfe, E.S., Madden, K.J., 2016. Evidence-Based Considerations and Recommendations for Athletic Trainers Caring for Patients With Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder. J. Athl. Train. 51, 813–820. https://doi.org/10.4085/1062-6050-51.12.11
Um programa de intervenção estruturado para modulação de disfunções é composto pelo número sessões, frequência, intensidade e o limiar de resistência cognitiva. Este último, praticamente inexistente quanto a sua exploração nos estudos da área. Entretanto, esses valores não devem ser definidos aleatoriamente, ou a esmo. É preciso ser pautado, no mínimo, em um estudo científico, que aferiu algum efeito clínico na manipulação dessas importantes variáveis.
Apresentamos 3 estudos que trazem a posologia das doses terapêuticas para a integração sensorial no grupo clínico de indivíduos com Transtorno do Espectro Autista – TEA. Bem como, as discrepâncias nos resultados clínicos alcançados entre eles. Atentem para o terceiro estudo, o único que indicou tamanho de efeito clínico recomendado.
Lembrando que, a abordagem integrativa sensorial abrange o uso de avaliações que medem áreas específicas de desempenho sensorial e motor, sendo fundamental que a intervenção seja guiada por princípios específicos e documentação de resultados sensíveis e significativos. Logo, com o controle rígido das variáveis dependentes e independentes no uso dos recursos de intervenções (Schaaf et al., 2014).
Estudo 1 (Iwanaga et al., 2014):Dosagem: 37,2 sessões; intensidade: 1 hora; frequência: 1 vez por semana (num período de 8 a 10 meses = média 9,3)
Os resultados: ganhos positivos e estatisticamente significativos para o grupo TEA em cinco das seis medidas de resultado; tamanho médio do efeito foi de 0,23; que está abaixo do corte de 0,25 recomendado pelas diretrizes do What Works Clearinghouse (Schoen et al., 2019).
Estudo 2 (Estudo 2 (Pfeiffer et al., 2011):Dosagem: 18 sessões; intensidade: 45 minutos; frequência: 3 vezes por semana (num período de 6 semanas).
Avaliação de linha de base e de saída: As dificuldades de integração sensorial foram confirmadas para todos os participantes por meio de uma avaliação completa antes do início da intervenção.
Resultados: melhorias estatisticamente significativas nas metas da Escala de Atingimento de Meta (GAS), bem como uma diminuição significativa nos maneirismos do autismo, conforme medido pela Escala de Responsividade Social (SRS). Tamanhos de efeitos positivos para as metas de GAS (tamanho do efeito = 0,360 para avaliações de professores e 0,125 para avaliações de pais), bem como para maneirismos de autismo no SRS (d = 0,131). No entanto, a média desses três tamanhos de efeito foi de 0,21, que está abaixo do corte de 0,25 recomendado pelas diretrizes do What Works Clearinghouse (Schoen et al., 2019).
Estudo 3 (Schaaf et al., 2014):Dosagem: 30 sessões; intensidade: 1hora; frequência: 3 vezes por semana (num período de 10 semanas).
Avaliação: ADIR e o ADOS para confirmar o diagnóstico de TEA (testes padrão ouro). Todas as crianças receberam uma avaliação completa da integração sensorial, permitindo aos intervencionistas individualizar o tratamento.
Resultados: Melhorias estatisticamente significativas para o grupo TEA. Um tamanho de efeito muito grande (d de Cohen = 1,20) para resultados GAS, para assistência do cuidador no autocuidado por meio da Pediatric Evaluation of Disability Inventory /PEDI (d = 0,9) e escalas de atividades sociais (d = 0,7) foram relatados para o grupo TEA. O tamanho médio do efeito é 0,933; bem acima das diretrizes do What Works Clearinghouse (Schoen et al., 2019).
FONTES:Iwanaga, R., Honda, S., Nakane, H., Tanaka, K., Toeda, H., Tanaka, G., 2014. Pilot Study: Efficacy of Sensory Integration Therapy for Japanese Children with High-Functioning Autism Spectrum Disorder. Occup. Ther. Int. 21, 4–11. https://doi.org/10.1002/oti.1357
Pfeiffer, B.A., Koenig, K., Kinnealey, M., Sheppard, M., Henderson, L., 2011. Effectiveness of Sensory Integration Interventions in Children With Autism Spectrum Disorders: A Pilot Study. Am. J. Occup. Ther. 65, 76–85. https://doi.org/10.5014/ajot.2011.09205
Schaaf, R.C., Burke, J.P., Cohn, E., May-Benson, T.A., Schoen, S.A., Roley, S.S., Lane, S.J., Parham, L.D., Mailloux, Z., 2014. State of Measurement in Occupational Therapy Using Sensory Integration. Am. J. Occup. Ther. 68, e149. https://doi.org/10.5014/ajot.2014.012526
Schoen, S.A., Lane, S.J., Mailloux, Z., May‐Benson, T., Parham, L.D., Smith Roley, S., Schaaf, R.C., 2019. A systematic review of ayres sensory integration intervention for children with autism. Autism Res. 12, 6–19. https://doi.org/10.1002/aur.2046